Os atores Brendan Gleeson e Colin Farrell em descampado em cena de 'Os banshees de Inisherin'

Brendan Gleeson e Colin Farrell, que interpretam os protagonistas do filme, estão indicados ao Oscar. Título disputa nove estatuetas

SEARCHLIGHT PICTURES/DIVULGAÇÃO


Na mitologia celta, banshee, que integra a família das fadas, é o lado mais obscuro desses seres mágicos – é conhecida por prever a morte. Inisherin é ilha remota, fictícia, na costa oeste da Irlanda. Está explicado o título de difícil compreensão (e pronúncia) de um dos maiores concorrentes ao Oscar 2023. 

Com estreia nesta quinta-feira (2/2), “Os banshees de Inisherin”, do cineasta irlandês Martin McDonagh, está indicado a nove estatuetas – melhor filme, direção, roteiro original (também para McDonagh), ator para Colin Farrell, coadjuvantes para Brendan Gleeson e Barry Keoghan, atriz coadjuvante para Kerry Condon, trilha sonora e montagem.

Exatos 100 anos atrás, ocorria a Guerra Civil irlandesa (1922-1923), conflito que acompanhou a criação do Estado Livre Irlandês e dividiu os próprios nacionalistas irlandeses. Essa guerra pouco importa para a história, já que uma batalha silenciosa está sendo iniciada na pequena Inisherin, lugar que da guerra civil só se ouvem barulhos ao longe.



“Só não gosto mais de você.” Essa frase, proferida sem nenhuma emoção, acaba com Pádraic (Colin Farrell). Ele é um morador local que passa seus dias entre seus bichos (incluindo uma mula, que insiste em levar para o interior de casa) e a irmã Siobhán (Kerry Condon) e as noites no pub local, com seu melhor amigo, Colm (Brendan Gleeson). 

Fim da amizade

Ao ouvir de Colm, um homem igualmente solitário que tem como maior companhia seu próprio violino, que a amizade entre eles acabou, Pádraic entra em parafuso. O mais velho não quer mais falar com ele. Pádraic é otimista demais, limitado, e Colm tem pretensões maiores. Em uma noite recente, ouviu-o falar por duas horas sobre as fezes da mula.  

Deprimido pela sensação de que o tempo está passando e determinado a fazer algo criativo com os anos que lhe restam, de preferência alguma canção que fique para a história, Colm decide cortar Pádraic de sua vida. E lhe explica isso ipsis litteris. Mas o homem mais jovem não consegue compreender a lógica por trás da decisão. 

Dia após dia, procura o agora ex-amigo, que lhe comunica uma medida radical: toda vez que Pádraic falar com ele, Colm cortará um de seus próprios dedos. O desenrolar da história vai trazer raiva e desejo de vingança do outrora afável personagem.

Com “Os banshees de Inisherin” McDonagh (de “Três anúncios para um crime”) volta a reunir dois dos mais notáveis atores irlandeses da atualidade. Farrell e Gleeson estiveram juntos, como dois gângsteres, em “Na mira do chefe” (2008), longa de estreia do cineasta. 

Nesta comédia ácida, que por vezes ganha um tom de sátira de filme de casal, os dois dominam a cena com personagens absolutamente díspares – mais de uma vez nos perguntamos como a dupla pode ter sido inseparável, pois há poucos pontos de convergência entre eles.

O time se completa com um número incrível de personagens coadjuvantes. O brilho maior fica por conta de Barry Keoghan, que faz Dominic, o bobo local. Em sua limitação apenas aparente, ele consegue enxergar o que Pádraic, em sua cegueira, não vê – o personagem é também um dos mais doídos da história, por sofrer, sempre calado, com os abusos do pai policial.

“Os banshees de Inisherin” convoca o espectador a um riso torto por meio dos diálogos improváveis. A certa altura, Colm afirma que ninguém se recorda de pessoas legais (a maior qualidade de Pádraic), mas que todos sabem o nome de Mozart. Ao que o ex-amigo com coração de mais e cérebro de menos responde, num muxoxo: “Bem, eu não sei”.

Para além das ironias da narrativa, há muita melancolia: a vida nunca vivida pela solitária Siobhán (e ela, diferentemente do irmão, tem plena consciência disso); o medo do esquecimento que assombra Colm; o sofrimento físico que alcança Dominic. São mágoas e tristezas tratadas com inteligência – e algum nonsense – que fazem de “Os banshees de Inisherin” um retrato forte (e original) da existência humana. 

“OS BANSHEES DE INISHERIN”
• (Irlanda/Reino Unido/EUA, 2022, 114min, de Martin McDonagh, com Colin Farrell, Brendan Gleeson e Kerry Condon) – Estreia nos cines Pátio 7, às 15h30, 18h10 e 20h50; Ponteio 3, às 16h45, 19h05 e 21h20; UNA Cine Belas Artes, às 14h, 16h10 e 18h20