Gabriel García Márquez

Gabriel García Márquez terá conto adaptado por Alberto Breccia em HQ

AFP / Ronaldo SCHEMIDT
O mercado de quadrinhos nacional está mais variado do que nunca, ainda que alguns autores fundamentais de outros países tenham suas obras resumidas por aqui a um par de publicações. Não é o caso do argentino Alberto Breccia, um dos gênios que mais teve livros publicados nos últimos anos por diversas editoras - desde "Mort Cinder", em 2018, pela editora Figura, nove só pela Comix Zone ("O Eternauta 1969", o hilário "Drácula, Dracul, Vlad? Bah...!"), além do sublime "Lovecraft-Poe", pela Quadrinhos na Cia.


"Versões", que chega em 10 de fevereiro, é uma bela adição a esse catálogo, sobretudo por mostrar mais adaptações literárias do ilustrador a partir dos roteiros de Carlos Trilo e Juan Sasturain.


Se a ambição de "Lovecraft-Poe" era grande - com versões em quadrinhos de "O Gato Preto", "O Chamado de Cthulhu", "A Máscara da Morte Rubra" e outros clássicos do terror -, aqui nos deparamos com contos de Jorge Luis Borges, Gabriel García Márquez, Juan Rulfo, Alejo Carpentier, Juan Carlos Onetti e Horacio Quiroga.


O time deve assustar os puristas da arte literária, como o próprio Onetti, que teria detestado a versão do seu texto "As Gêmeas", como aponta o posfácio da professora Laura Janina Hosiasson.


Afinal, Sasturain e Breccia promoveram diversas mudanças na estrutura deste conto sobre uma jovem prostituta e o homem que a matou. O que era sugestão no texto do uruguaio assume tintas violentas e concretas nas pinceladas cinzentas, que impõem um tom grotesco e fantasmagórico.

 

 


A trama com idas e vindas no tempo traz personagens que parecem não pertencer ao mesmo mundo - o que define o destino "piedoso" da moça-, assim como o conto de Onetti não pode existir como HQ senão de forma sufocada. Como em qualquer adaptação, é preciso encarar o resultado com olhos virgens para entender que o sucesso da nova obra depende da morte da sua fonte.

Versão controversa

 


Chama a atenção sobretudo "A Galinha Degolada", versão mais controversa da coletânea. Como trabalho isolado, é notável o uso de quadros repetidos e da cor vermelha -em uma HQ, de resto, toda em preto e branco- para explicar a letargia de quatro irmãos com, aparentemente, algum tipo de deficiência mental que matam a irmã mais nova, mimada pelos pais.

'Versões'

"Versões", de Alberto Breccia, será lançado no dia 10 de fevereiro

Reprodução capa

Em poucas páginas, apenas com diálogos e narrações curtas, a história explica a morte como um processo automático, com a frieza dos serial killers, e dispensa a carga psicológica (também sintética) do conto de Quiroga, especialmente ao retratar os pais. O trunfo narrativo acaba se sobrepondo na HQ, abrindo brecha para uma leitura incompleta dessa joia da literatura.


Para mérito de comparação, a versão de "O Coração Delator", em "Lovecraft-Poe", usa recursos semelhantes (a frieza e a repetição) e se sai melhor na hora de deglutir o material original. Não custa lembrar que o uruguaio Quiroga era obcecado por Poe.

 

 


A relação entre palavra e imagem é outra em "Lembra-se", de Juan Rulfo, no qual Sasturain recorre mais ao texto original. A história do livro "Chão em Chamas" é um diálogo no qual apenas um dos interlocutores relembra a história trágica de Urbano Gómez.


A aridez do texto do mexicano, que mantém só o "osso" de suas narrativas, combina bem com a arte em preto e branco cheia de distorções. A voz do narrador vai se confundindo aos poucos com o flashback, que por vezes prescinde do texto para se dedicar à ação.


Os rostos e membros inchados da arte de Breccia -que muda a cada versão- arrepiam ao traduzir o agnosticismo de Rulfo para os quadrinhos. O final arrepia como o do "Gato Preto" de Poe.

 

Borges, García Márquez...


Impressiona ainda "O Fim", conto de Borges derivado do "Martín Fierro" com clima de faroeste nos pampas, e que Breccia narra qual um cinemascope, alternando entre vastas paisagens em quadros horizontais e closes.

 


Já "A Prodigiosa Tarde de Baltazar", de García Márquez, sabe lidar com os silêncios para contar a história de um carpinteiro pobre que produz uma gaiola enorme para o filho de um ricaço. Seu gesto é piedoso, mas ele mente para o povoado, dizendo que faturou com sua obra. "É preciso fazer coisas aos ricos antes que morram", brada o protagonista. A narrativa cresce com os desenhos que imitam xilogravuras, dando um tom de arte popular e artesanal.


Mas é em "Semelhante à Noite", adaptando o cubano Alejo Carpentier, que Breccia dá sua porrada mais alegórica e política. É uma faceta que sempre eleva suas HQs, como quando, em "Drácula", o vampirão acha que vai aterrorizar Buenos Aires, mas sai correndo ao se deparar com os horrores da ditadura e do capitalismo.


A história acompanha a mentalidade guerreira de um homem que, a cada momento, é representado em outra época - vamos desde a guerra de Troia, passando pelas grandes navegações até a Segunda Guerra Mundial.


É a adaptação mais verborrágica das seis, mas sabe aproveitar o que é fundamental nas HQs - a virada de página, as transformações espaciais e temporais que podem existir dentro de um quadro ou de um quadro para outro (vide "Aqui", de Richard McGuire). É um épico em oito páginas, o suficiente para mostrar a corrupção da guerra ao longo da humanidade.

 

 

Versões

Quando Em pré-venda. Lançamento em 10 de fevereiro

 

Preço R$ 79,90 (80 págs.)

Autor Alberto Breccia, Carlos Trillo e Juan Sasturain

Editora Veneta

Tradução Marcelo Barbão