Avião na pista nas filmagens do longa, com diretor, atores e produtores à frente dele

Diretor, atores e produtores se dedicaram a reconstituir em detalhes o passo a passo do sequestro do avião da Vasp que decolou de Confins

Juliana Chalita/Divulgação

Há praticamente 11 anos à frente de uma pesquisa sobre acidentes aéreos e manutenção de aviões, o jornalista Constâncio Viana Coutinho não tirava da cabeça um episódio que lhe roubou o sono em 1988, quando trabalhava na televisão. 

Com os pés fincados em Brasília, ele mirava o céu, diante da perseguição de um caça Mirage a um Boeing que sobrevoava a cidade. Em jogo, naquelas manobras, estava a vida de mais de 100 ocupantes do avião, que, nos planos de um sequestrador, deveria ser jogado contra o Palácio do Planalto, a fim de matar o então presidente José Sarney. 

"Sempre tive o objetivo de homenagear os heróis que fizeram parte desse caso: tanto o piloto Fernando Murilo (de Lima e Silva) quanto o copiloto Salvador Evangelista, em memória", conta Constâncio, que acompanha a reta final da produção, ao custo de R$ 15 milhões, do longa-metragem “O sequestro do voo 375”, previsto para estrear no final do ano.

As filmagens do longa, que une produtores da Escarlate Conteúdos Audiovisuais, da LTC e da Star Original Production (braço de conteúdo adulto da Disney) tiveram locações nos pavilhões Vera Cruz (São Bernardo do Campo). 

"Sem fantasiar e apelar para uma realidade paralela", como destaca Constâncio, ele viu, há seis anos, o filme ganhar corpo, num roteiro de Lusa Silvestre e Mikael de Albuquerque. "A simples leitura do roteiro em uma videochamada com os atores já foi emocionante e fez meus olhos marejarem. É uma coisa indescritível", comenta o autor do argumento do filme.

O equilíbrio entre ação, suspense e drama "em todo filme existe", conforme pontua o diretor do longa, Marcus Baldini. "Criamos um thriller no qual o espectador tem que ficar colado. Há uma situação emergencial se resolvendo, até o final do filme. O longa é de ação, com muita empolgação", descreve Baldini. 

Como criador, sem saber "exatamente os diálogos" transcorridos na cabine, em 1988, ele preza a valorização do heroísmo do piloto e a meticulosidade das ações do sequestrador, Raimundo Nonato Alves da Conceição. "A alma e a essência dos personagens são dramatizados, como fiz em ‘Bruna Surfistinha’ e (na série) ‘O rei da TV’ (sobre Silvio Santos)", afirma.

A base real do filme vem muito da pesquisa de Constâncio, com respaldo de conversas com quem viveu o caso e sentiu tudo na pele. "Algumas pessoas que encontrei ao longo desses anos ainda sentem arrepios ao relatar os fatos. Há passageiros desse voo que não viajam mais de avião. Tenho relatos gravados com o piloto do Boeing Vasp 375, Fernando Murilo, que morreu há dois anos. Ele conta cada detalhe daquele dia, inclusive o desespero ao ver seu amigo e compadre Salvador Evangelista ser morto, ao seu lado, com um tiro a sangue-frio na cabeça", diz. 

Para escutar pessoas que estiveram na operação de negociação e resgate dos reféns, Constâncio ouviu integrantes do Comando de Operações Especiais da Polícia Federal (COT) e contou com o Centro de Comunicação da FAB.

Num alto risco, a produtora Joana Henning observa a lida com conteúdo "de alta relevância global", num produto com qualidade técnica que não deixa a desejar para nenhuma outra megaprodução. "É uma mudança de paradigma do cinema nacional. Há coisas (em cena) jamais feitas — mesclamos técnicas de circo, carnaval e de cinema para construir máquinas e criar a cinematografia gigantesca que representa um avião em tamanho real", diz a CEO da Escarlate.

Depois de nove tratamentos para o roteiro do longa, que teve participação de consultores da Aeronáutica e da Polícia Federal e mobilização do acervo do Museu Aeroespacial (RJ), entre outros feitos, Joana viu o filme sair do papel a partir de "estrutura técnica absurda", que mobilizou drone, oito câmeras, a presença de 350 pessoas no set do filme, capaz de integrar 180 figurantes. Durante oito semanas de filmagens, a média diária de captação de imagens ficou em torno de oito horas.

Sem investimento direto, a Força Aérea Brasileira respondeu por parceria institucional, estimada em R$ 2 milhões. Equipamento de taxiamento de aeronaves, tratores, carros de abastecimento e a cessão de locações, com direito a uma semana de pista militar interditada para filmagens.

"O filme é muito caro, com história sensível na demanda de intensas relações institucionais", simplifica a produtora. "Abrir a porta para contar uma história dessa envergadura me parece muito interessante. O filme é uma produção ousada, corajosa. No Brasil, não temos registro de um filme deste tamanho de produção. Houve a reconstrução do avião e as manobras no ar são complexas", observa o diretor Marcus Baldini. 

Constâncio Coutinho não poupa elogios: "Encontrei parceiros mais qualificados, com experiência e conhecimento. Tenho 36 anos de profissão no audiovisual, mas sempre trabalhando em tevês. O cinema é algo muito mais complexo".

O ator Jorge Paz tenta se mover em avião de cabeça para baixo em cena do filme

O ator Jorge Paz, que interpreta o sequestrador, durante gravação de cena do longa

Marcelo Navarro/Divulgação

Reconstrução

De Planaltina, por meio de um colecionador, a equipe teve acesso ao Boenig 737, que, desmontado, seguiu em três caminhões com destino ao set paulista. Duas engrenagens, em estúdio, auxiliaram na ilusão de voos, para cenas com quase 70 atores.

"Efeitos físicos e computação gráfica, 3D, se alinham no grande desafio técnico das imagens. Isso dá a filme um impacto visual, um tamanho de evento muito diferente do que estamos acostumados a ver no cinema brasileiro. Temos o respaldo de uma equipe integrada", diz o cineasta. Helicópteros e aviões Electra e Bandeirante estarão em cena no filme “O sequestro do voo 375”.

Para além dos aparatos, personagens como os comissários Rafael (Diego Montez), Cláudia (Juliana Alves), Sílvia (Arinne Botelho) e Valente (Wagner Santisteban) compõem o diversificado núcleo de tipos. "O coração emocional do filme está muito ligado à relação entre o Murilo (Danilo Grangheia), o piloto com lado humano muito forte, e o Nonato (Jorge Paz). Na pele da controladora de voo Luzia, a Roberta Gualda serve como conexão radiofônica e emocional com o herói, intermediando as ações que ele precisava ter", conta o diretor.

As consequências do que é visto em “O sequestro do voo 375” são destacadas por Joana Henning. Ela cita a agilidade de comunicação e a ação coordenada de órgãos nacionais como barreira para uma situação ainda mais crítica. "O evento é visto como inspiração para o reforço da segurança nos aeroportos do Brasil. Naquela época, não havia raios X, não havia os sistemas de segurança e as câmeras de hoje. Não havia porta blindada no cockpit. Uma curiosidade interessante é que o espaço aéreo brasileiro é considerado um dos mais seguros do mundo", conclui.

O piloto Fernando Murilo sentado à mesa na varanda de sua casa com réplica de avião

O piloto Fernando Murilo, morto em agosto de 2020, aos 72 anos, será interpretado na tela por Danilo Grangheia. Na foto, o comandante durante entrevista ao Estado de Minas, em setembro de 2018

Ana Clara Brant/EM/D.A.Press - 26.set.2018


Piloto foi herói


Em 29 de setembro de 1988, o tratorista maranhense Raimundo Nonato Alves da Conceição sequestrou o voo Vasp 375, com 105 pessoas a bordo, que havia decolado de Confins e se dirigiria a Brasília, com escalas. O voo tinha como comandante Fernando Murilo de Lima e Silva; o  copiloto era seu amigo Salvador Evangelista. Revoltado com sua situação de desemprego e disposto a matar o presidente José Sarney, Raimundo Nonato invadiu a cabine, assassinou o copiloto e ordenou que o comandante jogasse o avião em cima do Palácio do Planalto.

O comandante executou manobras de altíssimo grau de dificuldade, colocou o avião de cabeça para baixo e em seguida aterrissou. Houve troca de tiros na pista. O sequestrador foi atingido, aparentemente sem gravidade. Hospitalizado, morreu alguns dias depois. Todos os passageiros se salvaram.