Garoto cobre a luz do sol com a mão e observa o céu em cena de sideral

Filmado em Natal, onde o diretor criado em Uberlândia se tornou professor de cinema, curta acompanha uma família no dia do lançamento de um foguete tripulado numa base aérea local

Les Valeurs/Divulgação


Até 15 anos atrás, Carlos Segundo era professor de matemática do ensino médio e pré-vestibular de Uberlândia. Um curso tecnólogo de TV, Cinema e Mídia Digital, pioneiro na cidade do Triângulo Mineiro, mudou radicalmente sua vida. Aos 42 anos, Segundo cursa hoje na Sorbonne – Paris 3 o pós-doutorado em Cinema de Autor. É também de Paris, onde fica até o meio do ano, que ele acompanha a campanha das indicações ao Oscar. 

“Sideral” (2021), escrito e dirigido por ele, foi um dos 15 pré-selecionados (o único das Américas) para tentar uma vaga na categoria de curtas de ficção. Ultrapassar o primeiro funil – cerca de 200 filmes foram inscritos – foi um ganho e tanto. A nova triagem, pela qual passa agora, é mais difícil. 

Na próxima terça-feira (17/1) termina o período de votação dos pré-selecionados para o Oscar. O anúncio dos indicados da 95ª edição da premiação da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood será em 24 de janeiro. A cerimônia de premiação está prevista para o dia 12 de março.
 
Além de “Sideral”, o país ainda pode emplacar o documentário “O território”, coprodução EUA/Brasil/Dinamarca dirigida pelo estadunidense Alex Pritz. 
 
 

Carlos Segundo está tranquilo, diz ter expectativa, mas nenhuma certeza. “Venho me preparando para estar em um lugar de destaque no cinema brasileiro há algum tempo. Quando ‘Sideral’ foi selecionado para Cannes (o curta competiu pela Palma de Ouro em 2021), começamos a desenhar uma carreira para ele. Naturalmente portas se abriram (em decorrência do festival francês), e o filme participou de 125 festivais, venceu 65 prêmios, 25 deles de melhor filme. Então eu acreditava que tinha alguma chance (na pré-seleção do Oscar)”, comenta.

De olho nos bastidores do Oscar

O diretor vem aprendendo como funcionam os bastidores do Oscar. “Diferentemente dos longas, para (a pré-seleção) os curtas só representantes destes e de animações podem votar. É um grupo de 800 pessoas, no máximo. Nesta segunda fase também podem votar diretores, produtores e roteiristas, mas não é obrigatório. Isto aumenta o espectro, então temos que fazer campanha para que as pessoas (os membros da Academia) se sintam à vontade para votar.”

“Sideral” é uma coprodução Brasil e França, com três produtoras envolvidas: Casa da Praia Filmes, de Natal; O Sopro do Tempo, de Uberlândia, e Les Valseurs, da França.
 
“O filme tem um relações públicas francês, que trabalha na Inglaterra e nos EUA; a produtora francesa e a gente também, tentando acertar o grupo de votantes. A ideia é tentar alcançar o maior número de (votantes da Academia) brasileiros, franceses e americanos.”

Filmado em Natal, em janeiro de 2021, “Sideral” foi realizado, em parte, com apoio da Lei Aldir Blanc. Rodado em preto e branco com atores locais, o filme, definido por Segundo como “tragicomédia com ficção científica”, acompanha uma família simples da capital do Rio Grande do Norte. Um casal; ele, mecânico e ela, faxineira, vive em uma casa com os dois filhos.

Todos se preparam para um acontecimento. Primeira base aérea de foguetes da América do Sul, a Barreira do Inferno, em Parnamirim (RN), vai lançar o primeiro foguete tripulado brasileiro. É feriado em Natal, mas isto não impede tanto o pai quanto a mãe de irem trabalhar. Ele a deixa de moto em frente à base – ela faz faxina no local. As horas passam, e a família tem uma surpresa.

O diretor Carlos Segundo, de pé, ao ar livre, encara a câmera

Nascido em São Paulo, Carlos Segundo vive atualmente em Paris, onde faz pós-doutorado em cinema

Les Valeurs/Divulgação

"Não tinha ligação nenhuma com cinema, morava na periferia. Meu negócio era futebol, morava na última rua do bairro, com um campinho ao lado. Não tinha conexão com arte"

Carlos Segundo, diretor

Paulistano, mineiro e potiguar

Segundo já dirigiu 15 filmes, entre curtas, documentários e o experimental “Fendas” (2019), realizado com a mesma produtora francesa de “Sideral”. 

Se alguém lhe pergunta de onde é, o cineasta diz que é “paulistano-mineiro-potiguar”. Nascido em São Paulo, foi criado em Uberlândia, no Luizote de Freitas, como é conhecido o bairro (hoje um dos maiores da cidade) inaugurado em 1980 como um conjunto habitacional.

“Não tinha ligação nenhuma com cinema, morava na periferia. Meu negócio era futebol, morava na última rua do bairro, com um campinho ao lado. Não tinha conexão com arte”, relembra Segundo. Foi, por muito tempo, filho único, uma criança “solitária e meio sonhadora”.

A virada de chave começou em 2007, quando ele fez o curso de TV, Cinema e Mídia Digital criado por Iara Magalhães, dentista que, assim como ele, fez uma virada de carreira quando abraçou o cinema.
 
“Ela é a grande impulsionadora do audiovisual da cidade”, relembra o ex-aluno. Após o curso, ele começou a trabalhar.

“Com um prêmio da prefeitura para curtas-metragens, eu fiz três filmes. Era uma coisa meio impulsiva”, diz ele, que passou a fazer todo tipo de produção. Cobria eventos, filmava performances. “Foi uma ótima escola, pois acabei sendo montador, câmera, diretor.” 

Passou uma temporada em Goiânia, depois foi para Campinas e, desde 2017, mora em Natal. Chegou à capital potiguar para dar aulas de direção e direção de fotografia na graduação de Comunicação Social – Audiovisual da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), que na época estava começando.

“Hoje o cenário do audiovisual da cidade está bem estabelecido, com produtoras e coletivos. A grande questão, que é a de sempre, é a financeira. Natal nunca teve um edital para longas-metragens.” 

Mesmo vivendo longe, Segundo mantém os pés em Minas. Sua atual produtora, O Sopro do Tempo, tem sede em Uberlândia. “Antes de vir para a França (em setembro de 2020), filmei uma série de ficção de 10 episódios”, conta. 

Foi na cidade mineira que ele rodou seu mais recente curta, “Big bang”. A história acompanha Chico, um homem com nanismo que trabalha consertando fornos. Abandonado na infância e vivendo à margem, ele aprende a resistir e a se vingar. Sua forma diminuta, por ironia, acaba lhe salvando de um acidente.
 
A câmera está com o foco sempre no protagonista, interpretado por Giovanni Venturini – das personagens que passam em sua vida só vemos uma parte do corpo.
 
Ator está sentado em cadeira à noite, lendo algo e sob a luz do poste, em cena do filme Big band

'Big bang', filme de Carlos Segundo rodado em Uberlândia, ganhou prêmio na Suíça

Acervo pessoal
 

Prêmio suíço para 'Big bang'

O filme começou a rodar festivais e a somar prêmios. Já na première, em agosto, no Festival de Locarno, Suíça, “Big bang”, realizado com recursos próprios, saiu com o Leopardo de Ouro na categoria melhor curta de autor.

O sonho do primeiro longa com recursos está começando a sair do papel. O projeto de “Leite em pó” foi selecionado pelo Hubert Bals Fund, fundo ligado ao Festival de Roterdã, na Holanda.
 
O projeto recebeu 10 mil euros (R$ 50,5 mil) para desenvolvimento. Em fevereiro, Segundo parte para a Alemanha para participar de um laboratório de roteiro no Festival de Berlim.

“Leite em pó” vai contar a história de Vicente, um homem na casa dos 40, que, parado no tempo, começa a descobrir a vida após a morte da avó. Apaixonado por rock e agora sozinho no mundo, passa a ter experiências que nunca imaginava ser capaz. “Se não cheguei a fazer um longa nesse período, foi por falta de investimento no Brasil”, afirma.

“SIDERAL

• (Brasil/França, 2021, 15min., de Carlos Segundo) – O curta fica disponível até segunda (16/1) no link bit.ly/3Iz6i6D.