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Estado de Minas CULTURA

Livro narra saga da mãe de Milton Nascimento, morta quando ele tinha dois anos

Ainda sem editora, "De Onde Vem Essa Força" narra a saga feminina da família Nascimento, proveniente da cidade colonial mineira Lima Duarte


26/10/2022 10:45 - atualizado 26/10/2022 12:40

Maria do Carmo, a mãe de Milton
Maria do Carmo, a mãe de Milton (foto: Vilma Nascimento/Arquivo pessoal)
O rosto da mãe biológica se projeta nas feições de Milton Nascimento. Olhos, nariz, boca. Ela se prolonga ainda na alegria de cantar de uma das maiores vozes da música internacional. A foto 3x4 da carteira de trabalho da empregada doméstica Maria do Carmo, a Carminha, em abril de 1940, é uma solitária imagem agora revelada pela prima do cantor, Vilma Nascimento, que decidiu escrever sobre a história da família.

Seu livro inédito devolve uma história ao rosto de Carminha. Antes dos dois anos, Bituca -apelido de infância- perdeu a mãe para a tuberculose. Sem condições de criá-lo, a avó materna, Maria, aceitou o pedido de adoção de Lília Silva Campos, filha de Augusta, a dona da pensão onde Carminha trabalhava no Rio de Janeiro. O cantor viu a foto da mãe na adolescência, mas o documento permaneceu no arquivo de familiares.

Ainda sem editora, "De Onde Vem Essa Força" narra a saga feminina da família Nascimento, proveniente da cidade colonial mineira Lima Duarte, povoada às margens do Rio do Peixe, e revela o ambiente de pobreza da primeira infância do artista que completa 80 anos nesta quarta, dia 26. No centro das memórias, Maria Antonia, que viveu entre 1900 e 1980, e seus filhos Carminha, Djanira, Tião, Jandira, Alcides, Chiquinha, Ercília, Teresa, Glória e Nair.

"Depois que a mãe faleceu, lembro de Bituca adolescente em Juiz de Fora, com a tia Ercília. Aí ele começou a fazer muito sucesso. Em 1970, no Rio, eu e minha irmã, Vanda, fomos a um show dele no Teatro Santa Rosa e passamos a nos aproximar mais", conta Vilma, hoje residente em Salvador. Nos últimos 20 anos, com a ajuda de seu marido, Jary Cardoso, que foi repórter do jornal Folha de S.Paulo, ela colheu depoimentos de tias e parentes em Minas Gerais.

Celebrando as origens do compositor, a canção "Raça", de Milton e Fernando Brant, cita os nomes de mulheres de sua família biológica: "Todas Marias, Maria Dominga/ Atraca Vilma e Tia Ercilia".

O itinerário de sua mãe coincide com o de milhares de brasileiras negras e pobres. Carminha, viva entre 1918 e 1944, cursou o ensino fundamental e migou para o Rio. Tinha 1,63 m de altura e olhos e cabelos castanhos. Em 1939, lavava e cozinhava. De vida curta, teve dois empregos formalizados.

O segundo registro aponta para um trabalho na rua Conde de Bonfim, 472, na Tijuca, com o salário de 150 mil reis mensais. "A assinatura como empregador e do Sr. Edgar de Carvalho e Silva, marido da Dona Augusta de Jesus Pitta -familia que viria a ter papel decisivo no futuro de Bituca, menino que Carminha daria a luz dois anos depois de admitida naquele lar", diz Vilma Nascimento no livro assinado junto com Jary Cardoso, à frente da pesquisa e redação, e o jornalista João Marcos Veiga, responsável pela redação final.

Ercília, a tia de Bituca citada em "Raça", ainda viva aos 90 anos, testemunhou o gosto de Carminha pela música popular. Ela imitava a cantora Carmen Costa e entoava com insistência dois sambas de Ataulfo Alves -"Sei Que é Covardia", em parceria com Claudionor Cruz, e "Oh!, seu Oscar", com Wilson Batista. Assim, a canção "A Feminina Voz do Cantor", de Milton e Fernando Brant, se enche de novos significados: "Minha mãe que falou/ Minha voz vem da mulher/ Minha voz veio de lá, de quem me gerou".

No início de 1942, no ponto de bonde em frente à casa de Augusta, sua patroa, Carminha conheceu João, motorneiro da linha Tijuca, morador da favela Barreira do Vasco e futuro pai de Bituca. Francisca, irmã de Carminha, relatou a resistência de João ao casamento.

"Aquela paixão repentina, a gravidez num momento conturbado, parece ter abalado a harmonia entre Carminha e a dona da pensão. Depois de um suposto desentendimento, ela saiu do emprego para morar com a família de João na Barreira do Vasco, na Baixada de São Cristóvão, carregando o filho pequeno", narra Vilma.

Com saudades do garoto, Augusta visitava Milton na favela. São lembranças de Ercília. "Ela chegou, olhou o ambiente, olhou pro Bituca, viu ele maltratadinho. Tambe%u0301m na%u0303o gostou de ver a ma%u0303e bem magrinha e disse pra minha irma%u0303: ‘Maria do Carmo, vamos embora’. Mas ela na%u0303o quis ir. Enta%u0303o, Dona Augusta falou: ‘Se voce%u0302 quer ficar aqui, voce%u0302 fica, mas o Bituca na%u0303o vai ficar na%u0303o, o menino nasceu na minha casa e vai com a gente, vou botar no carro e levar agora! Voce%u0302 concorda, Maria do Carmo? Em voce%u0302 na%u0303o posso mandar, mas a porta esta%u0301 aberta pra você tambe%u0301m’".

Outra vez na Tijuca, estático na porta de casa, Bituca esperava o bonde do pai. Ao vê-lo, acenava.

Aos 25 anos, Carminha contraiu tuberculose. Depois de uma viagem com os patrões a Juiz de Fora, sua doença se agravou.

O terror do contágio fez com que ela voltasse a morar com a mãe, em Minas. O pequeno Bituca ficou na pensão. "Desta vez veio sem o Bituca e chegou doente de cama, ficou na casa da avo%u0301, no bairro de Sa%u0303o Mateus. Fui visita%u0301-la, estava deitada, me olhou e baixou a cabec%u0327a", lembrou Ione, prima de Vilma e Milton.

Segundo "De Onde Vem Essa Força", "Carminha ficou magra, pele e osso, gritava e tinha viso%u0303es".

A essa altura, Li%u0301lia, de 22 anos, estudante de piano, estava fascinada por Bituca e disposta a adotá-lo. João achou que o filho estava "em boas mãos" e nunca mais o procurou. Sumiu. Antes de crescer com a nova mãe em Três Pontas, em Minas Gerais, o garoto ficou por um tempo com a avó Maria, no centro de Juiz de Fora. Não se adaptou. Glorinha, outra tia de Milton, lembrou de uma triste tarde de fome ao lado do sobrinho e mais três crianças vizinhas.

"A gente na%u0303o tinha o que fazer pra comer e pegamos folhas, botamos no foga%u0303o de lenha e cozinhamos. Eu me lembro como se fosse hoje, o Bituca estava com aquela chupeta vermelha que na%u0303o tirava da boca e um paleto%u0301 de flanela com um desenho vermelho dos dois lados. No%u0301s todos passamos mal, porque o que eu cozinhei era folha de inhame brabo. Ficamos de piriri e fomos socorridos por vizinhos, que sabiam que esta%u0301vamos so%u0301s", disse Glorinha para o livro.

A origem do apelido ganha uma explicação diferente daquela conhecida até aqui. Ercília afirma que Augusta se inspirou em Pinduca, um personagem de gibi. "Ai%u0301 apareceu pra trabalhar na pensa%u0303o uma nortista, a Elza, que tambe%u0301m tinha um filho nene%u0301m. E Dona Augusta apelidou o Milton de Bituca e o filho da Elza de Bororo%u0301, porque ele parecia um i%u0301ndio", ela contou. Segundo o cantor, o apelido veio de Lília, sua mãe adotiva, ao observar seu bico nas horas de zanga.

"A gente na%u0303o tinha o que fazer pra comer e pegamos folhas, botamos no foga%u0303o de lenha e cozinhamos. Eu me lembro como se fosse hoje, o Bituca estava com aquela chupeta vermelha que na%u0303o tirava da boca e um paleto%u0301 de flanela com um desenho vermelho dos dois lados. No%u0301s todos passamos mal, porque o que eu cozinhei era folha de inhame brabo. Ficamos de piriri e fomos socorridos por vizinhos, que sabiam que esta%u0301vamos so%u0301s", disse Glorinha para o livro.

A origem do apelido ganha uma explicação diferente daquela conhecida até aqui. Ercília afirma que Augusta se inspirou em Pinduca, um personagem de gibi. "Ai%u0301 apareceu pra trabalhar na pensa%u0303o uma nortista, a Elza, que tambe%u0301m tinha um filho nene%u0301m. E Dona Augusta apelidou o Milton de Bituca e o filho da Elza de Bororo%u0301, porque ele parecia um i%u0301ndio", ela contou. Segundo o cantor, o apelido veio de Lília, sua mãe adotiva, ao observar seu bico nas horas de zanga.

 


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