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Estado de Minas AUDIOVISUAL

Livro 'Hollywood de papel' reúne roteiros censurados na meca do cinema

Crítico Pablo Gonçalo fez pesquisa sobre textos dos aclamados Billy Wilder, Ben Hecht e Frances Marion que não viraram filme. Antissemitismo foi um dos motivos


16/10/2022 04:00 - atualizado 15/10/2022 21:49

Usando chapéu e fumando charuto, Billy Wilder olha para a câmera
Judeu polonês, Billy Wilder viu o roteiro de "Heil Darling!" engavetado por falar de uma viúva que tentava fugir de Hitler (foto: Wally Fong/AP/30/4/79)

Mariana Peixoto
Na primavera de 1938, Josh Crocker, correspondente internacional da rede ABC, descobre que a boa vida em Viena acabou. Hitler anexou a Áustria sem qualquer resistência da população local. Ele deve fugir rapidamente, mas o dinheiro já era. A salvação será o casamento com uma viúva austríaca que precisa emigrar para a América. Para tal, tem só que se casar com ela. A união com o americano permitirá a ela o visto dos Estados Unidos e a ele um bom dinheiro.

Naquele mesmo 1938, Billy Wilder (1906-2002), judeu polonês, já havia fugido do nazismo. Havia quatro anos vivia em Hollywood, era um roteirista em ascensão. Em 1939, por exemplo, seria lançado seu sucesso inaugural como escritor, “Ninotchka”, com Greta Garbo, que valeu a Wilder a primeira indicação ao Oscar como roteirista.
 
Mas até que o sucesso despontasse, Wilder, com quatro anos de Hollywood, já tinha escrito muitos roteiros. Alguns deles recusados, como é o caso de “Heil Darling!” (1938), que acompanha as aventuras do jornalista Josh Crocker para abandonar a Áustria. O texto é um dos achados do crítico Pablo Gonçalo, pesquisador e professor do Departamento de Audiovisual da Universidade de Brasília (UnB).

Em “Hollywood de papel” (Zazie), Gonçalo recupera roteiros não filmados de Wilder, Ben Hecht (1894-1964) e Frances Marion (1888-1973), nomes do cinema americano que despontaram entre as duas guerras mundiais. Os textos foram pesquisados pelo autor em arquivos públicos de cinco cidades americanas em 2019, como bolsista do Programa Fullbright.

“Mesmo que sejam fundos privados que incentivam a consulta pública e sejam fáceis de serem consultados, há toda uma lentidão. Encontrei, por exemplo, uma carta de Hecht para (o produtor David O.) Selznick em Chicago. Mas a resposta do Selznick está no Texas. Então você tem que cruzar os arquivos, meio num trabalho de detetive”, diz Gonçalo.

Código Hays

Ele iniciou a pesquisa em 12 roteiristas e afunilou até chegar aos três nomes – os roteiros tratados na obra vão de 1930 a 1948. “Deveriam ser nomes representativos, encontrei roteiros (não filmados) que eram bons. Além disso, foram nomes que começaram a ter contato com a censura”, comenta ele, referindo-se ao chamado Código Hays.

O conjunto de regras de moral conservadora vigorou em Hollywood entre 1934 e 1968, período em que durou “um inédito mecanismo de autocensura sobre o núcleo criativo das produções”, escreve Gonçalo. “O Código Hays chega mudando os padrões”, diz, lembrando que tanto Wilder quanto Hecht eram judeus.

“Ben Hecht teve atuação sionista, assim como Herman Mankiewicz, que denunciou a chegada de Hitler ao poder em 1933 com ‘The mad dog of Europe’ (O cachorro louco da Europa) e não foi filmado”, acrescenta Gonçalo. 

No capítulo dedicado a Hecht – a exemplo do que fez no de Wilder, em que transcreveu parte do roteiro de “Heil Darling!” –, Gonçalo se detém no texto de “A divina Sarah”.
 
Usando chapéu, roteirista americano Ben Hecht olha para a câmera
Judeu americano, Ben Hecht não emplacou "A divina Sarah" porque a atriz Sarah Bernhardt foi considerada 'judia orgulhosa demais' (foto: Reprodução)
 

O roteiro, de 1944, não saiu do papel e recebeu inúmeras considerações dos executivos de estúdio até ser definitivamente posto de lado. “Hecht escreveu para Sarah Bernhardt e o texto foi censurado porque a atriz francesa foi retratada como uma judia orgulhosa demais”, explica Gonçalo.

Uma das roteiristas de cinema mais importantes do século 20, Frances Marion foi “heroína”, nas palavras de Gonçalo. Em 40 anos de atuação, escreveu pouco mais de 300 roteiros. “Era muito influente, principalmente no (estúdio) MGM – foi chefe do Departamento de Estória, onde escrevia e supervisionava”, comenta o autor, que trabalhou em dois roteiros não filmados de Marion.

Crimes libertários

Depois que leu muitos textos de Marion, Gonçalo percebeu seu estilo. “Os roteiros sempre traziam uma espécie de parricídio. O mote dramático para as mulheres se libertarem do primeiro casamento infeliz era matar o pai ou o marido”, comenta o pesquisador.

Em uma das narrativas não filmadas pesquisadas pelo autor, “A traição” (1943), a heroína mata o marido. Na trama, ele a havia enganado, relegando-a à vida de professora de piano no interior quando ela, na realidade, havia se apaixonado por outro em São Francisco, onde iniciava carreira como musicista.
 
Atriz Mary Pickford e roteirista Frances Marion estão em set de filmangens sentadas em cadeiras onde estão escritos os nomes delas
Frances Marion (à direita), na foto com a estrela Mary Pickford, escreveu sobre mulheres que matavam para serem livres (foto: Abebooks/reprodução)
 

Na era do cinema mudo, Frances Marion se destacava no cenário – foram mais de 150 roteiros. A atividade de roteirista, esclarece Gonçalo, era dominada pelas mulheres naquele período.

“Embora o roteiro não fosse tão importante quanto hoje, a maioria esmagadora de roteiristas era mulher. Aliás, no cinema, a primeira grande profissão, para além da de atriz, foi no roteiro”, finaliza o crítico e pesquisador.


Capa do livro Hollywood de papel tem retângulos vermelhos e atrás deles parte dos rostos dos roteiristas Ben Hecht, Billy Wilder e Frances Marion
(foto: Zazie/reprodução)
“HOLLYWOOD DE PAPEL”

Roteiros não filmados de Ben Hecht,  Billy Wilder e Frances Marion

• De Pablo Gonçalo
• Zazie
• 254 páginas
• R$ 74

Jazzista Paul Whitman, vestindo smoking, sorri e posa para foto apoiando a cabeça na mão direita
O jazzista Paul Whitman gostou de ser entrevistado por Billy Wilder e o levou de Viena para Berlim (foto: TCM.COM/reprodução)

Billy Wilder, o repórter

Billy Wilder viveu intensamente seus 95 anos. Recém-chegado às lojas, “Billy Wilder: um repórter em tempos loucos” recupera a trajetória do cineasta, produtor e roteirista muito antes de se tornar um dos principais nomes da chamada era de ouro de Hollywood.

Ele não passava dos 18 anos quando se tornou repórter em Viena. A família de judeus poloneses de Sucha, cidade que na época pertencia ao Império Austro-Húngaro, havia se mudado para a capital austríaca. Eram os loucos anos 20 e Wilder aproveitou.

Resultado do apanhado realizado pelo pesquisador Noah Isenberg, a obra recupera os textos do repórter Wilder publicados em jornais de Berlim e Viena da época. Os escritos, ainda sob os ecos da Primeira Guerra (1914-1918) e antes da Segunda (1939-1945), traduzem o espírito daquele tempo.

Foi em Viena, por exemplo, que Wilder entrevistou Paul Whiteman, líder de uma das bandas de jazz mais populares da época. O músico gostou tanto dele que o levou consigo para Berlim, onde Wilder fez outras conexões no meio do entretenimento. Ele deslanchou como repórter na capital da República de Weimar.

Um dos destaques do livro é a série de reportagens que ele escreveu a respeito de sua própria experiência como dançarino de aluguel na noite berlinense. A temporada como repórter foi curta – no final dos anos 1920, Wilder começou a escrever os primeiros roteiros para produções alemães.

A ascensão do nazismo o levou a fugir – primeiramente para a França, onde estreou na direção com “Semente do mal” (1934). Nem esperou o filme chegar às salas – em 1933, emigrou para os Estados Unidos, chegando à Hollywood. 

Capa de livro sobre Billy Wilder traz ilustração com colagens de cenas de filmes e artigos de jornal impresso
(foto: DBA/reprodução)
“BILLY WILDER: UM REPÓRTER EM TEMPOS LOUCOS”

• Organização: Noah Isenberg
• DBA
• 232 páginas
• R$ 64,90


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