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Estado de Minas ARTES CÊNICAS

Cia da Farsa estreia sua versão de "Deus da carnificina", de Yasmina Reza

Cenografia da montagem dirigida por Sergio Abritta faz atores parecerem ao público feras engaioladas. Peça fica em cartaz desta quarta (16/3) a domingo


16/03/2022 04:00

Atriz leva copo à boca enquanto é observada por ator e ariz da peça Deus da carnificina. todos têm semblante de preocupação
Andréia Quaresma, Flávia Fernandes, Alexandre Toledo e Marcus Labatti interpretam os dois casais que se reúnem para tentar solucionar uma desavença entre seus filhos (foto: Fotos: Igor Cerqueira / divulgação)

A Cia. da Farsa está completando duas décadas de trajetória e celebra a data com a estreia do espetáculo “Deus da carnificina”, que, em boa medida, é fruto do encontro, ocorrido há oito anos, com o diretor e dramaturgo Sergio Abritta. O texto da premiada dramaturga francesa Yasmina Reza já ganhou uma versão cinematográfica, dirigida por Roman Polanski, em 2011.

A peça, que entra em cartaz nesta quarta-feira (16/3) e segue até domingo (20/3), na Sala João Ceschiatti, no Palácio das Artes, tem foco em dois casais que se reúnem para tentar resolver um pequeno incidente: o filho de um quebrou os dentes do filho do outro. A conversa, que começa de forma polida e civilizada, toma caminhos inesperados e degenera para um conflito permeado por intimidação e violência.

Em cena, Alexandre Toledo, Andréia Quaresma, Flávia Fernandes e Marcus Labatti são separados do público por estruturas metálicas que lembram uma grande gaiola. Segundo o cenógrafo Yuri Simon, o elenco queria algum elemento visual que provocasse o público. “Além disso, a autora sugere uma cenografia não realista. Daí me ocorreu a ideia de propor uma identificação dessas personagens como feras que estão presas nesta gaiola”, explica.

O embrião de “Deus da carnificina” remonta ao penúltimo espetáculo apresentado pela Cia. da Farsa, “Arte” – outro texto de Yasmina Reza, que teve direção de Abritta e estreou em 2019.  Ele conta que, numa conversa com Toledo, ator e fundador da trupe, eles puderam compartilhar a admiração que ambos tinham pela obra da francesa. 

“Naquele momento, a gente já pensou em montar ‘Deus da carnificina’, que é o ápice da carreira dela como dramaturga. Assim que Alexandre conseguiu a liberação (dos direitos), já começamos a trabalhar, no final de 2019”, aponta o diretor.

FILA 

Ele explica que a demora entre o início do processo e a estreia da peça se deveu à chegada da pandemia e a “Wilde.Re/Construído”, mais recente trabalho da Cia. da Farsa, apresentado no ano passado, que acabou por se interpor. 

“A gente já vinha trabalhando no ‘Deus da carnificina’, mas o Cine Theatro Brasil Vallourec abriu o edital Palco em Cena e eu sugeri ao Alexandre entrar com o ‘Wilde’, um texto meu que já estava fechado, então ele acabou tomando o lugar na fila”, explica.

A sequência destes três trabalhos resultantes da parceria entre a Cia. da Farsa e Sergio Abritta – “Arte”, “Wilde.Re/Construído” e “Deus da carnificina” – foi precedida por “Adultérios e outras pequenas traições”, que estreou em 2014. 

“Foi um convite que me fizeram para escrever e dirigir um texto para eles. Depois ficamos um tempo sem trabalhar juntos, mas continuamos nos falando, até produzir ‘Arte’. Foi um namoro que já está virando quase um casamento, inclusive já temos outros desejos, outros projetos, de fazer mais coisas juntos”, diz Abritta.

Ele afirma que, em teatro, procura não ter preconceito nem preferência de gênero, aceita de tudo, “exceto coisas ruins”, e que em muitos aspectos seu gosto e o de Alexandre Toledo convergem. “Ele é viciado nesse teatro que a gente chama de literário, e eu também aprecio muito esse texto dramático tradicional e ao mesmo tempo contemporâneo, porque dialoga com a atualidade.”

Atriz com colar de pérola e blusa bege faz expressão de medo junto à cerca em cena de Deus da carnificina
A 'cenografia não realista' da montagem faz os atores serem vistos pelo público como se fossem feras numa gaiola


CONFLITO 

Na opinião de Abritta, Yasmina Reza “faz isso muito bem, a carpintaria dela é precisa, não tem gordura no texto. Ela consegue construir um texto dramático com uma estrutura absolutamente tradicional e, no entanto, fazer disso algo intrigante, porque apresenta o conflito logo na primeira frase. É daí que as coisas vão surgir”, aponta.

Alexandre Toledo avalia que a parceria com o diretor tem sido tão frutífera porque eles têm muito em comum. “Gostamos de um teatro de texto com discussões atuais, que abordam as relações humanas, amorosas, políticas.”

Para ele, “fazer 20 anos de companhia é o mesmo que um casamento. No nosso caso, com o teatro, isso se dá com foco centrado em apresentar aos espectadores textos de qualidade, bem construídos, com personagens definidos, que tragam um debate numa perspectiva contemporânea. Para nós, mais do que a forma, o conteúdo é importante”.

O diretor, por sua vez, observa que justamente seu primeiro trabalho com a Cia. da Farsa é que surge como um ponto fora da curva em relação ao que viriam fazer depois. “Adultérios e outras pequenas traições” é, conforme diz, uma “comédia elaborada”, que teve como inspiração o filme “Short Cuts” (1993), de Robert Altman, com cenas soltas que vão sendo costuradas ao longo da trama.

TENTATIVA 

“Foi uma tentativa formal de fazer algo novo; não sei se deu certo, mas é uma comédia com uma estrutura dramática um pouco diferente do que fizemos juntos depois. Os trabalhos seguintes entram numa outra linha”, diz. 

Ele considera que tanto “Arte” quanto “Deus da carnificina” carregam um forte teor político, na medida em que apontam para a falência de um modelo de construção social no Ocidente.

“Em ‘Deus da carnificina’, Yasmina mostra que a intolerância e a violência estão aí, bem embaixo das nossas máscaras, bastando um clique para que venham à tona”, diz. Ele observa que, assim como os textos da autora francesa, “Wilde.Re/Construído” também é político, já que trata da questão dos direitos LGBTQIA+, se valendo da figura de Oscar Wilde para levantar essa bandeira.

Apesar desse paralelismo, Abritta refuta que sua escrita seja comparável à dela. “Quem me dera haver essa identificação, eu queria muito escrever como ela escreve! De qualquer forma, acho que a gente procura sempre algo que nos espante, nos surpreenda; existe o desejo de tratar de temas atuais a partir de uma determinada forma de escrever.”

Ele considera que “Deus da carnificina” reflete com precisão o estado atual das coisas, no Brasil e no mundo, onde é muito comum o diálogo descambar para a violência – ou pior: nem haver o diálogo que preceda o conflito. “Parece que qualquer fala abre portas para o ódio, a intolerância, a violência. Isso não é possível numa sociedade que se pretenda minimamente democrática”, diz.

DRAMATURGIA PRÓPRIA 

Nessa relação de oito anos do diretor com a Cia. da Farsa estão contabilizados dois textos de Yasmina e dois do próprio Abritta. Ele considera que há diferenças entre dirigir uma dramaturgia própria e uma obra de lavra alheia, porque, no primeiro caso, existe sempre a possibilidade de se construir, desconstruir, acrescentar, refazer ou cortar. “Se você é dono do texto, você trabalha com ele da forma que quiser”, aponta.

Citando Shakespeare e Molière como exemplos, em oposição ao que chama de “dramaturgo de gabinete”, ele considera que o ideal é que o autor do texto esteja inserido no processo de feitura do espetáculo que a escrita vai gerar. 

“Eles eram pessoas de teatro, estavam em contato com a cena. O dramaturgo de gabinete vai continuar existindo, mas acho mais fácil trabalhar a escrita da cena quando você está num grupo, lidando com um texto próprio, porque o material é maleável”, diz.

Em se tratando do texto que já chega pronto, fechado, ele destaca que a abordagem é invariavelmente muito respeitosa, no sentido de não se alterar falas, não fazer cortes ou não mexer na estrutura da narrativa. O que pode acontecer, segundo Abritta, é uma releitura. 

“No caso de ‘Deus da carnificina’, por exemplo, acho que é um texto que pode ser montado tanto como uma comédia quanto como um drama, que foi a opção que fizemos, por pegar os aspectos mais sombrios da história, o que está nas entrelinhas, nos silêncios. Mas podíamos ter dado relevo para o lado cômico, porque também tem muitas falas engraçadas”, salienta.

ENSAIOS  

“Optamos por não fazer a loucura que tínhamos feito com ‘Wilde.Re/Construído’, que foi ensaiar em plena pandemia”, comenta o diretor. A partir do momento em que os encontros e os ensaios se tornaram possíveis, com a melhora da situação epidemiológica, a estreia foi marcada para o final do ano passado, mas a morte do pai de Abritta obrigou a uma mudança de planos. 

“Marcamos uma nova data de estreia dentro da programação da Campanha de Popularização do Teatro e da Dança, em fevereiro, mas houve aquele problema da exigência do passaporte vacinal. Diante do impasse, optamos por não correr o risco. Estamos agora pela terceira vez na expectativa da estreia”, aponta.

Mas Abritta diz que, apesar dos reveses, obstáculos e contratempos, o processo acabou se revelando profícuo. Ele considera que o longo período de leituras e debates virtuais permitiu a construção de uma base sólida para o espetáculo. 

“Trabalhamos coisas que possivelmente não trabalharíamos presencialmente, com muito estudo e muitos exercícios sobre o texto. Ficamos muito tempo focados nele. Quando começamos efetivamente a ensaiar, já tínhamos uma ideia muito clara sobre os personagens e sobre a cena. Isso foi muito bom.”

“DEUS DA CARNIFICINA”
De: Yasmina Reza. Direção: Sergio Abritta. Com a Cia. da Farsa. Desta quarta-feira (16/3) a domingo, na Sala João Ceschiatti, do Palácio das Artes (Av. Afonso Pena, 1.537, Centro). De quarta a sábado, às 20h; domingo, às 19h. Ingressos a R$ 40 (inteira) e R$ 20 (meia) na bilheteria do teatro ou pelo site Eventim


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