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Estado de Minas ARTES CÊNICAS

Em cartaz em BH, peça "Pá de cal (Ray-lux)" usa a morte para falar da vida

Dramaturgo Jô Bilac diz que seu texto contém uma "mensagem de empatia". Prática terapêutica da constelação familiar inspirou narrativa


23/10/2021 04:00 - atualizado 23/10/2021 07:30

Ator e atriz sorrindo em cena de 'Pá de cal'
Cena do espetáculo "Pá de cal (Ray-lux)" (foto: Paula Kossatz/Divulgação)

Em fevereiro passado, quando o aumento de casos da COVID-19 obrigou Belo Horizonte a passar por mais um fechamento, o espetáculo "Pá de cal (Ray-lux)" estava pronto para estrear sua temporada mineira, no CCBB-BH. A Cia Teatro Independente precisou adiar indefinidamente a estreia. 

Oito meses depois, diante de um cenário bastante diferente daquele enfrentado no início do ano, a peça, com dramaturgia de Jô Bilac e dirigida por Paulo Verlings, finalmente pôde ser encenada no centro cultural integrante do Circuito Liberdade, a partir deste fim de semana, até 15 de novembro próximo.

Para o premiado dramaturgo, um dos expoentes da dramaturgia contemporânea, a estreia tem gerado curiosidade. "Tenho a impressão de que o 'pré-pandemia', quando essa peça foi escrita, foi no século passado. Só no último ano, muitos valores mudaram, e a morte se transformou em uma nuvem energética que paira sobre a nossa vida de tal maneira que se tornou uma ideia muito abstrata. Espero que ela ainda faça sentido, mas tenho consciência de que muitas coisas mudaram", afirma Jô Bilac. 

A observação do dramaturgo se refere ao fato de que "Pá de cal (Ray-lux)" se passa durante um funeral. A trama parte do suicídio de um personagem central. Por conta de sua morte, seus familiares precisam se reunir para definir o destino do pai dessa família. No entanto, eles não vão ao encontro, mas enviam seus representantes.

A ideia de trazer à tona personagens ausentes por meio de outros personagens é inspirada em Constelação Familiar. Nessa prática terapêutica, os participantes buscam resolver conflitos familiares recriando cenas que envolvam os sentimentos e sensações que o constelado tem em relação à sua família.

"Tenho a impressão de que o 'pré-pandemia', quando essa peça foi escrita, foi no século passado. Só no último ano, muitos valores mudaram, e a morte se transformou em uma nuvem energética que paira sobre a nossa vida de tal maneira que se tornou uma ideia muito abstrata. Espero que ela ainda faça sentido, mas tenho consciência de que muitas coisas mudaram"

Jô Bilac, dramaturgo


CONSTELAÇÃO 

"Quando o Paulo [Verlings] me apresentou o argumento da peça, a minha mãe estava fazendo constelação familiar. Ao ouvi-la contar, eu achava que aquilo se aproximava demais do teatro, claro que dentro de um contexto terapêutico. A peça se passa dentro de um enterro, no qual nenhum parente direto do morto aparece. Essa estrutura da constelação acabou inspirando esse lugar de como as pessoas terceirizam seus afetos e responsabilidades. Onde deveriam estar, estão os seus representantes legais", ele explica.

Esse recurso, que nessa montagem é usado a favor do texto, também surgiu como forma de reunir um elenco diverso, formado pelos atores Carolina Pismel, Isaac Bernat, Orlando Caldeira, Pedro Henrique França e Kênia Bárbara.

Além de tratar de questões relativas às relações familiares, "Pá de cal" aborda uma série de outros temas contemporâneos, como saúde mental, masculinidade tóxica e relações de trabalho.

"Acho que este texto tem um comentário sobre depressão, tanto que o pai está deprimido e se faz um jogo de espelho com o filho que morreu. O pai se chama Filho e o filho se chama Neto. Então, tem essa história de que a depressão não é levada a sério enquanto doença ou como algo que deva ser tratado, principalmente entre os homens, que acabam negligenciando esse cuidado com a saúde mental", afirma o dramaturgo.

"Dessa maneira, a gente também comenta sobre a falência da ideia dessa figura masculina de homens brancos que detêm o poder. Um dos personagens, cunhado do morto, que vai ao enterro representando uma irmã que está grávida, apresenta outro modelo masculino, que engloba a escuta e a sensibilidade. Ele fala da paternidade de uma maneira bastante diferente, questionando inclusive a figura do sogro. E, ainda assim, ele tem contradições, tem os momentos de acertar e de errar", diz o autor do texto.

EMPATIA 

Segundo Bilac, a peça tem uma mensagem bastante clara sobre as relações interpessoais que são estabelecidas hoje. "É uma peça que tem a ver com as relações de cuidado e com empatia. No palco, estão atores negros, velhos, com deficiência física. Eles representam pessoas que não se conhecem e estão na casa desse pai, transcendendo o que seria caricato. Eles são tridimensionais."

A montagem também faz um comentário sobre a morte, na medida em que se passa no enterro e, ao longo da encenação, tudo acontece diante da urna, que representa o morto. Isso explica o título da montagem. A expressão 'pá de cal' quer dizer que fará uma última referência a um assunto não prazeroso. Já 'ray-lux' se refere ao nome de uma urna funerária tão cara que custa o preço de um automóvel.

"É aquela coisa: depois que estamos mortos, não há diferença, cor da pele, classe social ou qualquer outra coisa que nos diferencie. Os personagens percebem isso, e a gente espera que o público também perceba. É uma busca da empatia que quer transcender o material. A morte é uma coisa com a qual a gente não se acostuma", observa Bilac.

ESTREIA 

Antes de desembarcar em Belo Horizonte, "Pá de cal (Ray-lux)" estreou no Rio de Janeiro. Na verdade, a estreia estava prevista para março do ano passado, quando a pandemia começou. Uma sessão fechada para patrocinadores chegou a ser feita, mas, no dia seguinte, atores e equipe receberam a notícia de que o teatro seria fechado para conter a disseminação do novo coronavírus.

Após uma longa espera, o espetáculo estreou em 2 de dezembro de 2020 e cumpriu uma temporada de dois meses na capital fluminense. A chegada em Minas ocorre no momento em que a cultura começa a retomar o ritmo de eventos,  impulsionada pelo avanço da vacinação no país.

Jô Bilac vê esse momento com bons olhos. "É uma força de esperança essa retomada do mercado de teatro, shows e outras artes,com a presença do público vacinado. Antes, não havia um plano e, agora, as coisas estão voltando com muita força. Também sinto que as pessoas estão muito empolgadas para retomar suas rotinas enquanto público."

Para o dramaturgo, "o teatro é a força que dialoga com a sociedade. E essa força está no poder do encontro. Fico muito feliz de poder voltar. Não vou ao teatro desde março, então estou muito feliz de poder acompanhar essa estreia em Belo Horizonte pessoalmente."

“PÁ DE CAL (RAY-LUX)”
Em cartaz no CCBB BH (Praça da Liberdade, 450, Funcionários), de sexta a segunda, às 20h,
até 15 de novembro. Ingressos pelo site bb.com.br/cultura a R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia). 

Ilvio Amaral e Maurício Canguçu em 'Maio, antes que você me esqueça'
Ilvio Amaral e Maurício Canguçu vivem pai e filho com relação conflituosa em "Maio, antes que você me esqueça" (foto: Raquel Guerra/Divulgação)

DA COMÉDIA AO DRAMA

Reconhecidos pela comédia de sucesso longevo (22 anos em cartaz) "Acredite, um espírito baixou em mim", os atores Ilvio Amaral e Maurício Canguçu encenam neste fim de semana em Belo Horizonte o texto dramático "Maio, antes que você me esqueça". Sessões neste sábado (23/10), às 21h, e no domingo (24/10), às 19h, no Cine Theatro Brasil Vallourec.

Escrita pelo dramaturgo e neurocirurgião Jair Raso, "Maio, antes que você me esqueça" conta a história de Mauro (Canguçu), que, a contragosto, recebe a tarefa de hospedar em sua casa seu pai, Hélio (Ilvio), diagnosticado com Alzheimer. Ao longo dos 60 minutos do espetáculo, fica clara a relação conflituosa e distante dos dois. Ambas as apresentações serão realizadas em formato híbrido.

 “MAIO, ANTES QUE VOCÊ ME ESQUEÇA” 
Neste sábado (23/10), às 21h, e domingo (24/10), às 19h. Cine Theatro Brasil Vallourec (Rua dos Carijós, 258, Centro). Ingressos pelo site eventim.com.br e na bilheteria do teatro a R$ 40 (inteira) e R$ 20 (meia). Ambas as apresentações terão transmissão on-line com ingressos a R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia) à venda no site eventim.com.br e na bilheteria do teatro. 


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