Um Pablo Neruda além da poesia, contraditório, plural, que se molda conforme o ângulo pelo qual é observado – esse é o personagem que interessa à diretora teatral, professora e pesquisadora Sara Rojo , e que ela investiga no livro “Um percurso pelas imagens de Neruda no cinema e no teatro". O lançamento oficial do volume, que tem o selo da Editora Javali, ocorre com uma live nesta segunda-feira (11/10), reunindo a autora e convidados que colaboraram com a obra.
Nos quatro primeiros capítulos da obra, a autora apresenta ensaios sobre as
representações imagéticas
de seu personagem no cinema. No quinto e último capítulo, Sara investiga essas representações no teatro, que é o ambiente pelo qual ela há muitos anos transita e no qual é reconhecida.
“Neruda não era apenas um escritor; é uma imagem, muito importante para o Chile e para a América Latina, que transcende o campo da literatura. É impressionante o número de filmes e peças de teatro que partem da imagem dele no sentido da crítica e da defesa. Há quem o considere um dos grandes intelectuais do século 20, um divisor de águas na literatura, e há quem faça acusações muito duras contra ele”, aponta Sara, que é chilena, radicada há décadas em Belo Horizonte, onde leciona na UFMG e foi fundadora dos grupos de teatro
Mayombe e Mulheres Míticas
.
A autora diz que a obra de Neruda a acompanha desde a infância, que faz parte de sua formação e que, portanto, ela tem suas próprias opiniões formadas a respeito dele, mas quis se lançar nesta pesquisa para entrar um pouco no campo das contradições que cercam o poeta.
''Tudo isso me atravessava muito, porque cresci estudando Neruda. Os brasileiros crescem e se educam com Machado de Assis, Guimarães Rosa, Drummond, porque são autores que começam a aparecer quando você é adolescente e continuam te acompanhando. Neruda me acompanhou a vida inteira, na adolescência, no período de ditadura no Chile, e segue até hoje''
Sara Rojo, autora de "Um percurso pelas imagens de Neruda no cinema e no teatro"
COMPANHIA
“Tudo isso me atravessava muito, porque cresci estudando Neruda. Os brasileiros crescem e se educam com Machado de Assis, Guimarães Rosa, Drummond, porque são autores que começam a aparecer quando você é adolescente e continuam te acompanhando. Neruda me acompanhou a vida inteira, na adolescência, no período de ditadura no Chile, e segue até hoje”, diz.
“Um percurso pelas imagens de Neruda no cinema e no teatro” abre com um prólogo assinado por Mónica Villarroel Márquez, diretora da Cinemateca Nacional de Chile. Na sequência, Sara apresenta Neruda em uma introdução que destaca passagens de sua vida e sua morte, ainda hoje envolta em polêmicas e debates, logo após o golpe que instaurou a
ditadura militar
no Chile sob o comando de Augusto Pinochet.
Nos quatro capítulos seguintes, ela destrincha a imagem de Neruda nos filmes
“O carteiro e o poeta”
(1994), de Michael Redford, baseado no livro “Ardente paciência”, do também chileno Antonio Skármeta;
“Neruda: fugitivo”
(2015), de Manuel Basoalto, e
“Neruda”
(2016), de Pablo Larraín, além de vários documentários produzidos tanto para o cinema quanto pela televisão.
Entre uma obra audiovisual e outra, ela dedica um capítulo a dissecar uma imagem emblemática, muito explorada por todas as produções em torno da vida do poeta. “Quando foge da ditadura, ele atravessa a cordilheira dos Andes a cavalo rumo à Argentina. Essa imagem é impressionante, porque aparece em muitos filmes. Imagine a potência dos Andes, e o poeta ali, atravessando a cavalo no meio da neve. É uma imagem muito forte, que já foi trabalhada de diversas maneiras e que, de certa forma, se mostra contraditória no século 21”, aponta.
Essa imagem da cordilheira, que, aliás, ilustra a capa do livro, está no cerne do filme de Basoalto, que Sara trabalha em perspectiva com o “Neruda” de Larraín. “Em ‘Neruda: fugitivo’, o diretor conta exatamente a fuga do Chile pelos Andes e a perseguição da polícia. É bem interessante, porque é um filme muito pró-Neruda, o coloca como um herói. E mais ou menos no mesmo período em que foi lançado, chegou aos cinemas o ‘Neruda’ de Pablo Larraín, que lança um olhar bem contemporâneo, menos condescendente, que questiona mais o que Neruda significa.”
Sobre o filme de Larraín, ela diz: “Os detratores de Neruda são, no fundo, para mim, reféns dessa imagem muito forte, que não podem e não conseguem descartar”.
No último capítulo, Sara retorna ao seu próprio lugar de origem, o
teatro
, e analisa três peças que flagram ângulos e momentos distintos da vida do poeta: durante a ditadura, sob a perspectiva feminina e após sua morte.
A imagem dele na primeira montagem é, conforme diz a autora, intocável, perfeita. A segunda traz a visão de uma dramaturga, que questiona coisas importantes acerca do personagem, como o fato de ele não ter dedicado os devidos cuidados à filha que tinha hidrocefalia.
E o terceiro espetáculo, de Marco Antonio de la Parra, imagina o funeral de Neruda frequentado por todos os intelectuais da época, acompanhando e discutindo sua vida e sua obra.
“O interessante é que os filmes que constroem imagens e discursos em torno de Neruda têm um diálogo bastante direto com a
realidade
. O teatro, ao contrário, cria
ficções
a partir de sua morte. Nas três peças que analisei isso acontece: uma idealização dele por parte das muitas mulheres que teve na primeira, um retrato que o coloca no inferno na segunda e a presença de seu fantasma intelectual na terceira”, observa Sara.
''Neruda não era apenas um escritor; é uma imagem, muito importante para o Chile e para a América Latina, que transcende o campo da literatura. É impressionante o número de filmes e peças de teatro que partem da imagem dele no sentido da crítica e da defesa. Há quem o considere um dos grandes intelectuais do século 20, um divisor de águas na literatura, e há quem faça acusações muito duras contra ele''
Sara Rojo, autora de "Um percurso pelas imagens de Neruda no cinema e no teatro"
ANÁLISE
Diretor da Javali, o dramaturgo e ator do grupo Quatroloscinco Assis Benevenuto destaca que “Um percurso pelas imagens de Neruda no cinema e no teatro” chega em um excelente momento, já que a editora, uma das poucas do Brasil que se dedica com afinco a publicações em torno do teatro, começou, em 2021, a contemplar também o cinema.
“Sara faz uma análise das representações do Neruda no cinema, no teatro e em documentários. Isso foi bem interessante, porque a gente publicou um primeiro livro de cinema este ano, o ‘Roteiro e diário de produção de um filme chamado Temporada’, do
André Novais Oliveira
. Esse segundo livro que perpassa o cinema, a partir da imagem de Neruda, vai bem nessa direção que a editora está tomando”, afirma.
Ele aponta que a Javali já publicou diversas outras obras escritas ou coordenadas por Sara, o que resulta da admiração que tem por seu trabalho e também pela proximidade que mantém com ela. “A Sara é uma artista e professora latino-americana que leva essa questão política bem a fundo há muitos anos. Isso é muito importante para mim enquanto artista e estudante, já que ela é minha orientadora de doutorado. E Sara é madrinha do Quatroloscinco, está muito atenta a tudo o que acontece, não para de produzir, por isso a gente tem essa relação com ela, que também acredita na gente, no nosso trabalho.”
No que diz respeito a “Um percurso pelas imagens de Neruda no cinema e no teatro”, Benevenuto acredita que a singularidade da obra está no fato de não se ater à produção literária, mas pensar a construção da imagem de Neruda.
“A gente pode extrair o que a Sara está propondo ali e levar para outros lugares, outras figuras. O foco está nessa
construção histórica e política de uma imagem
. O livro mostra o quanto as revisões dessa imagem através do tempo são importantes e como elas acontecem. É um livro que não fala da poesia dele, não estuda as obras dele, mas sim a imagem. A gente está trabalhando mesmo com as representações dramatúrgicas da imagem desse político e poeta.”
Lançamento tem bate-papo
Para a
live de lançamento
de seu livro em torno de Pablo Neruda, Sara Rojo convidou a dividir a tela com ela pessoas que, direta ou indiretamente, participaram da construção da obra: a professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro Elena Cristina Palmero González, que é uma das mais reconhecidas hispanistas do Brasil; a diretora da Cinemateca Nacional de Chile, Mónica Villarroel; e Marcos Alexandre, seu colega no corpo docente da UFMG, professor titular da Faculdade de Letras.
“A Elena vai apresentar a obra. Ela não participou da escrita, mas foi a primeira pessoa para quem apresentei o livro, então é um olhar um pouco de fora. Mónica foi quem de alguma maneira acompanhou meu pós-doutorado, do qual esse livro é resultado; ela me apresentou muito material, discutimos bastante, porque é uma pessoa que tem um trabalho enorme de pesquisa, conhece tudo de cinema. Ela fez o prólogo do livro. E o Marcos, que é meu colega na UFMG, fez o posfácio, porque eu queria ter um olhar daqui, mais próximo”, explica Sara.
“É um livro sobre a imagem de Neruda, mas é pensado para o Brasil, para as pessoas que se interessam por esse intelectual e se interessam por cinema no Brasil. Marcos trabalhou nessa linha”, acrescenta a autora.
Na primeira parte da live, Sara e seus convidados falarão sobre as abordagens possíveis em torno da obra, e num segundo momento o grupo conversa um pouco mais livremente, orientado pelas questões e perguntas que eventualmente surgirem no chat.
“Um percurso pelas imagens de Neruda no cinema e no teatro”
• Sara Rojo
• Editora Javali (228 págs.) R$ 45
• Live de lançamento nesta segunda (11/10), às 19h30, no canal do YouTube da Editora Javali. Valor promocional de lançamento com 20% desconto: R$ 36, no site www.editorajavali.com.