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Francisco Paes Barreto e Clélio Campolina lançam livro sobre a China

Psicanalista e economista analisam as várias facetas do gigante asiático, alvo de polêmica sectária promovida pelo governo Jair Bolsonaro


30/06/2021 04:00 - atualizado 29/06/2021 23:44

Trabalhador em Huainei, na China, o maior exportador da economia mundial(foto: AFP)
Trabalhador em Huainei, na China, o maior exportador da economia mundial (foto: AFP)

Nos anos mais duros da ditadura militar – em que a censura à imprensa exibia a sua face também por meio de muitas receitas culinárias –, o “Pasquim”, emblemático semanário de humor, autoproclamou-se um jornal “de oposição à ditadura grega”. Assim burlou censores. Pretendia falar da Grécia, mas, de fato, referia-se ao Brasil.

Inspirados nessa genial proposta, dois ícones em seus respectivos campos de conhecimento lançam livro sobre um país que está no centro do debate político brasileiro: a China. Na esperança de abrir interlocução com diferentes vertentes das narrativas ideológicas em torno deste país, que carrega o pêndulo da hegemonia geopolítica global para a Ásia, Clélio Campolina Diniz, mestre, doutor e pós-doutor em ciências econômicas, e o psicanalista Francisco Paes Barreto, membro da Escola Brasileira de Psicanálise e da Associação Mundial de Psicanálise, lançam nesta quarta-feira (30/06), “O enigma China – Uma síntese histórica, econômica e psicanalítica” (Editora CRV).


“No Brasil de hoje, fala-se muito de política, mas não há debate, há embate: violento, sectarizado, estreito e estéril. Então, a ideia é que de que seja necessário alargar os horizontes de nossa conversa política, caso contrário chegaremos a um beco sem saída”, afirma Francisco Paes Barreto.

“Mais do que respostas, o livro sobre a China traz perguntas. Há uma reformulação do mapa mundi geopolítico. Saber o que se passa na China é fundamental para saber o que se passa no mundo e, por consequência, no Brasil”, afirma Barreto.

O livro busca em 45 textos curtos, que podem ser lidos de forma independente, apresentar, por um lado, uma abordagem histórica e psicanalítica da evolução deste país que, em algumas décadas, saltou da miserável condição de abrigar população morrendo de inanição para a posição de uma das maiores economias do planeta.

Clélio Campolina elabora as transformações globais e a ascensão chinesa, sob uma perspectiva histórica e econômica que não se furta em se aprofundar nos conceitos de mercado, Estado, liberalismo político, liberalismo econômico, desenvolvimento capitalista e ondas tecnológicas, entre outras.

“O foco está em mais uma reflexão sobre as grandes transformações e desafios contemporâneos, nos quais a China tem assumido papel de liderança, seja na transformação da relação convencional entre Estado e mercado, seja do ponto de vista de propor um novo modelo, o chamado socialismo de mercado, e todas as implicações disso sobre distribuição de renda, geopolítica, sobre o papel da tecnologia, sobre as alterações da ordem mundial, como isso rebate no mundo em geral, rebate na periferia e em especial como o Brasil se situa diante desse quadro”, afirma Clélio Campolina.

“Todos esses temas servem para refletir sobre a situação contemporânea do Brasil, embora o livro não trate de forma específica sobre o Brasil”, considera ele.

“O ENIGMA CHINA:UMA SÍNTESE HISTÓRICA, ECONÔMICA E PSICANALÍTICA”
.De Francisco Paes Barreto e Clélio Campolina Diniz
.Editora CRV
.164 páginas
.R$ 45,90
.R$ 32,13 (e-book)

entrevista

Francisco Paes barreto
psicanalista

(foto: Arquivo pessoal )
(foto: Arquivo pessoal )

"Falar sobre a China é uma tentativa indireta de esclarecer o que se passa no Brasil"

Francisco Paes Barreto, psicanalista


“Temos não um debate, mas um embate”

Como a China é usada nesse espaço de disputa política no Brasil? Se formos considerar o aspecto mais cognitivo, o que de fato as pessoas conhecem sobre a China?
Temos entre nós não um debate, mas um embate violento, que tem causado desuniões nas famílias, nos meios sociais, onde havia amigos, passa a existir inimigos. Então, falar sobre a China é uma tentativa indireta de esclarecer o que se passa no Brasil. Por exemplo, conhecer a educação na China, a justiça na China, o meio ambiente, o regime político, tudo isso é inteiramente diferente do que acontece entre nós. Esse exame deste país enigmático, distante, desconhecido, pode indiretamente clarear o que se passa entre nós. Lá na China o que existe é uma industrialização aceleradíssima, desenvolvimento aceleradíssimo, ao contrário do que acontece no Brasil, em que há estagnação econômica há décadas, em que há desindustrialização impressionante. Falar sobre a China é uma maneira indireta de alargar os nossos horizontes, as nossas conversas, para entender por que estamos como estamos.

Na perspectiva do Brasil, a China está no centro do debate ideológico e sempre colocada sob perspectiva depreciativa de alguns debatedores. Sob a perspectiva psicanalítica, há alguma explicação para a virulência com que se desqualifica a China?
O plano da minha parte do livro é o seguinte: um artigo com enfoque histórico, em seguida, um comentário psicanalítico sobre esse artigo e enfoque. Então vou alternando a abordagem histórica e psicanalítica. Não há intenção nem de elogiar nem de execrar a China. O plano do livro é abordagem o mais imparcial possível, numa abordagem de minha parte histórica e psicanalítica e da parte do professor Campolina, histórica e econômica. O Brasil vive hoje um embate sectarizado, em que fatos e argumentos pesam pouco. É disso o que queremos fugir dessa radicalização e lançar novos elementos na discussão. Não se trata nem de enaltecer nem de depreciar, mas de fazer análise do que acontece lá, de sua história e seu momento presente, o que é fascinante sob vários aspectos.

Qual é, em sua avaliação, o ponto alto do livro?
É a visão de síntese, o que não é fácil. São capítulos pequenos que descrevem um longo trajeto histórico e uma rica realidade atual. Fazer isso com poucas palavras não é fácil. E eu me sinto realizado, porque acho que conseguimos. Agora, quanto às conclusões, prefiro que cada um leia e chegue às suas próprias conclusões. Porque quem for ler não chegará a uma única conclusão, nem nós queremos impor ao leitor conclusão determinada. O que desejamos é abrir horizontes para a discussão e se conseguirmos isso ficaremos muito felizes.

O senhor afirma que o mundo globalizado, no futuro, não terá balizadores ideológicos como esquerda e direita. Sob a perspectiva psicanalítica, as sociedades e estados caminham para formatos totalitários ou democráticos?
Na atualidade, prevalecem no Ocidente sociedades politicamente abertas e democráticas. Em outras partes do mundo, existem sociedades politicamente fechadas e autocráticas, como a China, a Rússia e o Irã. No futuro, o predomínio será de sociedades abertas ou fechadas, você me pergunta. Quanto a isso, a leitura psicanalítica tem resposta clara. As sociedades totalitárias são verticalizadas, hierarquizadas, com rígidos controles centralizados. Ora, como foi visto, o mundo globalizado tem estrutura de rede: horizontalizado, com hierarquia mínima e multicêntrico. Nesse contexto, sociedades fechadas tendem inexoravelmente a se abrir. No futuro do mundo globalizado, a sombra que existe não é a do totalitarismo, é a da barbárie. Esta, sim, é preciso que seja levada em conta. Totalitarismos de direita e revoluções comunistas estão estruturalmente superados, e no máximo podem tentar apresentar-se como fantasmas. O dilema, agora, pode ser enunciado como civilização ou barbárie. Historicamente, é o estado democrático o principal meio para a regulação do capitalismo. A democracia recebe muitas críticas, mas ela não é uma proposta, são regras do jogo, em que todos são convocados a participar. O caminho a percorrer é a ampla mobilização para e pelo aprimoramento de nossas instituições, para que sirvam à sociedade em vez de se servirem dela. É preciso usar as redes sociais e a internet como meio de transformação. Tudo dependerá do uso que se fizer delas.


entrevista

Clélio Campolina
economista

(foto: Jair Amaral/EM/D.A Press )
(foto: Jair Amaral/EM/D.A Press )

"A disputa contemporânea é do ponto de vista de liderança econômica"

Clélio Campolina, economista


“Esse debate de comunismo é superado”

Como o Brasil se situa hoje face à China?
A China é hoje o grande global player. É o maior exportador, está na fronteira do desenvolvimento tecnológico mundial, tende a assumir a posição de liderança econômica ultrapassando os Estados Unidos. Tudo isso repercute no mundo e também no Brasil. A China é o maior parceiro comercial do Brasil. As transformações tecnológicas chinesas têm efeito sobre o mundo em geral e sobre o Brasil em particular. Toda a nossa discussão sobre democracia e liberdade tem de ter contraponto nas transformações mundiais – o que foi o fracasso do projeto comunista, o que é a crise contemporânea do mundo ocidental, inclusive o crescimento das desigualdades, e o que são os experimentos novos, como podem nos impactar. Há outros assuntos específicos que podem ser relacionados: do ponto de vista da corrida científica e tecnológica; do papel da cultura dos diferentes povos em seus processos históricos e de desenvolvimento; todo contraste entre desenvolvimento econômico e desenvolvimento entendido como bem-estar para a humanidade; todas as dimensões das relações internacionais dos diferentes países, como o comportamento do cotidiano das pessoas, desigualdade social, inflação, como câmbio, balanço de pagamento afetam de forma diferenciada os povos; o mundo está cada vez mais integrado. A globalização é fenômeno contemporâneo. Qual é o futuro do trabalho a luz das mudanças tecnológicas em curso, da inteligência artificial, da engenharia genética, como a humanidade se situará diante de tudo isso? São perguntas para refletir sobre o mundo e sobre o Brasil. Não é análise específica sobre o Brasil, mas as perguntas todas servem para analisar o mundo e o Brasil, porque são de impacto generalizado, embora de forma diferenciada segundo as condições e características de cada país.

Embora a China seja o maior parceiro comercial do Brasil, membros do governo federal e até recentemente o ex-ministro das Relações Exteriores atacam politicamente a China. Qual é a racionalidade desse comportamento?
Do ponto de vista do interesse, cada país defende os seus interesses econômicos. A ideologia vem em segundo lugar. Em toda interpretação histórica lúcida, econômica, política, contemporânea, esse debate de comunismo é superado historicamente. Não estão na agenda mundial revoluções comunistas de tomada do poder para implantar a ditadura do proletariado, para a coletivização dos meios de produção. Isso não existe mais em lugar nenhum do mundo: Cuba está liberando o mercado, a Rússia já liberou o mercado, a China experimentou o que chama de socialismo de mercado. O mercado funciona plenamente, não querem estatizar, embora parte da economia seja de controle de empresas estatais. Então, me parece que é uma questão que precisa ser refletida de maneira serena, independentemente de posição ideológica, é preciso analisar os fatos, de acordo com o que ocorrem na agenda mundial. No fundo, a disputa contemporânea é do ponto de vista de liderança econômica. Não há mais, neste momento, um receio de revoluções armadas, como a soviética de 1917, a chinesa de 1949, a cubana, etc. O único país que ainda mantém regime fechado é a Coreia do Norte e, mesmo assim, os Estados Unidos, sob Donald Trump, mantiveram relação próxima com Kim-Jong-un. De maneira que me parece algo fora do contexto. Por isso é importante perguntar quais os fundamentos dessa reação de acusar um regime político que pode ser danosa para nós. A disputa neste momento é por liderança econômica. Os Estados Unidos não temem que a China exporte comunismo para o mundo, mas estão preocupados com a liderança econômica da China. E, além da econômica, vem a liderança geopolítica. Como fica a Rússia neste momento, é uma economia fraca, não propõe mais um comunismo convencional. Mas é um país militarmente forte. Então são questões mundiais que precisam ser discutidas.

Como a religião entra no debate político contemporâneo no Brasil?
Discutimos no livro os fundamentos do liberalismo político, econômico, o neoliberalismo, qual é o papel do Estado, da sociedade, enfim, para onde deve mover a humanidade. Independentemente de suas posições políticas, um cientista, um acadêmico, precisa refletir do ponto de vista da realidade histórica com a qual está vivendo. Isso não se relaciona com a Bíblia. A Bíblia é algo religioso. Respeito as questões religiosas de cada um, mas não se pode analisar as transformações mundiais a partir de perspectiva bíblica, porque aí não se enxergam as transformações. A Bíblia diz respeito a uma crença transcendental, não se discute. Deus é Deus, está lá para quem acredita. Então, acho que o debate do ponto de vista dessa polarização sem fundamento, virou um sectarismo. É preciso ter clareza, lucidez, serenidade, para refletir sobre os problemas contemporâneos para se eleger os caminhos para uma sociedade melhor.


Quando o senhor menciona a guerra comercial entre Estados Unidos e China, o Brasil em algum momento poderia se beneficiar dessa disputa?
Acho que poderia, porque o Brasil é, do ponto de vista de área geográfica, um dos maiores do mundo. O Brasil tem a quinta população mundial, tem uma situação social muito heterogênea, mas com várias coisas que avançaram muito. De modo que o Brasil precisa ser amigo de todos, mas não pode fazer uma aliança cega. Parece-me um equívoco, estaria comprometendo a autonomia e a liberdade do país. Então, temos de comercializar e ser amigos dos Estados Unidos e da China, construindo as opções de autonomia que podemos ter.

O senhor encerra o livro com um capítulo indagando sobre o futuro da humanidade. Qual é a sua visão, a humanidade tem futuro?
O livro é composto de 45 textos cursos e autônomos, que podem ser lidos de forma independente, num linguajar, numa abordagem, aberta, para todos. O que buscamos é uma sociedade melhor, independentemente de opções partidárias, há um desejo de busca de uma sociedade melhor. O que podemos aprender à luz da experiência contemporânea da China, das outras experiências históricas. Barreto fala muito sobre a experiência histórica do comunismo, do ponto de vista ontológico, o ser diante de tudo isso. E os meus textos discorrem um pouco o histórico do desenvolvimento econômico e os desafios contemporâneos, como se pode buscar a construção de uma sociedade melhor, os desafios que estão postos. Os textos levantam essas diferentes dimensões. Eu termino perguntando: quais os desafios da humanidade diante de tudo isso? Sou um otimista, quero continuar lutando pelas ideias que tenho e continuo acreditando que a humanidade vai continuar lutando para construir um mundo melhor, portanto, vai depender de cada um de nós. Razão pela qual nunca desisto de continuar lutando pelas causas em que acredito, embora não seja filiado a nenhum partido político. Fiz uma opção de vida de virar professor universitário e essa é a minha vida, tentar a ajudar a entender o mundo e ficar feliz nesta busca.


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