Mulheres abrem o verbo no alto-falante do Fusca que cruza as ruas de BH

20/02/2021 06:00 - atualizado 20/02/2021 07:44

Janaína usa um Fusca 1974 histórias compartilhadas por moradoras da cidade

Nestes dias de distanciamento social e trabalho em casa, anúncios transmitidos por carros de som que circulam por BH vendendo pamonha, ovos e abacaxi podem significar incômodo para o silêncio ou alívio para a solidão. A educadora, atriz e performer Janaína Tábula se inspirou neles para criar durante a pandemia, dando voz à diversidade das mulheres.

No sábado passado, ela iniciou a itinerância da intervenção “CarrOvO”. A proposta surgiu dos carros que oferecem o produto, semelhantes ao automóvel usado por ela: um Fusca 1974. Em vez de vender, Janaína distribui dúzias de histórias compartilhadas por moradoras da cidade.

Depois de circular pelo Barreiro na semana passada, neste sábado (20/2), a partir das 9h, a performer estará nas ruas da Região Leste. O alto-falante do Fusca transmitirá depoimentos sobre lutas pessoais, conquistas, experiências e sabedorias, entre outros relatos femininos.

“A ideia nasceu na pandemia, quando me vi em casa, em home office. Percebi como os carros de ovo e pamonha são um evento para a vizinhança. É impossível não perceber quando eles passam”, diz Janaína Tábula, cujo projeto foi aprovado pela Lei Aldir Blanc. “Fiz referência a essas circulações com meu Fusca, um carro popular e afetivo, pois por si só ele desperta a memória afetiva.”

A intervenção propõe, segundo ela, “o resgate da oralidade conectado à memória de mulheres”. O ponto de partida da performer foram depoimentos de moradoras de periferia, travestis, mulheres em situação de rua e indígenas. Porém, logo as narrativas se diversificaram, formando o que Janaína chama de “colcha de retalhos sonora”.

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Uma publicação compartilhada por CarrOvO (@carrovo.itinerante)

“Fiz um recorte social e hipergeracional. Primeiro, fiz o convite para um grupo por meio das redes sociais, mas outras mulheres se interessaram à medida que a proposta foi tomando forma”, relata Janaína.

A cada sábado que circula com a instalação “CarrOvO”, além de pulverizar histórias narradas pelas mulheres pelo alto-falante, a artista promove momentos de escuta. Ela estaciona o Fusca, coloca dois bancos na calçada e espera por pessoas que se interessem em compartilhar sua trajetória pessoal.

“A metodologia é composta por duas perguntas: qual a história da pessoa e qual memória propriamente dita ela deseja compartilhar”, explica Janaína. “É um processo de cura. Na pandemia, as mulheres podem refletir sobre sua jornada, sua experiência. Elas têm esse espaço de fala, de olho no olho, de acolhimento”, destaca.

DONA CEIÇA

A coleção sonora traz, por exemplo, a história de dona Ceiça, do Jardim Alvorada. Aos 70 anos, ela realizou o sonho de ingressar na escola e aprender a escrever. Vanessa, do bairro Guarani, mulher negra, conta sobre a experiência de ser a primeira universitária da família. Totty Soraia, do Barreiro, fala sobre a importância do hip-hop para ela, a ponto de se tornar seu meio de vida.

As histórias de “CarrOvO” podem ser conferidas no Instagram, onde há o registro completo do trabalho de Janaína Tábula. Na plataforma SoundCloud é possível ouvi-las no formato sonoro original.