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Estado de Minas QUARENTENANDO

O isolamento 'sabático' do médico e dramaturgo mineiro Jair Raso

Neurocirurgião e escritor aproveita a quarentena para cuidar das orquídeas, trocar lâmpadas, brincar com os cachorros e organizar livro sobre este momento crucial vivido pela humanidade


postado em 09/04/2020 04:00

Jair Raso brinca com labradores e vira-lata em sua casa, em Belo Horizonte (foto: Acervo pessoal)
Jair Raso brinca com labradores e vira-lata em sua casa, em Belo Horizonte (foto: Acervo pessoal)

Ler, escrever e se dedicar a pequenos consertos domésticos. Essas têm sido as principais atividades de Jair Raso, neurocirurgião e dramaturgo responsável pela curadoria do Teatro Feluma, em BH, durante o isolamento social. “Estou encarando, assim como a minha mulher, como período sabático. A rotina foi completamente interrompida. É como uma aposentadoria imposta e temporária”, conta.

Raso aproveita a quarentena para se dedicar à leitura de textos de teatro e de filosofia, além de escrever. E adotou novos hábitos: “Estou arrumando tudo em casa, trocando lâmpadas, irrigando as orquídeas. Até lavar o carro, lavei – coisas que nem pensaria em fazer antes. Não tenho a menor ideia do porquê de estar fazendo isso agora”, brinca.

Acostumado com a rotina agitada, o mais difícil é o distanciamento das outras pessoas. Ele enfrenta o isolamento ao lado da mulher, a psicóloga Andreia Silveira, de dois labradores e de um vira-lata. “Nossa casa não fica vazia nunca. Quando estou entediado, vou brincar com eles. Para cachorro não existe crise ou pandemia, é só alegria”, diz.

De acordo com o dramaturgo, este momento deve sucitar reflexões. “É possível, necessário e imprescindível pensar sobre ele”, afirma. Por isso, Jair e Andreia convidaram 15 conhecidos para escreverem um livro, cujo título provisório é Trilogia de uma pandemia. O lançamento está previsto para o final do ano, no Teatro Feluma, que funciona no prédio da Faculdade de Ciências Médicas, atrás do Parque Municipal.

A trilogia vai reunir textos de artistas, psicanalistas, médicos e infectologistas sobre os diferentes aspectos da pandemia causada pelo novo coronavírus. “É um projeto de doação, nenhum de nós terá retorno financeiro”, explica o médico e dramaturgo.

Cada convidado contribuirá com três textos: um sobre antes de a pandemia começar, outro sobre o isolamento social, e o terceiro relativo à volta à normalidade. “A proposta que fiz é: escreva agora e não pode editar”, conta Jair. E divaga: “Daqui a um mês, será que terei o mesmo discurso? Talvez, possa estar aqui arrancando os cabelos”.

ÂNGELO

Medicina e arte são perfeitamente compatíveis, diz o neurocirurgião, autor das peças Chico Rosa, Espelho e Memórias em tempos líquidos, entre outras. “Milhares de médicos atuam no teatro, isso é antigo. Já entrei na Faculdade de Medicina fazendo teatro e nunca mais parei. Já são mais de 40 anos atuando nas duas áreas”, revela. Jair cita o exemplo de Ângelo Machado, que morreu esta semana, aos 85 anos, de parada cardíaca. Professor emérito da UFMG, ele era médico, entomologista, dramaturgo e escritor.

A pandemia obrigou o cancelamento e adiamento de espetáculos programados para o Teatro Feluma, inaugurado em dezembro de 2019. “O grande diferencial do teatro é a presença do outro na sua frente, o artista exposto sem artifícios”, comenta Jair Raso, explicando por que considera difícil levar essa agenda para o universo on-line.

Porém, a casa resiste à pandemia. “Este é um momento muito legal para atrair gente nova e apresentar o Teatro Feluma às pessoas”, acredita Mayra Oliveira, responsável pela gestão do espaço nas redes sociais. No Instagram @teatrofeluma, seguidores são convidados a enviar vídeos mostrando seu talento artístico e o material é postado no perfil.

Cerca de 30 pessoas já enviaram suas criações. “A grande surpresa é que justamente pessoas que não são do meio cultural vêm aproveitando o espaço”, comenta Jair Raso.

Para amenizar o isolamento, o dramaturgo sugere ao público ler textos de comédia. “O humor é uma saída para este momento. Por exemplo, Millôr Fernandes e Luis Fernando Verissimo.” Fora desse gênero, Raso indica o ensaio Todos os homens são mortais, de Simone Beauvoir. “É um livro para refletir sobre este momento. A impressão que tive, ao final, é de que morrer não é tão ruim”, conclui.

* Estagiária sob supervisão da editora-assistente Ângela Faria


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