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Estado de Minas

Após reação negativa de hispanos, editora recua sobre livro nos EUA

American dirt foi saudado como um bom romance, mas comunidade hispânica sustenta que obra reforça estereótipos sobre imigrantes


postado em 02/02/2020 04:00 / atualizado em 31/01/2020 16:09

Com reação negativa da comunidade hispânica, editora cancelou turnê de lançamento do livro American dirt(foto: LAURA BONILLA CAL/AFP)
Com reação negativa da comunidade hispânica, editora cancelou turnê de lançamento do livro American dirt (foto: LAURA BONILLA CAL/AFP)

Elogiado por Stephen King e Oprah Winfrey, o romance American Dirt, lançado na semana passada em inglês e espanhol (com o título Tierra americana) com uma agressiva campanha de marketing, prometia ser "um novo clássico americano". Mas, ao invés disso, sua autora, a norte-americana Jeanine Cummins, tem sido acusada por escritores hispânicos de explorar a tragédia dos migrantes mexicanos em um ano eleitoral nos Estados Unidos e validar estereótipos, como os citados pelo presidente Donald Trump para justificar sua política anti-imigratória.

O romance conta a história de uma mexicana, dona de uma livraria, que foge para os Estados Unidos com seu filho pequeno a bordo da "Besta" ("La Bestia"), o trem de carga utilizado por migrantes, após sobreviver ao assassinato de quase toda a sua família por uma rede de narcotraficantes durante uma festa de debutante.

A publicação do livro gerou uma intensa polêmica sobre a apropriação cultural, a marginalização dos escritores hispânicos por parte da indústria editorial americana, os riscos de espalhar ideias falsas quando não se conhece bem o assunto sobre o qual se escreve e os limites responsáveis da ficção.

A tempestade surpreendeu a Flatiron Books, que, na noite da última quarta-feira (29), suspendeu a turnê de Cummins para promover o livro. "Baseados em ameaças específicas a livreiros e à autora, acreditamos que exista um risco real para a sua segurança", afirmou Bob Miller, presidente da editora, no comunicado em que anunciou a suspensão da turnê.

O escritor Stephen King classificou o livro como "maravilhoso". Don Winslow afirmou que "é o As vinhas da ira dos nossos tempos", em alusão ao consagrado livro do escritor John Steinbeck, com o qual ele ganhou o prêmio Pulitzer de melhor ficção em 1940. E uma adaptação para o cinema do livro de Cummins já está em andamento.

CARTA ABERTA 

Mais de 120 escritores, no entanto, inclusive a romancista mexicana Valeria Luiselli e a escritora hispânica Myriam Gurba, que iniciou o debate, assinaram uma carta aberta enviada a Oprah para que reconsiderasse sua decisão de recomendá-lo para seu clube do livro, uma seleção que garante sucesso nas vendas.

"Esta não é uma carta que pede para silenciar ou censurar (algúem)", escreveram. Mas instam a não promover um livro que "é explorador, simplifica demais e está mal informado; cai com muita frequência no fetichismo do trauma e no sensacionalismo da migração e da vida e da cultura mexicanas".

A atriz mexicana Salma Hayek chegou a publicar uma selfie com o livro, sem saber da polêmica, mas pediu desculpas em seguida. As fotos tuitadas pela própria Cummins de um jantar com lagosta para o lançamento da obra, que mostra arranjos florais decorados com arame farpado, em alusão à capa do livro, tampouco ajudaram.

"Border chic", criticou Myriam Gurba no Twitter. Segundo os escritores que assinaram a carta, as imagens são "cruéis" e "insensíveis". "Este é um livro que simplifica o México, que utiliza mal o espanhol, é um livro onde a protagonista, que é mexicana, não faz coisas que fazem sentido para um mexicano", afirma Ignacio Sánchez Prado, mexicanista e professor de estudos latino-americanos da Washington University em St. Louis (Missouri).

O professor diz não acreditar que somente os mexicanos possam escrever bem sobre o México. Mas Cummins "o fez mal", e a principal responsabilidade é do "aparato editorial", avaliou Pardo, que criticou "a ignorância e a negligência" da Flatiron na edição do livro.

A autora, que se define como branca e “latinx” (sua avó é porto-riquenha), não comentou a polêmica nas redes sociais, mas advertiu em entrevista ao jornal The New York Times que "existe um perigo às vezes de ir longe demais no silenciamento das pessoas".

PROMOÇÃO 

"Ninguém tenta censurar Cummins. Pode continuar produzindo o que quiser", disse o escritor Daniel Olivas, autor de um livro de poemas sobre a fronteira, Crossing the border: collected poems (Atravessando a fronteira: poemas recolhidos) e um dos signatários da carta enviada a Oprah.

"Mas a promoção deste livro como 'o grande romance americano' e 'um feito deslumbrante', da proporção de John Steinbeck, é simplesmente mortificante quando muitos escritores latinxs recebem uma mera fração desta atenção e compensação monetária", afirmou.

A Flatiron, que obteve os direitos do livro após uma disputa aguerrida e um cheque de sete dígitos para Cummins, não respondeu aos pedidos da reportagem para comentar a controvérsia e entrevistar a autora. O presidente da editora se disse "orgulhoso" de ter publicado o livro, mas admitiu que nunca deveria ter sido apresentado como um romance "que define a experiência do imigrante". Lamentou que "uma obra de ficção bem intencionada tenha gerado um rancor tão virulento".

"'Rancor virulento'. Que forma de nos humanizar, de compreender nosso problema", ironizou no Twitter outro signatário da carta, o escritor hispânico David Bowles, que descreveu o romance como "um melodrama de porno-trauma". (AFP)



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