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Em livro, neurocientista defende que sonhos ajudam a tomar decisões

Sidarta Ribeiro lança ´O oráculo da noite´, em que classifica a atividade onírica como um treinamento para enfrentar as situações da vida e mostra a validade científica das ideias de Freud e Jung


postado em 29/06/2019 04:11

“No mundo contemporâneo não há lugar nenhum para o sonho. Ninguém pergunta sobre os sonhos. Mas, se você não prestar atenção aos sonhos, no fundo, é todo um espaço mental que deixa de existir. É como se a pessoa abrisse mão de uma dimensão da sua mente”, afirma o neurocientista Sidarta Ribeiro, autor de O oráculo da noite – A história e a ciência do sonho, lançado neste mês pela Companhia das Letras. O que se perde ao abrir mão dos sonhos, argumenta Ribeiro, é “um espaço de simulação sem consequência, um treinamento” para as decisões que a vida impõe.

Ou, como ele anota em seu livro, “muito antes de Freud, acreditava-se que os sonhos diziam respeito ao futuro. Depois dele, o sonho passou a ser visto como reflexo impreciso mas significativo do passado. Decorridos quase 80 anos desde sua morte, acumulam-se evidências de que ambas as concepções são corretas. Passo a passo, através de uma jornada sinuosa, toma corpo uma teoria geral do sono e dos sonhos que compatibiliza passado e futuro para explicar a função onírica como ferramenta crucial de sobrevivência no presente”.

O neurocientista não tem dúvidas de que, no plano individual, o desprezo pela atividade onírica acarreta uma desvantagem para o sonhador. E supõe que, no panorama coletivo, isso também tenha um impacto – drástico. “Claramente, o grande capital não sabe para onde a gente está indo. O contexto é de acumulação excessiva, desequilíbrio excessivo e não há autocrítica. Será que é porque as pessoas não sonham e não conseguem imaginar as consequências dos seus atos?”

Na opinião de Ribeiro, “a dificuldade que o capitalismo pós-industrial tem de simular o futuro tem a ver com a redução da introspecção”. E, neste momento de “reduzida introspecção”, o que se nota é “um retorno a padrões mentais da Idade do Bronze – baixa complexidade de pensamento, pensamento sem contexto, fixação nos mitos”.

Hoje diretor do Instituto do Cérebro e professor titular da Universidade do Rio Grande do Norte, Sidarta Ribeiro começou “muito cedo nesse trilho da curiosidade sobre os sonhos”. No capítulo de abertura de seu livro, ele relata sonhos infantis que eram sintoma do trauma sofrido com a morte precoce e repentina do pai. Embora sua mãe fosse adepta da psicanálise e tivesse na estante “obras de (Sigmund) Freud (1856-1939), (Wilhelm) Reich (1897-1957), (Herbert) Marcuse (1898-1979) e (Carl Gustav) Jung (1875-1961)”, esse tema não fez parte da formação de Sidarta Ribeiro, conforme ele diz.

Foi ao iniciar seu doutorado nos Estados Unidos, em 1995, e enfrentar uma “questão pessoal, quase existencial”, relacionada aos sonhos que Ribeiro se deu conta de que “no mundo das ciências biomédicas essa contribuição estava sendo ignorada”. Daí até a decisão de fazer com O oráculo da noite uma “defesa enfática da atualidade das teorias junguianas e freudianas” foi um longo percurso, que o próprio livro descreve.

SABOTAGEM A “questão quase existencial” veio na forma de uma insuperável letargia, que levou o doutorando a jornadas de até 16 horas ininterruptas de sono (com intensa atividade onírica) logo após sua chegada a Nova York, durante um inverno americano especialmente rigoroso. Além de não conseguir se manter acordado, Ribeiro parecia ter perdido a capacidade de compreender e se comunicar em inglês. Naquele momento, o neurocientista achou que seu corpo estava sabotando sua carreira científica, que, no entanto,  deslanchou na primavera seguinte. “O que percebi como sabotagem era, na verdade, preparação para o que viria”, diz ele.

Essa experiência levou Sidarta Ribeiro à obra de Freud. E a obra de Freud o levou ao laboratório para testar a validade de hipóteses como a dos “restos diurnos” que se infiltram nos sonhos. O neurocientista afirma em seu livro que Freud e Jung, “em suas obras surpreendentemente coesas, jogaram luz nos recessos de nosso próprio comportamento pelo exercício magistral da indução, dedução e abdução”. E defende que “sua inclusão no panteão dos grandes cientistas da humanidade não exige apenas compreender e valorizar seu legado, mas também defendê-los de diversas acusações a eles imputadas com maior ou menor justificativa, muitas delas de cunho moral”.

Até chegar a Freud e Jung, contudo, o leitor atravessará um caminho que recua milhões de anos no tempo, passeia pela relação de diversos povos e culturas com os sonhos e cita obras num arco que compreende o Baghavad Gita,  o Ulisses de Joyce e a poesia de Arnaldo Antunes. A amplitude da obra e seu gosto pela minúcia de informações têm uma clara explicação por parte do cientista. “Consigo contar a história da espécie humana, contar a passagem da biologia para a cultura, se eu contar essa história passo a passo”, diz ele. “Não dá para explicar uma coisa que evoluiu ao longo de milhões de anos olhando só para o presente. Se eu quiser falar de neurotransmissor, tenho que começar falando do que aconteceu 540 milhões de anos atrás. Se eu quiser falar de sono, tenho que falar de mosca, de inseto. Se eu quiser falar de sonho, tenho que falar de mamífero. Se eu quiser falar de oráculo probabilístico (como Ribeiro define os sonhos), tenho que falar de ser humano.”

Ao se dispor a falar de tudo isso em O oráculo da noite, o autor levou em conta que “o público leitor de livros no Brasil é sobretudo um público de humanas. As pessoas estão muito mais familiarizadas com temas de humanas do que de biomédicas, das ciências ditas mais duras”. Para se fazer compreender por um leitor não necessariamente disposto a ultrapassar a “dureza” da gramática biomédica, Ribeiro teve “longas discussões” com seus editores, que fizeram “esse trabalho de ir lendo e dando feedback”. Nada substancialmente diferente do “trabalho do cientista, que é escrever artigos e ser criticado duramente”, diz ele.

INCONSCIENTE Além do funcionamento da memória, essencial no trabalho de construção do sonho, o livro lida com conceitos fundamentais, como o de aprendizado, inconsciente e consciência. No caso dos dois primeiros, Sidarta Ribeiro alcança definições invejavelmente sintéticas. “Sempre que a vida pede alterações no software cerebral, cabe ao sono fazer a reprogramação”, assinala o autor no capítulo sobre o papel do sono REM no processo de aprendizagem. O inconsciente é definido como “a coleção de todas as memórias e suas combinações possíveis”.

No caso da consciência, a situação se complica. “Falar do inconsciente é bem mais simples. O inconsciente é tão antigo quanto as memórias”, afirma Ribeiro. “A consciência não está compreendida. Discuto isso com base no que a gente sabe até agora e no que acredito. A discussão está aberta. Não há uma definição única de consciência nem na neurociência. Isso é superquente, é fronteira total. Além disso, a palavra é muito bastardizada; serve para qualquer coisa.”

Uma das convicções de Ribeiro em relação à consciência é que ela vem “da invasão do sonho na vigília”. Ou seja, a “capacidade de ter muitas simulações rolando no cérebro ao mesmo tempo vem do sonho noturno”. Da discussão sobre a consciência decorre naturalmente o tema da inteligência artificial, do qual Ribeiro não escapa em seu livro.

“Temos ainda diante de nós o desafio de construir os sonhos dos robôs. Existe extraordinária promessa na combinação e maximização in silico da indução (imensos bancos de dados), dedução (cálculos velocíssimos) e abdução (simulações probabilísticas). Na corrida para desenvolver as inteligências artificiais com personalidade jurídica que governarão o planeta no primeiro século do novo milênio, é provável que já tenhamos sintetizado nossos novos deuses – mesmo sem nos dar  conta disso. Como nas crenças umbundos, as almas vão morar nas coisas”, escreve.

Mas não se a vida sonhada dos humanos (individual e coletivamente) for outra. É o que se conclui da leitura de O oráculo da noite – A história e a ciência do sonho.

O oráculo  da noite:a história e a ciência do sonho
• Sidarta Ribeiro
• Companhia das Letras (472 págs.)
• R$ 79,90
• Ebook: R$ 39,90


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