Fotógrafa, precursora da nouvelle vague e cineasta engajada, Agnès Varda morreu na noite de quinta-feira (28), aos 90 anos, de câncer, em Paris. Desabusada e provocativa, fez filmes intimistas e também políticos. Filmou uma mulher com medo da morte (Cléo das 5 às 7), um homem que sonha com duas mulheres (Le benheur/ As duas faces da felicidade) e os revolucionários Panteras Negras norte-americanos.
Em fevereiro, ela foi homenageada pelo Festival de Berlim, na Alemanha, com o Urso de Ouro por sua carreira. Naquela ocasião, apresentou seu último filme, Varda par Agnès. No longa, explica que, convidada a dar masterclasses, cansou-se da repetição, de dizer as mesmas coisas e de lembrar os mesmos fatos e personagens. Fez o filme para substituir as masterclasses ao vivo.
Agnès trabalhou até o fim da vida. Deixa precioso legado: 54 filmes de grande relevância social e política. Nascida em 30 de maio de 1928, na Bélgica, usou a própria vida em seu trabalho, reconhecido com a Palma de Ouro honorária em Cannes, em 2015. Foi a primeira mulher a receber essa distinção. Em 2017, também foi a primeira cineasta a receber o Oscar pelo conjunto da obra.
Varda par Agnès traz uma artista debruçada sobre a carreira, os amigos e o amor de sua vida, o cineasta francês Jacques Demy (1931-1990).
“Seu trabalho e sua vida estão imbuídos do espírito de liberdade, a arte de ir além dos limites (...). Em suma, Varda parece ser capaz de realizar tudo o que quiser”. Assim os organizadores do Festival de Cannes justificaram o prêmio concedido à diretora de Os renegados (1985) e As praias de Agnès (2009).
NOUVELLE VAGUE
Seu primeiro filme, rodado quando tinha 25 anos, é La pointe courte, lançado antes da nouvelle vague, da qual ela viria a ser um dos principais expoentes. O movimento francês, majoritariamente dominado por realizadores homens, tem Cléo das 5 à 7 (1962) como um de seus títulos mais importantes.
No início da década de 1960, Cléo das 5 às 7 causou sensação no Festival Cannes. São duas horas da vida da cantora Corinne Marchand. Ela anda a esmo por Paris, canta em seu estúdio. Essas duas horas são decisivas. Cléo, de Cleópatra, espera o resultado de um exame que vai dizer se tem câncer.
Varda foi símbolo do feminismo no cinema. Além de ser diretora e roteirista, posições historicamente pouco permitidas às mulheres, destacou-se por lançar histórias de protagonismo feminino – Uma canta a outra não (1977), Sem teto nem lei (1985) e o docudrama Jane B. par Agnès V. (1988), biografia da atriz franco-inglesa Jane Birkin, estrelada pela própria estrela.
POLÍTICA
Varda sempre foi solidária a grupos sociais oprimidos e marginalizados. Exemplo disso é o documentário Os catadores do eu (2000), sobre pessoas que sobrevivem em Paris coletando restos de alimentos descartados. Outro exemplo é Black Panthers (1968), a respeito do movimento pelos direitos da população negra nos EUA.
“Sempre estive à esquerda no espectro político. Nunca fiz filmes políticos, simplesmente me mantive ao lado dos trabalhadores e das mulheres”, declarou ela ao participar do Festival de Berlim, no início deste ano. Ao ser ovacionada, brincou: “Não sou uma lenda, ainda estou viva”.
Seis meses antes, contou ao jornal britânico The Guardian que se sentia “viva e curiosa”. Declarou também que não se via “como uma mulher fazendo filme, mas como uma cineasta radical que é mulher”.
REPERCUSSÃO
“O falecimento de Agnes Varda significa a perda de uma artista significativa. Seus trabalhos corajosos foram caracterizados por um estilo altamente original. Ela estava sempre rompendo com convenções e estruturas dramáticas predeterminadas”, declarou Dieter Kosslich, diretor do Festival de Berlim.
Organizadores do Festival Internacional de Rotterdã lamentaram a morte da artista, por meio do Twitter. Em suas redes sociais, o Festival de Cannes publicou a seguinte mensagem: “Imensa tristeza. Por quase 65 anos, os olhos e a voz de Agnès Varda encarnaram o cinema com infinita inventividade. O lugar que ela ocupava é insubstituível. Agnès amava imagens, palavras e as pessoas. Ela é uma daquelas cuja juventude nunca desaparecerá”.
A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood também se manifestou, lembrando a cerimônia em que a diretora recebeu o prêmio por sua obra, há dois anos. “Agnès Varda trouxe calor para o ambiente e continuou a dançar no palco. Obrigado por sua visão, Agnès. Sabemos que você ainda está dançando.”