O trompetista e compositor carioca Guilherme Dias Gomes aprecia, pelo visto e ouvido, geografias, direções e movimentos. Começou a carreira fonográfica com Milhas e milhas (1988), batizou o sexto álbum de Leste (2016) e, agora, acaba de lançar seu sétimo CD, com o sugestivo título de Trips (viagens). Produtor e autor de trilhas de novelas globais entre 1991 e 2014, ele confessa ter se inspirado, na maioria das oito faixas do álbum, em sensações, ideias e sentimentos surgidos em diversos lugares e ambientes: “As viagens sempre trazem novas referências, o que para o compositor é puro ouro”, confessa.
Filho do dramaturgo Dias Gomes (1922-1999) e da mais consagrada autora da novela brasileira, Janete Clair (1925-1983), ele começou estudando piano, aos 6 anos, e adotou o trompete aos 12, aproveitando a abertura de uma vaga na banda do colégio. Fez música na UNI-Rio, no início dos anos 1970, foi aluno da Berklee logo depois e estudou, em paralelo, com os maestros Guerra Peixe e Alceu Bocchino, amigos dos pais, e com Márcio Montarroyos e Claude Aubouchon.
Em palco e estúdio, trabalhou com Ivan Lins, Paulinho da Viola, Chico Buarque, Fafá de Belém, Rita Lee, Fagner, Erasmo Carlos, Kid Abelha e outros tantos de igual calibre e importância. É irmão do também músico Alfredo Dias Gomes, que este ano comemora 25 anos de carreira com o disco Jam, e da cantora, poeta e compositora Denise Emmer, que merecia ter sua carreira reavaliada.
Gravado em apenas duas sessões em abril, no Rio de Janeiro, e masterizado em Nova York, Trips apresenta oito temas maduros, representativos do jazz brasileiro, executados com fluência pelo grupo que tem Idriss Boudrioua (sax-tenor), David Feldman (piano e direção musical), André Vasconcelos (baixo), Rafael Barata (bateria) e Firmino (percussão).
A primeira estação é Amstel bossa nova, uma bossa de quase oito minutos que funciona quase como uma jam de apresentação dos músicos, em que todos brilham e abrem espaços para os colegas de viagem. Com tema igualmente marcante, a jazzística Salvaterra tem robustez para abrir shows e funcionar como temas de vídeos de paisagens de muita cor e luz. Com Idriss Boudrioua assumindo o sax-alto, Clair diminui a velocidade e aumenta a dose de sentimento e nostalgia. Não é à toa. A música foi feita em homenagem à mãe do autor e gravada, pela primeira vez, no disco de estreia, há 30 anos.
Com pegada que lembra a banda Mingus Dinasty, dedicada a eletrificar a obra de Charles Mingus, Edinburgh retoma a pulsação acelerada e o sotaque jazzístico. Com ênfase nos ritmos brasileiros, München samba e Maracatu lacraia, inspiradas em Hermeto Paschoal, merecem a classificação de Brazilian jazz. Entre as duas, outra parada mais sentimental, o blues River Thamis, que tem como ponto de inspiração o Rio Tâmisa, que corta Londres. Para encerrar, Cabin 3334 tenta traduzir o misto de beleza, romantismo e, ao mesmo tempo, claustrofobia de estar numa cabine de um navio no meio da noite. Aí, Guilherme aplica a sabedoria de produtor de trilhas e acerta no misto de conflitantes sensações. E inspira a reler Leminski: “Nem toda hora/ é obra/ nem toda obra / é prima/ algumas são mães/ outras irmãs/ algumas/clima”.
TRIPS
. De Guilherme Dias Gomes
. Tratore
. R$ 27