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Estado de Minas

Saúde do coração em risco

Muitos pacientes deixaram de lado consultas de rotina e chegam hoje aos hospitais com casos mais graves


19/12/2021 04:00

Igor Nonato*

A principal causa de morte no Brasil e no mundo é formada de doenças cardiovasculares. A Organização Mundial da Saúde (OMS) revela que problemas do grupo cardíaco, como diabetes, hipertensão e arritmia, são responsáveis por cerca de 16% do total de mortes. No Brasil, mais de 356 mil pessoas morreram este ano por alguma doença cardiovascular. Os principais acometimentos identificados são infarto agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral, o AVC. Médicos, por isso, se preocupam com os crescentes registros dessas doenças, sobretudo com o advento da pandemia de COVID-19.

Para o médico cardiologista Guilherme Henrique Figueiredo, da Fundação São Francisco Xavier, o enfrentamento do coronavírus exigiu muita cautela no dia a dia do hospital. “Foi um desafio muito grande adequar a estrutura do sistema de saúde para o atendimento de pacientes com Covid sem perder a qualidade de assistência dos pacientes cardiopatas, que precisam de visitas médicas regulares”, diz.

Durante o período crítico da pandemia, os hospitais tiveram que lidar ainda com as ausências de pacientes que estavam em tratamento ou precisavam ser atendidos em exames de rotina. A maioria dos pacientes, por medo da exposição ao vírus, deixou de fazer o controle das suas doenças e a consequência dessas faltas foi o retrocesso do tratamento de muitas pessoas. O médico Vinícius Dourado, especialista em cardiologia da Santa Casa de Belo Horizonte, acompanhou de perto essa realidade. “Com o descontrole da pressão e a falta de acompanhamento adequado, hoje estamos percebendo que os pacientes que chegam ao serviço de urgência chegam bem mais graves, e descontrolados”, diz.

Luiz Claudio, de 66 anos, deixou de fazer o acompanhamento corretamente. “Eu me afastei, realmente. Não fiquei procurando manter a regularidade de consultas anuais.” O ex-técnico em radiologia teve um AVC há um mês e por isso ficou internado cerca de 20 dias. O acidente aconteceu em casa, quando acordou de repente com a visão comprometida tanto no olho esquerdo quanto no direito.
 
 
Dr. Rodrigo Lamounier
O médico endocrinologista Rodrigo Lamounier relata que no período pandêmico o diabetes mellitus foi muito comum (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)
 
Só este ano, é a terceira vez que Luiz Claudio é internado na Santa Casa. Em junho, ele sofreu o segundo infarto – o primeiro foi em 1999, quando tinha 42 anos – e em setembro sua pressão subiu a 25, obrigando-o a ficar um mês no hospital. “Tenho uma doença circulatória, muitas artérias comprometidas no corpo inteiro”, explica Luiz, que, diagnosticado há mais de 20 anos com diabetes e hipertensão, já venceu um câncer de próstata em 2005 e, no mesmo período, enfrentou um tumor benigno na bexiga.

DESCONTROLE 

Doenças como a hipertensão e o diabetes, assim como o descontrole do colesterol, são as principais causas ou fatores de risco, ao longo dos anos, para o desenvolvimento de doenças circulatórias graves, explica Vinícius Dourado. O cardiologista diz que os problemas podem ser tanto no coração – onde as obstruções podem causar angina, infarto, insuficiência cardíaca e arritmias – como no cérebro, onde acontecem os AVCs, também conhecidos como derrame. As obstruções também podem afetar os rins e as extremidades, como os dedos dos pés.

O médico cardiologista Guilherme Henrique Figueiredo, da Fundação São Francisco Xavier, alerta ainda para o perigo das arritmias cardíacas, que podem variar desde uma arritmia simples, sem repercussão na saúde cardiovascular, até entidades extremamente graves, capazes de causar morte súbita. “Uma arritmia com que devemos nos preocupar bastante é a fibrilação atrial: extremamente prevalente, muitas vezes assintomática e responsável por cerca de 30 % dos casos de acidente vascular cerebral”, explica.

Para Vinícius Dourado, a consciência da prevenção não tem idade e é vista como a chave para diminuição de casos das doenças cardiovasculares. "Nós evoluímos muito no que se refere à saúde básica, que é onde é feita a parte mais importante da prevenção, mas ainda precisamos evoluir em toda a cadeia de prevenção e tratamento. A pandemia que estamos enfrentando serviu para perceber o quanto é importante, não só para os mais idosos, estar com boa saúde."

"Com o descontrole da pressão e a falta de acompanhamento adequado, hoje estamos percebendo que os pacientes que chegam ao serviço de urgência chegam bem mais graves, e 
descontrolados”
Vinícius Dourado, médico cardiologista

Para o médico geriatra Marco Antônio Marques Félix, não só a atividade física, mas a atividade social, como o trabalho, é importante para que as pessoas se sintam bem e, consequentemente, tenham uma saúde melhor. “O isolamento social por si só é um dos fatores de risco. O próprio isolamento social contribuiu para que as pessoas entrassem em alterações de comportamento, como depressão”, afirma Marco Antônio, que é instrutor de suporte avançado de vida pela American Heart Association e especialista da Cmos Drake. O médico entende que a presença da atividade social melhora ainda a expectativa de vida. “Isso vai repercutir lá na frente com relação à longevidade”, diz.

DIABETES 

O médico endocrinologista Rodrigo Lamounier, da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), relata que no período pandêmico o diabetes mellitus foi muito comum. Segundo ele, alguns pacientes tiveram diagnóstico de diabetes em função do tratamento da COVID-19 e outros, que já tinham diabetes, pioraram o controle glicêmico em função do vírus, até eventualmente pelo uso de corticoide para o tratamento de formas mais graves respiratórias.

“Para esses pacientes, é fundamental o controle clínico e a consulta médica regular para reavaliar o quadro, ver que tem que ser reajustado do ponto de vista da medicação e retomar na medida do possível a regularidade da atividade física”, afirma Lamounier. Essa realidade, porém, não foi seguida à risca por muitas pessoas durante a pandemia. Jennifer Mayer, de 25, convive com o diabetes desde criança. Em 2020, no início da pandemia, engravidou e logo nos primeiros meses de gestação contraiu o vírus da COVID-19. Com complicações, a jovem precisou ficar internada até o fim da gravidez sob observação, tanto em relação ao diabetes quanto ao vírus.

Sobre o diabetes, Jennifer assume negligência. “Nunca tive um bom controle, só no início, quando descobri. Depois fui desleixando aos poucos. E quando engravidei, piorou mais ainda.” Da COVID-19, a vendedora não teve sintomas sérios. “Só perda de paladar e do olfato.” Jennifer é hoje mãe de Miguel, de 1 ano, e tenta aplicar no dia a dia as medidas de controle do diabetes, como atividade física e boa alimentação. “Confesso que faz total diferença. A glicemia fica mais controlada, quase não precisando de fazer correção com insulina”, afirma.

ATIVIDADE FÍSICA 

Rodrigo Lamounier alerta para a frequência e intensidade da atividade física. “Deve ser regular e, na medida do possível, intensa.” O médico chama a atenção também para os controles metabólicos, os ajustes de peso, o controle da pressão arterial, da glicose, do colesterol, e de todos os outros fatores de risco relacionados à saúde do corpo e da mente.

“O isolamento social e a pandemia contribuíram no sentido de que muitas pessoas pararam de fazer atividade física de maneira regular, que foi um problema muito importante para a saúde de muitas pessoas. Houve também, eventualmente, quadros de ansiedade, angústia, depressão, não apenas pelas perdas muito comuns em função da própria pandemia, mas também por problemas econômicos, que muitos sofreram na sua família, e diversas outras situações que podem ter contribuído também para alguns pacientes que ganharam peso nesse período.”

*Estagiário sob supervisão da editora Teresa Caram
 
 
 
palavra de especialista
 
 
 
Dr. Fabiano Argeu De Morais Junior
(foto: Biocor Instituto/divulgação)
 
Fabiano Argeu De Morais Junior
clínica médica e cardiologia, integrante do corpo clínico do Biocor Instituto

“2020 chegou trazendo medo e insegurança na vida da população mundial, diante de uma pandemia que estava por vir. Com o início da pandemia, isso se traduziu em diminuição da procura de atendimento médico por outras doenças não correlacionadas ao COVID-19, tanto atendimentos de urgência e emergência, como também acompanhamentos ambulatoriais e de rotina (checapes). No checape, temos, como um dos objetivos a prevenção, bem como o diagnóstico precoce de doenças que acarretam elevada morbimortalidade na população, como câncer e doenças cardiovasculares, que necessitam da avaliação médica e de exames complementares para ser diagnosticadas.
Na minha prática clínica – cito aqui o Biocor Instituto, hospital geral de alta complexidade e referência em doenças cardiovasculares –, deparamo-nos com a diminuição do atendimento de pacientes com infarto, dor torácica e viroses como, por exemplo, dengue. Nos últimos dois anos, como médico atuante em pronto-atendimento de urgência e emergência, fiz o diagnóstico de apenas um caso de dengue, um cenário paradoxal vivido na pandemia.

O saldo de dois anos de pandemia, com pessoas que ficaram mais reclusas, é uma realidade triste a ser enfrentada. Observamos aumento do sedentarismo, obesidade, alcoolismo e, consequentemente, risco aumentado para se desenvolverem transtornos psiquiátricos e doenças cardiovasculares. Tudo isso, somado ao não acompanhamento médico adequado, traz-nos um olhar de preocupação em ter uma população doente e subdiagnosticada. Logo, eu, como médico e cidadão, venho alertar a população quanto à importância em manter o acompanhamento médico regular com um clínico e/ou cardiologista para prevenção, diagnóstico precoce e melhor qualidade de vida.”



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