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Estado de Minas COMPORTAMENTO

Positividade tóxica. Você já ouviu falar?

Movimento que ganhou força nas redes sociais com a #Goodvibesonly mascara a realidade e pinta vida só de coisas boas, negando a existência de problemas


30/05/2021 04:00 - atualizado 29/05/2021 22:53

A hashtag Goodvibesonly é um compromisso de destacar as coisas boas da vida e esconder, fingir e até mesmo negar a existência de problemas, tristeza, decepções e infortúnios da vida (foto: Ángel López/Unsplash)
A hashtag Goodvibesonly é um compromisso de destacar as coisas boas da vida e esconder, fingir e até mesmo negar a existência de problemas, tristeza, decepções e infortúnios da vida (foto: Ángel López/Unsplash)


Ser positivo. Ser otimista. Ser feliz. Mantra do mundo atual, perseguido, caçado, buscado e tão desejado a ponto de, mesmo infeliz, triste e pessimista, fingir uma imagem alegre, para cima, de excitação para ser aceito, aprovado, mesmo que a vida compartilhada no mundo digital, cantada aos quatro ventos, não seja de todo real, verdadeira.

Por que agir assim? Quais as consequências para a saúde mental e física? A chamada positividade tóxica, que ganhou força e destaque nas redes sociais com a #Goodvibesonly (só boas energias, em tradução livre) é um compromisso de destacar as coisas boas da vida e esconder, jogar para debaixo do tapete, fingir e até mesmo negar a existência de problemas, quedas, rasteiras, decepções e infortúnios da vida. É a repressão a tudo que é negativo. Não parece a melhor saída.

Ainda que possa imaginar que a positividade tóxica nasceu no mundo digital, ela já existia antes das redes sociais. Felicidade vende e há milhões dispostos a pagar por ela, mesmo sem receber o “produto”. O pensamento positivo é bem de consumo e alimenta um mercado milionário, seja de filmes, livros, palestras ou treinamentos há anos. Mas, claro, as redes sociais mais uma vez potencializaram uma demanda humana.

Consultamos especialistas da saúde mental para entender os riscos de não aceitar ou reconhecer as adversidades da vida, de ter o direito de se sentir mal, inseguro, com medo, triste, negativo, de não querer estar sempre sorrindo. Todos sabem do valor do equilíbrio, seja qual for a seara da vida, mas também reconhecem a batalha que é conquistar o autocontrole para se manter de pé na corda bamba. Os profissionais vão ajudar a entender a diferença entre positividade tóxica e o ser otimista, assim com a psicologia, a psicologia positiva e a psiquiatria conseguem ajudar.

Quantas vezes você já não ouviu por aí, independentemente das circunstâncias, ruins ou devastadoras, que você tem de “ser forte”, “ser grato”, “que poderia ser pior”, “quanto pessimismo”, “não seja negativa”, “não se deixe abalar”, “não fique triste, está tudo bem”, “ao menos...”, “é só pensar positivo”... Todas essas tentativas de exaltar só o positivo e reprimir o negativo são a positividade tóxica. É como se os momentos infelizes precisassem ser invalidados emocionalmente. O que muitos ainda não perceberam é que o pensamento positivo não é suficiente para prevenir infortúnios e bloquear ou ignorar emoções ditas “negativas” e tal atitude trará consequências à saúde. Esconder-se das dificuldades por trás de uma fachada de positividade pode refletir desde problemas mentais a de pele.

 
É NATURAL SENTIR-SE TRISTE, INFELIZ, FRUSTRADO E TER MEDO 


Felicidade vende e há milhões dispostos a pagar por ela. O pensamento positivo é bem de consumo e alimenta um mercado milionário, seja de filmes, livros, palestras ou treinamentos (foto: Amanda Jones/Unsplash)
Felicidade vende e há milhões dispostos a pagar por ela. O pensamento positivo é bem de consumo e alimenta um mercado milionário, seja de filmes, livros, palestras ou treinamentos (foto: Amanda Jones/Unsplash)


É natural sentir-se triste, infeliz, frustrado, com raiva, inseguro, com medo e ter inveja. Assim como feliz, alegre, de alto-astral, esperançoso e divertido. Todos são formados por esses dois lados, mas o ser humano sempre tende a se complicar, é complexo e, por isso mesmo, cheio de facetas. Neste momento de pandemia, fase em que milhões de pessoas estão em isolamento social, perderam o emprego, passam fome, enfrentam o luto, a dor, perdas emocionais e materiais, tempo de consequências negativas que afetam emocionalmente qualquer pessoa, muitos se deixam aprisionar na cartilha da positividade tóxica.

Quem não se deparou, principalmente no início desta tragédia, com a ordem para ser produtivo, otimista, aproveitar a quarentena para aprender inglês, se qualificar, fazer cursos, estudar, buscar conhecimento, participar de lives, palestras, começar um projeto, manter o bom humor... Ou seja, agir como a vida estivesse no curso normal, e quem não embarcasse nesta canoa furada estaria errado e a consequência é o risco de ser isolado, posto de lado, evitado.

A psicóloga clínica Renata Borja enfatiza que o bem-estar não está no dinheiro, no status, no poder, no prazer, nas facilidades, nem na perfeição. “Ele está na capacidade de reconhecer que viver é difícil mesmo, é compreender que somos vulneráveis, frágeis e que iremos ser rejeitados, desvalorizados, poderemos fracassar, perder as pessoas e coisas que valorizamos, mas mesmo assim podemos viver bem, com boas relações e em harmonia com nossas emoções e pensamentos, sabendo que na vida tudo é passageiro, tanto os bons quanto os maus momentos e está tudo bem mesmo assim.”

(foto: J. Mantovani/Divulgação)
(foto: J. Mantovani/Divulgação)

É tóxico porque a ditadura da felicidade nega a natureza humana, que é de altos e baixos. A pessoa passa a se culpar por não ser sempre otimista e estar sempre feliz, o que gera mais negatividade, naturalmente. Corpo e mente respondem pior ao estresse quando negamos o que estamos sentindo. É impossível estar bem quando estamos em guerra com nós mesmos

Adriana Drulla, mestre em psicologia positiva pela Universidade da Pennsylvania (EUA) e pós-graduada em terapia focada em compaixão pela Universidade de Derby (Inglaterra)



QUATRO PASSOS: PARA OTIMISTAS E PESSIMISTAS 

O fundamental é que todos tenham em mente que o mais importante é buscar a consciência e a vivência de que está tudo certo se não estiver bem sempre. E não é para esconder, com ou sem a máscara. Mestre em psicologia positiva pela Universidade da Pennsylvania (EUA) e pós-graduada em terapia focada em compaixão pela Universidade de Derby (Inglaterra), Adriana Drulla enfatiza que é impossível ser positivo sempre.

“É tóxico porque a ditadura da felicidade nega a natureza humana, que é de altos e baixos. A pessoa passa a se culpar por não ser sempre otimista e estar sempre feliz, o que gera mais negatividade, naturalmente. Corpo e mente respondem pior ao estresse quando negamos o que estamos sentindo. É impossível estar bem quando estamos em guerra com nós mesmos. Quando se aceitam os momentos difíceis, entendendo que fazem parte da natureza, é possível se apoiar durante esses períodos com gentileza, como fazemos com um grande amigo. A partir da nossa compreensão e apoio internos fica mais fácil dar a volta por cima, dar para nós mesmos o que a gente precisa, e superar as dificuldades.”.

Adriana Drulla comanda os podcasts “Crescer humano” (https://open.spotify.com/show/0Ci43iTKORzjg9ZmNzOrik), onde fala sobre psicologia, e “Mente compassiva” (https://open.spoti fy.com/show/7jysb5HI0go9fx4mY5iOt6si?=5au1k27mStGl8gZBlyS6Yg&nd=1). Ela enfatiza que achar a dose certa entre pessimismo e otimismo inclui encontrar a calma necessária para que se possa analisar o diálogo interno de forma realista. Para isso, tanto os pessimistas quanto os otimistas podem fazer um exercício de quatro passos: primeiro, imagine e se possível escreva o pior cenário possível; depois, imagine e escreva o melhor cenário possível; e terceiro, descreva o cenário realista. A partir do cenário realista, construa um plano para lidar com a situação”.

Como se blindar da positividade tóxica?

1 – Em vez de dizer “não pense nisso, seja positivo”, diga “me diz o que você está sentindo, eu te escuto”
2 – Em vez de falar “poderia ser pior”, diga “sinto muito que está passando por isso”
3 – Em de vez “não se preocupe, seja feliz”, diga “estou aqui para você”

Como agir? 

1 – Autogentileza: acolha o seu desconforto
2 – Fica atenta às suas emoções, elas são sinais importantes
3 – Lembre-se que não há nada de errado com você
4 – Autocompaixão: capacidade de fornecer suporte emocional a nós mesmos


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