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Estado de Minas COMPORTAMENTO

Em sua própria companhia: quem vive só tem a chance de se conhecer melhor

Isolamento social imposto pela COVID-19 para quem vive sozinho é um obstáculo a mais contra a solidão e a falta de carinho. O autocuidado deve estar mais presente


postado em 12/04/2020 04:00 / atualizado em 13/04/2020 15:09


A analista de comunicação Mariella Araujo Figueiredo, de 33 anos, saiu da casa da mãe há dois anos e mora com as cachorras Porpeta (shih-tzu) e Felícia (pug)(foto: Arquivo Pessoal)
A analista de comunicação Mariella Araujo Figueiredo, de 33 anos, saiu da casa da mãe há dois anos e mora com as cachorras Porpeta (shih-tzu) e Felícia (pug) (foto: Arquivo Pessoal)




O homem é um animal social. Aristóteles disse que, “por precisar do outro e de coisas, ele é um ser carente e imperfeito, buscando a comunidade para alcançar a completude”. Assim, quem vive sozinho e tem de encarar o isolamento social por causa da pandemia do novo coronavírus enfrenta mais desafios para existir neste momento, o que requer atenção, olhar e cuidados especiais.

A constatação de que é impossível viver sozinho, no sentido da solidão e não da solitude, apresenta-se como mais uma grande prova imposta pelo risco de contaminação da COVID-19. No filme Náufrago, de 2000, Tom Hanks interpreta o personagem Chuck Noland, inspetor da Federal Express (FedEx), que sofre um acidente aéreo e vai parar em uma ilha deserta sozinho. Sem ninguém para resgatá-lo por quatro anos, tentando sobreviver física e emocionalmente, ele acaba adotando a bola de vôlei Wilson para se manter são até voltar para a sua amada Kelly (Helen Hunt) e à civilização. A interação do homem é vital para sua conservação, persistência e continuidade.

Hoje, vendo as casas no papel de ilhas, no caso de quem vive sozinho, uma casa deserta, encontrar formas de conexão com o outro é o caminho para alimentar a sanidade. E para isso é preciso contar com outro. Como escreveu São Tomas de Aquino, filósofo da escola escolástica, fortemente influenciado por Aristóteles, na crise é tempo de crescer na virtude, no amor ao próximo. Assim, quem vive só tem de encontrar pessoas que o façam se sentir parte de algo maior que o espaço vazio da sua casa invadida pelo silêncio.

A aposentada Ana Maria Ribeiro Mendes, de 66 anos, há mais de 40 vivendo sozinha – ela não se casou e não teve filhos –, é um ser sociável, literalmente. Tem a vida agitada e cheia de compromissos com os amigos e o restante da família. Até então, trabalhava na academia da sobrinha, agora fechada. Mas ela se comprometeu a lidar com tudo isso com sabedoria e otimismo. “Não estou apavorada, em pânico ou angustiada. Acredito que vamos superar tudo isso, se Deus quiser. Não está fácil, claro, já são 18 dias presa dentro de casa. Mas me ocupo com os afazeres, a casa nunca esteve tão limpa e já lavei roupa não sei quantas vezes. Se saio por necessidade, compras e consulta médica, na volta tem o passo a passo da limpeza, que, nisso, confesso, ando meio paranoica. No mais, me distraio vendo TV, lendo e comendo o dia todo, às vezes, umas besteiras. Mas faço a minha comida, o que equilibra”, afirma.

Ana Maria é uma viajante, então, a quarentena lhe tirou um dos maiores prazeres da vida: “Adoro sair por aí, conhecer lugares. Enquanto não posso, vou fazendo planos do próximo roteiro. Aliás, participo de muitos grupos, o que ajuda bastante”. Ela conversa diariamente pelo “zap” com a turma do pilates, das viagens, da Academia da Cidade e do lian gong (prática corporal chinesa). Tem também telefonado com mais frequência para quem demorava a ligar, assim preenche o dia e um vai ajudando o outro.

Ainda que um levantamento da Universidade de Chicago (EUA) mostre que o Brasil está no ranking dos países em que as pessoas menos vivem sozinhas, seja por razões culturais, emocionais ou financeiras, por outro lado, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de 4 milhões de idosos vivem só. Por isso, diante da pandemia do novo coronavírus, a solidão é um aspecto que passa a fazer parte das principais discussões sobre saúde mental durante a quarentena. Tanto em relação a esse público quanto aos mais jovens, independentemente se escolheram morar sozinhos ou precisaram encarar uma realidade imposta pela vida.

José Carlos Vasconcellos, fundador da TeleHelp, empresa de monitoramento emergencial que oferece às pessoas com mais de 60 anos a possibilidade de viver de forma mais independente e segura, dentro e fora de suas casas por 24 horas (via acionamento de um botão de emergência), enfatiza que os idosos mais vulneráveis terão uma luta ainda maior. É essencial não apenas sensibilizar a população para tentar garantir que ninguém fique sozinho, mas repensar nossa relação com o envelhecimento.

“A solidão costuma ser um dos sentimentos mais presentes e temos observado isso em nossos atendimentos. Se conhece algum idoso que esteja só, ainda que não faça parte do círculo familiar, por que não entrar em contato com ele para prestar apoio? Essa pessoa pode estar se sentindo aflita, desamparada ou até desinformada, e você poderia ajudar. Garantirá que ele seja menos propenso a correr riscos e sair de casa”, ressalta José Carlos. Por conta da idade, esse grupo tende a se sentir mais excluído. “O isolamento pode desencadear sentimento de tristeza e solidão e, por consequência, a depressão, que é o que queremos e devemos evitar.”

INDEPENDÊNCIA 
 
 
(foto: Arquivo pessoal)
(foto: Arquivo pessoal)
 
“Acredito que vamos superar tudo isso, se Deus quiser. Não está fácil, claro, já são 18 dias presa dentro de casa. Mas me ocupo com os afazeres, a casa nunca esteve tão limpa e já lavei roupa não sei quantas vezes”

Ana Maria Ribeiro Mendes, 
de 66 anos, aposentada
 
Mariella Araújo Figueiredo, de 33 anos, analista de comunicação, decidiu sair da casa da mãe, Eni, de 67, há dois anos. Tinha chegado a hora de ter o seu canto, maior independência. A decisão, embora planejada, não foi fácil. Afinal, a mãe também iria ficar sozinha, já que a irmã, Isabella, vive há anos em Brasília, e o pai, José Roberto, em Montes Claros. “Mudei-me com minhas duas cachorras, Felícia e Porpeta, sabendo que seria um passo grande. Teve o baque inicial, a preocupação se daria conta. Mas me adaptei rápido e, no início, tudo é maravilhoso. Depois vêm os momentos de solidão. Para lidar com ela, todos os fins de semana estava com minha mãe. E ainda preenchia o dia a dia com o trabalho, o pilates e a vida social com os amigos. Tudo parou com o coronavírus.”

Agora, Mariella lida com o isolamento desde 20 de março. “No meu trabalho, já fazíamos um dia de home office, então, tem funcionado bem. Ainda que as tarefas sejam prolongadas e é preciso cuidado para não extrapolar e afetar a saúde. Preocupada com minha mãe por ser do grupo de risco, eu e a Isabella fazemos chamada de vídeo todos os dias. Eu me apego às cachorras, que já não me aguentam. Faço terapia há um ano e continuo via Skype, o que ajuda muito, porque tem dia em que a tristeza bate, fica mais difícil. Já passei um dia inteiro no Netflix sem querer conversar com nin- guém. Mas sei que preciso reagir, fazer contatos porque senão vou me sentir mais só do que já estou.”

Os amigos são a fonte de resistência de Mariella. Ela conta que tem uma rede que a apoia. Ajudam-se uns aos outros. Na primeira semana tudo foi tranquilo, na segunda já passaram a falar de tristeza. Mas as chamadas por vídeo, hangouts e Skype são o escape. Todos são conscientes e estão ficando em casa, logo criam estratégias. “Tem o almoço de domingo, um grupo cozinha junto, o que dura umas três horas e vamos conversando; e o happy hour, com mais gente, amigos de São Paulo, quando falamos, falamos e tomamos nossa cerveja. Assim, seguimos fazendo a nossa parte.”




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