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Informação líquida

Vivemos o fim da inteligência intelectual, do culto à boa leitura e do crescimento da sociedade consumista do fake news que não quer perder tempo com a reflexão. Há uma crise de sabedoria


postado em 09/12/2018 05:06

 

 

 




O polonês Zygmunt Bauman, sociólogo, filósofo e um dos maiores pensadores do século 20, morreu aos 91 anos, em janeiro de 2017, e deixou um legado de pensamentos fundamentais para a humanidade. Ao discorrer sobre o fato de termos acesso a tudo e não saber o que fazer, o professor ensinou: “Como expressou o grande biólogo E. O. Wilson, de forma sucinta e correta, ‘estamos nos afogando em informação e famintos por sabedoria’. Não temos tempo de transformar e reciclar fragmentos de informações variadas numa visão, em algo que podemos chamar de sabedoria. A sabedoria nos mostra como prosseguir. Como o grande filósofo Ludwig Wittgenstein dizia: ‘Compreender é saber como seguir adiante’. E é isso que estamos perdendo, não sabemos como prosseguir”.

E Bauman ainda disse mais: “A tecnologia da informação é uma biblioteca de pedacinhos de fragmentos sem algo que os reúna e os transforme em sabedoria e conhecimento. Isso destrói certas capacidades psicológicas, como atenção, concentração, consistência e o chamado pensamento linear, quando você estuda um assunto de forma consistente e o esgota, vai até o fim”. O que ocorre, segundo ele, é que há mudanças na psique humana.

Uma realidade pra lá de catastrófica para o futuro do homem. As pessoas passam a acreditar que é perder tempo desacelerar, parar para pensar. A psicanalista Inez Lemos afirma que o que ocorre é a falência da reflexão, do ato de pensar e elaborar respostas e perguntas, o fim do exercício da dialética no processo de produção de conhecimento. “As mídias sociais assassinam o pensamento, castram a reflexão. Vivemos o fim da inteligência intelectual, do culto à boa leitura. Sociedade consumista de fake news, sem uma formação consistente no campo intelectual. Sem fundamentos teóricos sólidos, caminhamos para um fundamentalismo religioso, preconceituoso e criminoso. Matamos o que o homem tem de melhor, sua capacidade de pensar, elaborar, refletir, que é o que nos diferencia dos animais.”

Na análise de Inez Lemos, a sociedade do espetáculo, apregoada por Guy D’ebord no início de 1960 (escritor francês que teve seus textos como a base das manifestações do Maio de 1968), nos alertava para os perigos da presença exacerbada da tecnocultura em nosso cotidiano. “Quando as narrativas são transformadas em pequenos resumos, em manuais técnicos, os conteúdos sofrem reducionismo, impedindo ao leitor um mergulho no campo da reflexão.”

FAKE NEWS

Na tecnocultura, destaca Inez Lemos, a comunicação ocorre on-line. O espaço cibernético é um lugar livre, sem censura. É onde os amadores tornam-se profissionais. “A mania de se informar via internet, sem pesquisar as fontes, tem causado grandes transtornos, verdadeiros desastres. O campo virtual tornou-se, por excelência, o palco da troca de mensagens. Estamos assistindo a um verdadeiro ringue de mentiras, festival de desrespeito, em que todos se julgam donos da informação, compartilhando falsos conteúdos de forma perversa. Sem escrúpulos, gostamos de provocar a indignação vazia, sem sentido. O ódio passou a ser o componente principal da troca de fake news.” A psicanalista ainda completa que “isso ocorre porque as mídias insistiram em manipular conteúdos, criar mentiras com o objetivo de promover um clima favorável para transformar inverdades em verdades. Vivemos a era da pós-verdade, quando um pressuposto é jogado sem ser pesquisado ou questionado”.

Vladimir Safatle, doutor em filosofia pela Université de Paris VIII, França, e professor do Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP), ao participar do programa Café filosófico, da TV Cultura, para falar sobre escola sem partido, banalização da informação e ausência de estudo na sociedade diante do excesso da razão instrumental, alertou que “chegou-se a um grau de inanidade e absoluta mediocridade, em que as pessoas acham que podem criticar algo sem nunca, de fato, ter lido. Para não falar da trivialidade (das críticas) e do padrão de discussão caricatural que é construído neste país”.
Tudo isso, destaca Inez Lemos, revela a fragilidade do momento histórico, “em que a ciência perde credibilidade, o conhecimento é confundido com informação, e o pensamento, a capacidade de refletir e questionar estão em desuso. Importa é a aparência de verdade, é lançar a questão, arriscar a notícia falsa com efeito de verdade. Saber versus poder. Se eu disseminar a fofoca e ela for compartilhada ela se transforma em notícia e cumpre o objetivo.”

Inez Lemos acredita que a tecnociência, ao ser utilizada de forma irresponsável, representa um imenso perigo à humanidade. “O Brasil vive um momento delicado. Saímos de uma eleição marcada por fake news, um festival de horrores, informações manipuladas, distorcidas, editadas ao bel-prazer. Pós-moderno, pós-verdade, pós-humano. Somos orientados por aqui e as submetemos aos descalabros. Submissão voluntária em pleno século 21? Cultura da preguiça? Cultura do simulacro? Intoxicamos com inverdades, cultivamos nosso narcisismo de exposição da pior forma possível, no espaço virtual. Longe do real, garantimos nosso gozo perverso. Somos seres dessubstancializados, afogados na alienação e na ausência de sublimação. Sem consistência e carentes, perambulamos, com nossa ignorância, o ciberespaço.”





SINAIS DO VÍCIO

Necessidades incontroláveis, mudanças de temperamento e conflito com outras atividades sugerem que a informação pode provocar dependência:


» A primeira atitude ao acordar é checar e-mail, Facebook, Twitter, sites, blogs, Instagram... e repete-se o mesmo ritual antes de dormir

» Ao chegar no escritório, antes de mais nada, senta diante do computador para verificar se há e-mail, sem interagir com as outras pessoas

» Vive com o smartphone conectado a fones de ouvido e a toda a parafernália eletrônica plugada ao computador portátil

» Navega pela internet quando está na cama

» Prefere ficar no computador do que sair para a rua sem o celular

» Mesmo na rua, na mesa do bar, no churrasco, você insiste em ficar twittando, curtindo, compartilhando ou tirando fotos para postar

» Só a ideia de ficar sem internet lhe causa calafrio

» Relacionamentos impactados negativamente pelo excesso de busca de informação

» Sensação de estar perdido quando não sabe o que está ocorrendo no mundo

» Esforço exagerado para ser o primeiro a ficar sabendo dos fatos

» Sentir que precisa aumentar o tempo de uso para obter mais prazer conectado

» Ficar irritado e ansioso quando não puder entrar na internet

» Perder a noção do tempo em que fica conectado

» Não viajar para lugares em que não tem conexão com internet

» Mentir para as pessoas sobre o tempo em que fica conectado



depoimento


Júlia Ramalho
coach de carreiras e executivos, psicóloga e diretora da consultoria Estação do Saber

‘Que tipo de informação precisamos para viver?’

“Essa questão é muito trabalhada nas sessões de coaching. Posso até dar umas dicas básicas, mas o problema é complexo. Posso provocar? O tempo é um recurso limitado: temos 24 horas por dia. O que é importante caber nessas horas? Será que você não gasta seu tempo se distraindo com o que é importante para o outro? Acompanhar todas as publicações em sites, no WhatsApp, no Facebook e no YouTube não significa ser antenado. A pós-modernidade nos trouxe a cultura do excesso (Lipovetsky) e a cultura digital nos traz a possibilidade de vivê-lo a todo instante. O celular como extensão do corpo nos convida a ver, ouvir e ler o tempo todo. Mas precisamos disso? Que tipo de informação precisamos para viver bem? Perceber que somos limitados, que nosso tempo é finito – pelo menos enquanto o transumanismo não é fato! – nos força a fazer escolhas e a nos responsabilizar por estas, em vez de deixar as coisas irem rolando e ser efeito das escolhas dos outros. Diante do “você não viu?”, é preciso ter a tranquilidade de dizer:
“Não! Estava jantando com amigos!”, por exemplo. Esse é o caminho possível para lidar com o excesso de informação: saber o que se deseja e suportar a falta de saber tudo. As minhas dicas são:
– Anote as coisas mais importante de sua vida. Certifique-se de que você dedica tempo a elas.
– Use agendas eletrônicas e alarmes. Isso serve para lembrá-lo de interromper distrações e reconectá-lo com o que é importante para você.
– Remova do seu celular aplicativos que não lhe são necessários. Desinstale alertas de notificações do que não é urgente.
– Faça detox das redes sociais. De tempos em tempos desative suas contas. Ficar fora das redes pode ajudá-lo a reavaliar por que você está lá e se elas fazem falta, e saber que falta é essa.
– Reconecte-se com seus “por quês”. Por que quero saber disso? O que ganho sabendo disso.?
– Aceite que seu tempo é limitado. Aprenda a valorizá-lo dedicando tempo para o que realmente é importante para você.
– Entenda que você nunca será capaz de saber de tudo. Dessa forma, é preciso escolher o foco do que se quer saber.”


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