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Estado de Minas

Apesar de ser potência no agronegócio, Brasil importa 75% dos fertilizantes que usa


postado em 22/02/2016 09:00 / atualizado em 22/02/2016 10:21

Plantação de soja: crescimento do uso de fertilizantes no Brasil é o dobro da média mundial (foto: Maria Tereza Correia/ EM/ D.A Press - 28/03/04)
Plantação de soja: crescimento do uso de fertilizantes no Brasil é o dobro da média mundial (foto: Maria Tereza Correia/ EM/ D.A Press - 28/03/04)

Brasília – “Em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo”, escreveu Pero Vaz de Caminha, descrevendo a fertilidade da terra que se tornaria o Brasil. Caminha, infelizmente, pouco sabia de agricultura, e o ditado “em se plantando, tudo dá”, que hoje ecoa a impressão do visitante português, não passa de propaganda enganosa. Um olhar mais atento revela que a terra tupiniquim sofre com a falta de componentes essenciais para o desenvolvimento vegetal, e que seria necessário um jeitinho brasileiro para transformar este vasto território em potência agrícola.

Hoje, o país registra uma safra anual de 209,5 milhões de toneladas, com crescimento de produção superando os 8% ao ano. Por trás desses números impressionantes, está um importante ingrediente, capaz de compensar a esterilidade da terra nacional: 28 milhões de toneladas de fertilizantes, quantidade usada em 2015, para nutrir leguminosas, frutas e grãos. O problema é que cerca de 75% desses insumos têm origem estrangeira. Conforme cresce a safra, sobem também os números que prendem um dos pilares da economia brasileira à importação.

A agricultura nacional posiciona o país na quarta posição entre os consumidores de fertilizantes, atrás apenas de China, Índia e Estados Unidos. Enquanto o consumo desses produtos aumenta, em média, 2% ao ano no mundo, o crescimento no Brasil é de 4%. De maneira inversa, a fabricação nacional tem caído nos últimos anos, abrindo espaço para a entrada de mais produtos importados. Essa dependência de nutrientes estrangeiros influencia diretamente no custo da lavoura e obriga os fazendeiros a incluír a cotação do dólar na conta da produção da safra.

Sem uma política nacional para o setor, os produtores brasileiros têm poucas chances de conquistar a independência dos fertilizantes importados. “O preço ficou alto, e o governo zerou a alíquota da importação, o que a estimulou. Isso foi feito para proteger o agricultor, mas causou um problema: a retração ainda maior dos investimentos na produção nacional”, ressalta José Carlos Polidoro, chefe de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Solos.

Para Polidoro, o problema dos fertilizantes é uma questão de segurança nacional. “Importamos mais de 90% do potássio que consumimos, e esse nutriente é muito exigido pela planta. Se algo acontecer na Rússia, por exemplo, o Brasil sofre um problema de abastecimento sério”, estima o especialista da Embrapa. “Este é um país que depende da agricultura, e não produzir fertilizante é um erro estratégico grande.”

Além dos altíssimos investimentos necessários para o processo de mineração, fabricação e logística dos insumos de origem mineral, a produção nacional também esbarra na questão ambiental, pois a mineração pode comprometer áreas de grande importância. O consumo de potássio do país, por exemplo, poderia ser totalmente suprido se fosse explorada uma reserva do minério recém-descoberta no Brasil. O problema é a localização desse tesouro mineral: no coração da Amazônia, às margens do Rio Madeira. Embora não seja considerada inviável, a exploração da região exige extensos estudos de impacto ambiental.

Inovação Segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU), a população mundial deve ganhar 75 milhões de habitantes a cada ano, aumentando ainda mais a demanda por alimentos e colocando mais pressão sobre a produção agrícola. O Brasil tem importante papel na segurança alimentar mundial e deve alcançar a liderança das exportações do setor na próxima década. As terras cultiváveis, por outro lado, são limitadas. Portanto, torna-se urgente o aumento de eficiência do solo, o que só pode ser alcançado por meio de novas tecnologias de nutrição vegetal.

Para suprir essa necessidade, os insumos importados são usados para a fabricação de produtos enriquecidos com um toque brasileiro. Estima-se que quase 700 empresas de pequeno a grande porte sejam responsáveis pela maior fatia do mercado nacional de nutrição vegetal, dedicada a transformar macro e micronutrientes em novos fertilizantes foliares, orgânicos, organominerais e outros produtos aprimorados com tecnologia agregada. Além de serem adaptadas à condição brasileira, essas fórmulas também são menos dependentes do mercado internacional. “Se o cloreto de potássio importado é transformado numa outra fonte de potássio, ele tem uma diluição do efeito da importação. Por isso, o segmento sofre um pouco menos”, explica Anderson Ribeiro, representante da Associação Brasileira das Indústrias de Tecnologia em Nutrição Vegetal (Abisolo).

A expectativa é que o setor de fertilizantes especiais cresça 17% neste ano graças à inovação: estima-se que os produtores  com tecnologia agregada invistam cerca de 6% do faturamento em pesquisas. “O segmento de fertilizantes especiais se destaca por gerar muita informação na pesquisa. A gente agiliza os processos para levar a informação rapidamente ao agricultor”, ressalta Ribeiro. A estratégia rende produtos com melhor aproveitamento dos nutrientes pelas plantas, com desempenho até 10% maior.

Outra rota para a renovação do setor é a busca por novas fontes de minerais e materiais orgânicos. Na região de São Gotardo (Alto Paranaíba), uma pesquisa da empresa Verde Fertilizantes, em parceria com a Universidade de Cambridge, promete transformar a glauconita, minério que pertence à rocha popularmente chamada de verdete, em uma variedade de nutrientes para vegetais. O minério é usado para a fabricação de fertilizantes há mais de dois séculos, mas no Brasil era subestimado. Além de um composto que promete melhorar a qualidade do solo aprovado para produção orgânica, a empresa trabalha num protetor vegetal e em um fertilizante multifuncional. “Estamos falando de potássio, cálcio, magnésio, silício e, dependendo da cultura, também de manganês, boro, cobre e zinco. Esse produto pode ser usado em absolutamente todas as culturas”, enumera Cristiano Veloso, CEO da companhia. A empresa aguarda a licença ambiental para dar início à produção.

Pó de rocha Na Universidade de Brasília (UnB), pesquisadores do Centro de Desenvolvimento Sustentável (CDS) estudam o uso de uma antiga técnica natural para fertilizar solos. Conhecido como rochagem, o método consiste no uso de rochas moídas para recuperar os agrominerais perdidos pela terra. “Ao contrário dos fertilizantes convencionais, essas rochas contêm quase toda a tabela periódica. Assim, podemos acrescentar micronutrientes que são igualmente importantes e que, ao longo do tempo, foram deixados de lado pela agricultura nacional”, afirma Suzi Huff Theodoro, pesquisadora do CDS.

A especialista estuda a rochagem há quase 20 anos e já aplicou a técnica em culturas de milho, feijão, cana-de-açúcar, mandioca e hortaliças. Os trabalhos revelam que os bons resultados tendem a melhorar com o tempo. A produção pode triplicar entre uma colheita e outra, após uma única aplicação, com duração estimada em cinco anos. Isso ocorre porque a remineralização é um tipo de fertilizante inteligente que fornece nutrientes para as plantas gradativamente. Nada é desperdiçado, e os minerais permanecem no solo para servir à próxima safra. Além de ser ambientalmente correta, a alternativa pode custar até 90% menos que os insumos convencionais — uma grande diferença, já que os custos com fertilizantes chegam a representar 50% da despesa em alguns tipos de cultura.

As pesquisas constataram, ainda, que essa aplicação tem melhor desempenho em áreas tropicais. As culturas de ciclo longo (como a cana, um dos principais produtos nacionais) são as que mais se beneficiam, e os vegetais bem nutridos se tornam também mais saudáveis para os consumidores. A remineralização já foi incluída por lei entre os insumos destinados à agricultura, mas o uso depende de uma nova instrução normativa do Ministério da Agricultura. “É importante dar ao Brasil essa alternativa”, acredita Suzi Theodoro.


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