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Estado de Minas VITALidade

Estereótipos, preconceitos e discriminações no envelhecimento

Os estereótipos, preconceitos e discriminações em relação às pessoas mais maduras têm consequências graves para a saúde e para o bem-estar de tal população


28/03/2023 09:18

casal de idosos
(foto: Pixabay)

Do ponto de vista moral, não há qualquer distinção entre um gênio da matemática, um grande empresário, um político de massas e uma criança recém-nascida com retardo mental. Quando se toma como ponto de referência a dignidade, intrínseca a todo ser humano, não há qualquer diferença entre as pessoas. No entanto, tal constatação filosófica não foi suficiente para que os estereótipos, os preconceitos e a discriminação deixassem de existir na sociedade.

Na maior parte das vezes, quando nos referimos a idade, logo a associamos a um processo biológico. Entretanto, a idade também é definida socialmente, já que uma pessoa pode ser considerada jovem demais para fazer uma coisa e, ao mesmo tempo, velha demais para fazer outra.

Culturas diversas vão tratar o envelhecimento de modo também diferente. A par disto, a Organização das Nações Unidas, por meio do Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos, do Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais das Nações Unidas e do Fundo de População das Nações Unidas, fez um amplo estudo sobre o preconceito ligado a idade nos diversos pontos do planeta, oferecendo um panorama global de como o idadismo é tratado mundo afora e sob amplas perspectivas, em um estudo denominado Relatório Mundial Sobre Idadismo. 

O termo idadismo ou etarismo ou, ainda, ageísmo, em uma tradução literal do inglês, foi criado em 1969 pelo gerontólogo americano Robert Butler. A expressão escolhida pela ONU provavelmente é decorrente do fato do estudo abordar o problema do preconceito relativo à idade, mas não apenas em relação às pessoas mais velhas, mas também em relação às pessoas mais jovens. Aqui na coluna VITALidade, optamos pelo termo etarismo, socialmente mais relacionado ao preconceito direcionado às pessoas mais velhas no Brasil, pois abordaremos apenas esta parte do estudo.

Essa semana, escolhemos nos debruçar sobre o tema de como os estereótipos, o preconceito e a discriminação estão intimamente relacionados no processo de envelhecimento, já adiantando que nos reportaremos ao Relatório outras vezes na coluna, pois a pesquisa realizada pelo grupo de trabalho tem uma abordagem ampla do problema do preconceito ligado à idade e permite inúmeras reflexões.

O tema é de suma importância, principalmente nesse momento em que aqueles que estão em processo de envelhecimento estão aprendendo a se manifestar de modo mais enfático contra toda e qualquer espécie de preconceito a eles dirigidos, o que acaba levando a um debate público muito positivo sobre a questão.

No documento o idadismo é apresentado como algo que surge já na primeira infância, a partir dos quatro anos, quando as crianças começam a perceber os estereótipos de idade ao seu redor; e ele se manifesta quando a idade é utilizada para categorizar e dividir as pessoas de maneira que levam a perdas, desvantagens e injustiças, causando desgaste na relação entre as gerações. Mais especificamente sobre o etarismo, o Relatório afirma que ele pode atingir diferentes roupagens ao longo do tempo e se mostra em situações simples, que muitas vezes nem são percebidas pela população em geral, tal como ser ignorado pelo chefe e colegas de trabalho, ser tratado com condescendência pela família em casa, ter um empréstimo negado no banco, ser insultado ou evitado nas ruas, ser acusado de fazer bruxaria – prática ainda comum em alguns países da África -, ter acesso negado à propriedade, terra ou tratamento médico, tudo simplesmente em razão da idade.

Ao abordar a relação entre estereótipos, preconceito e discriminação, o estudo percebeu que cada uma das dimensões do etarismo está relacionada a uma faculdade psicológica. A primeira dimensão é a dos estereótipos e está ligada aos pensamentos amplamente generalistas sobre o tema; a segunda é a dos preconceitos e está conectada aos nossos sentimentos em razão do lugar que o outro ocupa no mundo e, por fim, a terceira dimensão é a da discriminação e se relaciona a ações ou comportamentos que as pessoas têm contra as vítimas do seu preconceito.

Segundo o estudo, os estereótipos seriam as estruturas cognitivas que alteram nossas crenças e expectativas sobre as características dos membros de um dado grupo social, no caso, os idosos, de modo que nossas inferências sobre tal grupo passam a ser fruto de generalizações, que consideram que todos os membros de um grupo de determinada idade têm características semelhantes. Por exemplo, em inúmeros países europeus, os mais velhos são estereotipados como calorosos (atributo positivo) e incompetentes (atributo negativo). 

Não faltam estereótipos quando nos referimos à passagem do tempo. Segundo o Catálogo de Estereótipos, identificados em diferentes ambientes institucionais e países, a média global é que, segundo a mídia, os mais maduros foram considerados engajados com a vida saudável, produtivos e independentes, mas foram avaliados também como pouco atraentes, infelizes, senis, malvestidos, inativos, dependentes, insalubres, dependentes, pobres, vulneráveis e, pasmem, diabólicos! Tudo fruto de estereótipos que foram sendo construídos ao longo do processo histórico das sociedades e estão arraigados no imaginário popular, internalizados desde a mais tenra infância - por volta dos quatro anos a criança começa a perceber os estereótipos em relação à idade que estão à sua volta. 

Ao lado dos estereótipos ligados à velhice temos também o preconceito que, conforme o documento, é uma espécie de reação emocional ou um sentimento, que pode ser negativo ou positivo, dirigido a uma pessoa, tomando como base o seu pertencimento a um determinado grupo social, no nosso caso, os idosos. Sentimentos como pena ou dó são, na verdade, espécies de preconceito contra pessoas mais maduras, que acabam fazendo com que as pessoas não queiram a companhia das pessoas mais velhas.

Por fim, a discriminação fecha o ciclo, concebida pelo estudo como um conjunto de ações, práticas ou políticas dirigidas às pessoas, tomando como pressuposto a idade que têm. Elas podem ser percebidas em práticas comuns como a recusa de uma empresa em oferecer treinamento a um trabalhador mais velho ou, ainda, quando a publicidade quase não usa modelos acima dos cinquenta, ainda que seja para anunciar creme antirrugas, ou pior, quando decisões relativas à manutenção ou não da vida do enfermo são tomadas conforme a idade do paciente; ou políticas do setor de saúde que permitem racionar a atenção dispensada tendo como pressuposto a idade. Enfim, não faltariam exemplos de ações discriminatórias dirigidas contra as pessoas mais velhas.

O mais interessante é que o estudo demonstra que, como nossos sentimentos, pensamentos e ações podem se influenciar mutuamente, o relacionamento entre estereótipos, preconceito e discriminação é multidirecional. Pesquisas apontam, por exemplo, que adultos jovens com atitudes negativas em relação aos mais velhos tendiam a demonstrar menos compaixão e buscavam se distanciar deles; e que chefes que tinham estereótipos negativos em relação às pessoas mais velhas tendiam a ser mais punitivos com tal faixa etária.

As pesquisas mostram ainda que os estereótipos, os preconceitos e as discriminações em relação às pessoas mais maduras têm consequências graves para a saúde e para o bem-estar de tal população, considerada no documento aquela a partir dos cinquenta anos de idade. Segundo o estudo, o etarismo está associado a uma menor expectativa de vida, a uma piora na saúde física e mental, na recuperação mais lenta de incapacidades e no declínio cognitivo, piorando, assim, a qualidade de vida dos idosos, aumentando seu isolamento social e sua solidão. 

As sociedades já evoluíram muito quando o assunto é a criação de estereótipos, preconceitos e discriminações em relação a outros grupos, mas no que se refere às pessoas maduras, parece haver um certo grau de aceitação social. No entanto, tendo em vista o mal que causa às suas vítimas, é preciso que urgentemente discutamos também os estereótipos, os preconceitos e as discriminações relacionados à idade, pois só com o diálogo geracional é possível construir uma verdadeira comunidade de iguais, que tem como pressuposto a dignidade humana e não as características individuais de cada um.

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