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Estado de Minas GEOPOLÍTICA

Onde tudo morre, menos a morte

A geografia da eterna finitude tem código postal, justificativas históricas, cicatrizadas no olhar e alheias além das fronteiras da dor


23/10/2023 06:00
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o livro da vida, ilustração
(foto: Pixabay)


Há locais do mundo onde tudo morre, menos a morte. A morte escancara seu poder sobre tudo ao entorno. Torna estéril os sonhos e as perspectivas. Escrever, nos dias de hoje, demanda uma boa dose de insensibilidade para acompanhar os fatos. À medida que as letras descrevem os horrores das guerras, um peso recai sobre ombros de quem lê e observa. 

Não há como conceber o que isso significa para quem sobre os ombros recaem morteiros, misseis e explosões, ceifando a vida de crianças, jovens e idosos, sem distinção de sexo. O último suspiro dos corpos dilacerados nem foi percebido, mas temido todo o tempo que antecedeu a morte.  

Quem fica também morre aos poucos, sofridamente, sem o filho que não teve tempo de ver o mundo que deveria acolhê-lo, sem a jovem moça que nunca escutará os sons da noite de núpcias...

Foram-lhes retirado esse direito. Aos sobreviventes nem a fuga alivia o medo e a dor. Viver nos locais onde a morte não morre faz exilados na sua própria terra cercada. 

A morte espreita o corpo e os becos meandrantes do sofrimento. É o chão sagrado, sangrado. 

A geografia dessa eterna finitude tem código postal, justificativas históricas, cicatrizadas no olhar e alheias além das fronteiras da dor. Afinal, a indignação é uma mosca sem asas que não ultrapassa as janelas das nossas casas, já dizia a canção.  É uma indigna nação, que ousou ocupar o assoalho ancestral divino. 

A apropriação indevida de pequenos fragmentos textuais milenares, interpretados à revelia de interesses nem sempre nobres, para justificar o extermínio de um povo, ecoa a todo momento. É proibido recordar os vestígios do que se é e o que foi vivido, alimentando o esquecimento e a solidão que destroçam o oprimido. 

Os lugares da morte permanente se espalham pelos diferentes continentes. Sua força é impulsionada pela convecção do ódio, que esquenta e dilata nas profundezas do humano, eleva-se sobre todos, como a força de vulcão que entra em erupção, resfria quando o cheiro mortal se dissemina, para novamente retornar ao princípio do ciclo, que irá se repetir dia após dia, enquanto o ódio e a intolerância forem a energia motriz. 

Os lugares onde a morte não morre encontram respaldo numa sociedade que diz para esquecer tudo o que é doentio, ultrajante e que causa descontentamento, como se olvidar libertasse. Não. Não é liberdade, é apenas omissão na defesa de um coletivo! Ao esquecer o outro, pode-se viver sem amarras, mas o deixa acorrentado nos grilhões contínuos da letalidade. A morte se faz eternidade.

A guerra, filha mais eficiente da morte, é o culminar dos atritos permanentes.  A violência transparente na maior parte do tempo para o oprimido é velada e controlada pelo opressor. Externamente, a vida segue a normalidade do seu curso. 

Nos locais onde a finitude segue sua inevitabilidade, surpreendendo nas esquinas do cotidiano, os vivos, apáticos, esquecem a luta pela justiça, liberdade e igualdade para todos, onde o fim eterno reside permanentemente. 

O silêncio é quebrado quando a morte é escancarada e os cadáveres se amontoam, enquanto os gritos são substituídos pelos sussurros difusos e desconexos dos omissos.  

Àqueles que se sentem os únicos soberanos sobre os terrenos onde a morte nunca morre cabem as decisões sobre o futuro daqueles que ali se encontram. Os direitos compartilhados a todos os indivíduos que ocupam as terras disputadas são o primeiro passo a ser dado. É a garantia de uma vida em equilíbrio? Não. Mas é a única forma de esperançar dias melhores. Há de se dar um crédito à vida.

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