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Estado de Minas SUELI VASCONCELOS

Um aviso sombrio da guerra da Chechênia na invasão da Ucrânia

Na invasão da Ucrânia, Moscou repete a sinistra estratégia adotada na Chechênia, composta por bombardeios massivos e indiscriminados


04/04/2022 06:00

A Ucrânia é um Estado soberano
A Ucrânia é um Estado soberano (foto: Sergei SUPINSKY / AFP )
Durante os anos 90, por duas vezes, a Rússia atacou cidadãos russos, na Chechênia. A Chechênia é uma pequena região autônoma russa, localizada no sudoeste do país, na área do Cáucaso-Cáspio.  No final do Século XX, amargou conflitos que a devastaram, forçando o êxodo em massa de refugiados e interrompendo a economia, fortemente dependente do comércio de petróleo.

O principal grupo étnico da Chechênia é o de chechenos, com uma minoria de russos e inguchétios. Os chechenos e os inguchétios são ambos muçulmanos e fazem parte de muitos dos povos que vivem nas montanhas caucasianas. 

Tradicionalmente, são povos reconhecidos como defensores ferozes de sua identidade e cultura. A resistência à conquista russa acumula mais de duzentos anos, desde a ocupação pelos que czares, no início do Século XIX. As constantes escaramuças entre chechenos e russos, no decorrer desde século, foram o pano de fundo do romance Os cossacos, de Tolstói. 

A espinha dorsal da economia é o petróleo. O refino está concentrado, principalmente, na capital, Grozny. Os oleodutos correm entre o Mar Cáspio, o Mar Negro e demais áreas a oeste. A região autônoma foi criada pelos bolcheviques, em 1920. Em 1934, foi anexada ao território da Ingutchétia e designada como república dois anos mais tarde. 

Ao longo da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o líder soviético Josef Stálin acusou os chechenos de colaboração com os alemães (fato sempre negado pelo grupo). Como consequência, enfrentaram a irado líder soviético e foram submetidos a deportações em massa para a Ásia Central. A jovem república foi dissolvida. Somente em 1957, como resposta ao processo de desestalinização, implantado por Nikita Khrushchev, que eles foram autorizados a retornar à terra natal e a república foi reinstituída. 

Os sentimentos separatistas retornaram em 1991, com o declínio da União Soviética. Em agosto desse ano, Dzhokhzar Dudayev, um político checheno e ex-general da força aérea soviética, deu um golpe contra o governo socialista soviético (a URSS foi extinta em dezembro de 1991) e foi eleito presidente, em outubro. Em seguida, declara a independência da Chechênia. Esse processo não foi reconhecido nem pelos russos e nenhum outro país do mundo. Entretanto, Boris Yeltsin, o presidente da nova nação russa, não buscou, imediatamente, a recuperação do território rebelde. 

O presidente checheno, Dudayev, resistiu a todas as tentativas de deposição que enfrentou. Até que, em 1994, as tropas Russas invadiram a Chechênia. Superando a forte resistência, as forças russas tomaram a capital, Grozny. Mas a resistência da guerrilha chechena continuou, superando as investidas russas. Uma série de acordos de cessar fogo foi negociada e violada nesse período. Em 1996, Dudayev foi morto durante um bombardeio russo.

Seu sucessor, Aslan Maskhadov, foi eleito o novo presidente. Yeltsin e Maskhadov assinaram um acordo de paz temporário, mas não definiram o status da Chechênia. Estima-se que mais de 100 000 pessoas tenham morrido e mais de 400 000 tenham se refugiado ao longo desse período. Números muito expressivos para uma população total de pouco mais deum milhão, no início dos anos 90. 

A violência desses ataques foi usada como argumento para a OTAN rever suas estratégias expansionistas na antiga área de influência soviética. Os antigos países subordinados à URSS não viram com bons olhos a ação russa e temiam que, em algum momento futuro, as políticas democráticas russas fossem modificadas e se tornassem alvos de uma Rússia com intuitos imperialistas. Com o apoio das ex-nações socialistas, Bill Clinton reestrutura as ações da Aliança Atlântica. 

As tropas russas que saíram da Chechênia, em meados da década de 90, retornariam com mais violência, em 1999, com a ascensão de Vladimir Putin, como primeiro-ministro, em agosto de 1999. Em Moscou, um atentado que ceifou a vida de dezenas de civis russos, foi associado aos chechenos (nunca comprovado e sempre negado pelos acusados). Foi o estopim para os novos combates que devastaram a região.

À medida que as forças russas controlavam a república rebelde, os combatentes chechenos eram obrigados a se refugiar nas montanhas. Nas cidades, praticamente, nenhum prédio foi mantido de pé. A destruição foi quase total. A população adulta masculina foi quase dizimada. Restaram órfãos e viúvas da guerra de aniquilação promovida por Putin e que garantiu sua ascensão, em parte, ao Kremlin, em 2000. Desde então, nunca mais saiu. 

Quase 25 anos depois, a investida de Putin volta-se contra a Ucrânia. As circunstâncias e semelhanças não se equiparam, do ponto de vista político, ao que ocorreu nos anos de 1990. A Chechênia não compunha um Estado de fato, nem com a declaração de independência de Dudayev. 

A Ucrânia é um Estado soberano. Seus governantes podem ser passiveis de críticas por incompetência e corrupção, mas representam um país reconhecido e legitimado internacionalmente. Foi esse mesmo país que, em dezembro de 1991, em um referendo, teve um resultado de mais de 90% da população favorável à separação da URSS (isso inclui a Crimeia - 54% - e o Donbass - 84% -). Esse resultado foi o ponto de partida para a queda soviética e à supremacia geopolítica russa, o que nunca foi totalmente absorvido por Putin. 

Mas há erros estratégicos comuns. Em ambos os casos, os agressores subestimaram a reação dos agredidos. Os chechenos se uniram contra a brutalidade e a devastação promovida pelos ataques russos, em 1994. Na época, acreditava-se que a região sucumbiria em horas. Dois anos depois, humilhados, os russos saíram da região. 

Putin, provavelmente, acreditava que repetiria a condição imposta à Crimeia (com uma condição histórica especial), em 2014. O processo pacífico de retomada do controle da península, sem grande resistência interna e externa, deu a ele a falsa confiança de que no restante do território a façanha seria similar. Equivocou-se. 

O líder russo desconsiderou que o Ocidente e os ucranianos poderiam reagir de forma diferente àquela de oito anos atrás. A surpresa envolve, inclusive, os russos étnicos da Ucrânia. Eles desenvolveram uma relação especial com o lugar em que vivem e o sentimento patriótico foi reacendido, em muitos deles, com a indignação promovida pela invasão, em fevereiro. 

Putin destina à Ucrânia um tratamento antirrússia. Como tal, há o risco de repetir táticas de uma guerra total, pulverizando as principais cidades e com isso milhares de inocentes terão sua vida interrompida ou drasticamente alterada, com se o fim justificasse os meios. O Ocidente tem sua parcela expressiva de responsabilidade. Mas o objetivo neste curto texto não é, ainda, evidenciá-la. 

Os ucranianos, se buscarem respostas para o que vivem hoje, nas ações de Putin na Chechênia, encontrarão um cenário tenebroso. A liderança russa está disposta a ceifar vidas humanas para atingir seu objetivo. A resistência ucraniana terá que ser mais longa que o imaginado. 

Dificilmente, os russos dominarão um país com mais de 40 milhões de habitantes (com uma área superior à França, em contraposição à minúscula Chechênia), mas estão dispostos a prolongar a guerra por tempo indeterminado para atingir seus objetivos ou até que a tolerância da sociedade russaseja rompida, com as imagens de jovens mortos, contaminado por radiação das usinas nucleares invadidas (em especial do exército russo), na  guerra que não apoiaram, na totalidade. 

Provavelmente, não surgirá na Ucrânia um senhor da guerra, aliado de Putin, como Ramzan Kadyrov, o sanguinário líder checheno, desde 2007, que é comparado a “Stalin” dos tempos modernos. As táticas de violação de direitos humanos são repetidas, continuamente, no seu governo. 

O exército de Kadyrovestá na Ucrânia e há suspeitas de que tem como meta eliminar Zelensky e sua família. Mesmo sob pressão, a Ucrânia não deverá ceder facilmente e muito menos prometer lealdade ao Kremlin. A presença de tropas chechenas mostra, portanto, que Moscou está se preparando na Ucrânia para uma guerra de guerrilha urbana, em que a experiência das tropas de Kadyrov pode representar um trunfo, não apenas para superar localmente a resistência ucraniana, mas também para disciplinar as tropas russas e seus associados.

Moscou obteve uma Vitória na Chechênia ao preço de uma destruição sistemática do país. O bombardeio maciço das grandes cidades ucranianas faz temer o pior. 

Quanto antes a sociedade russa romper o silêncio, questionando a guerra   e forçando os líderes à mesa de negociações, melhores são as possibilidades de interromper uma guerra com um custo humano superior à pequena república do Cáucaso, que nem por isso, foi menos devastadora. Resta-nos esperar. 

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