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Meu dia girou em torno de uma melancia

Fiquei feliz por ela ter se lembrado de mim e do meu sabor preferido de chicletes, algo que até eu já havia esquecido qual era


19/09/2021 04:00 - atualizado 19/09/2021 08:12

Meu dia girou em torno de uma melancia. Começou quando parei com a minha mãe na padaria. Como não havia vagas na porta, fiquei esperando no carro. Ela voltou com seis pães de sal e chicletes de melancia. Tive uma sensação de déjà-vu. A mesma cena se repetia desde a minha infância, exceto pelo sabor inusitado da goma de mascar.

Vi um flash de mamãe saindo da padaria com as crianças, de mãos dadas, com a bolsa cheia de doces e balas. Parecia uma fada. Com sua varinha mágica, transformava moedas de 10 centavos em unidades de Ploc ou Ping Pong. Era uma rara habilidade.

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No século passado, nossas criptomoedas tinham formato retangular, eram bem duras e se limitavam a três opções de investimento: hortelã, morango e tutti-frutti. O último era o meu preferido, embora até hoje não saiba do que é feito. Salada de frutas? Não faço ideia. Só sei que minhas memórias de infância têm gosto de tutti-frutti.

Nos dias de hoje, a vida ganhou novos sabores. As gomas de mascar, preferencialmente sem açúcar, multiplicaram-se em diversos formatos e essências artificiais, mesclando uva com abacaxi, canela e até melancia. Antes da pandemia, eu tinha o costume de andar com alguns chicletes dentro do carro. Na volta para casa, dava uma paradinha no comércio e levava a eterna promoção da farmácia. Leve cinco, pague três.

Era difícil resistir à oferta. Os cinco pacotes já vinham juntos, amarrados por uma tira de papel, onde se lia PROMOÇÃO, assim, com letras maiúsculas e em negrito. As embalagens ficavam na prateleira de baixo, ao alcance da mão. Na boca do caixa, a moça dava o golpe final: “Não vai levar chicletes? Estão em oferta hoje!”.

Com o confinamento social, saindo menos de casa, alguns hábitos foram sendo deixados para trás. Caíram os chicletes de farmácia. Acabaram as tentações do baleiro na porta da escola das crianças – aliás, o que terá sido feito do Antônio? Desapegamos do cinema, do balde de pipoca e principalmente do guaraná. Faz meses que abolimos o refrigerante.

As mudanças aconteceram naturalmente. O dinheiro encurtou, as saídas ficaram mais raras e as necessidades, recicladas. Mas não quero ser radical. Aceitei o mimo da minha mãe, de coração. Fiquei feliz por ela ter se lembrado de mim e do meu sabor preferido de chicletes, algo que até eu já havia esquecido qual era. Foi uma prova de carinho, quase um colo.

Chegando em casa, distribuí uma unidade para o filho mais velho, que prefere o sabor canela e outra para o caçula, que é adepto do morango. Matamos a saudade de mastigar o tempo, de dividir um pedacinho de inocência, de extrair até a última gota de sabor. Sem precisar se preocupar em passar álcool em gel na embalagem, em não demorar na farmácia ou na inconveniência de mascar chicletes com a máscara.

A vantagem é que aprendemos a dar mais valor aos menores gestos. Lembrei-me do caso de uma conhecida. Ela contou sobre a vez em que foi abordada por um menino na porta da padaria, pedindo esmolas. “Se sobrar uma moedinha você me dá? Estou com fome”, ele pedia. “Depende. O que você vai fazer com esse dinheiro? Dá para comprar dois pães”, ela recomendou. O garoto, de chinelos de dedo e mãos encardidas de sujeira, confessou o plano: “Dona, vou gastar tudo em chicletes”.

Minha amiga gostou da sinceridade. Deu o troco e até um pouco mais. Ficou observando de longe. O garoto torrou o dinheiro em chicletes. Enfiou todos eles na boca, de uma vez. Não conseguia nem falar, mas os olhos bri- lhavam. Naquele dia, ela teve a certeza de ter feito uma criança feliz.

Saiba mais sobre xamanismo  no canal Chá Com Leveza .
*Sandra Kiefer assina esta coluna quinzenalmente

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