
Uma lembrança boa, com absoluta certeza, ainda que para lá de fragmentada - e talvez, por isso, distorcida - é o passeio de carro com meu pai e meus irmãos, em Brasília, durante a comemoração do Tri em 1970. Se eu estiver correto, mnemonicamente falando, ganhei um beijo de uma moça (eu tinha 3 anos!!). Huuum… Infância e sexualidade?
A (suposta) moça estava bem alegre, e ao me ver no banco traseiro do carro com a janela aberta, disse: “que gracinha”; e me beijou. Será? Daquele dia me lembro também de Pelé. Uma espécie de deus, que tomaria lugar de fato, anos depois, no meu coração de futuro camisa 10 do Galo - que menino, em 1970, não garantia que seria jogador de futebol?
Passei a infância sonhando em ser Pelé. O Pelé do Santos. O Pelé da Seleção. O Pelé do Cosmos. O Pelé da revista em quadrinhos “Pelezinho”. E depois, já adolescente, quando o sonho de ser atleta ruiu, o Pelé da FIFA. O Pelé do mundo. O Pelé da Xuxa! O Rei. Pelé, e pouco importa a veracidade das minhas lembranças, é um meu herói.
Tenho um jargão: há vidas que valem ser vividas e há mortes que não devem ser choradas. Sempre penso nisso quando alguém da grandiosidade do Pelé se vai. Que vida plena teve esse sujeito! Não merecia, é verdade, ter sofrido ao final, mas é próprio do definhamento humano. E até na pior hora o filho do Seu Dondinho foi grande, foi gigante.
Ninguém nunca viu Pelé se vitimizar. Por nada. Muito menos no leito de um hospital. Sim, eu sei, não devemos - jamais! - misturar alho com bugalho, neste caso, ouro com estrume, mas me veio à mente a cena grotesca de Jair Bolsonaro, o verdugo do Planalto, com o bucho costurado, à mostra, como carne barata em vitrine de açougue. Eca.
Volto ao céu, após essa breve visita ao inferno acima. Edson Arantes do Nascimento morreu cercado de amor (e de amores) e de afeto (ainda que alguns, talvez, não muito sinceros). E morreu, seguramente, com alguns dramas de consciência, alguns remorsos, mas… quem não? Afinal, Deus em campo, mas “de carne e osso” no mundo dos mortais.
Não mando na vontade de ninguém, muito menos nos ódios e rancores dos amargurados e recalcados, mas deixo aqui um conselho: esqueçam as falas de Pelé, sua filha, seu filho, suas mulheres, e concentrem-se nos feitos insuperáveis, em geral e não só nos gramados, deste gigante (quantos, além dele, a despeito de negro e brasileiro, chegaram tão longe?).
Nunca vi o Rei de perto - esse Rei, porque o outro, Reinaldo (José de Lima), sim. Que pena! Já vi tanta porcaria (humana) na vida e nunca tive a sorte de poder dar um abraço e um beijo em Pelé. Putz! Como eu queria ter tido essa chance. Tenho certeza que ele iria me retribuir com aquele seu maravilhoso sorriso largo, um abraço apertado e um “muito obrigado”.
Caramba, eu que te agradeço. Muito! Por tudo. Para sempre.
