Jornal Estado de Minas

OPINIÃO SEM MEDO

Bolsonaro dodói: não entendo a revolta contra quem deseja mal ao presidente



Minha mãe não morreu de COVID; morreu com COVID. Talvez, no máximo, a maldita doença tenha antecipado o fim que estava praticamente desenhado. Dias antes, e dias depois, Bolsonaro proferiu as costumeiras barbaridades sobre essa tragédia irrecuperável que é a pandemia do novo coronavírus. Suas palavras ofensivas, jocosas e desumanas jamais me atingiram como filho-órfão, mas sempre me atingiram como ser humano solidário e, sim, sensível que sou.





É a primeira vez que toco no assunto da morte da minha mãe de forma pública. Não sou dado a dividir dor, muito menos a me promover na dor. Minha ligação com minha mãe era muito mais que umbilical. Ela foi para mim, até o fim, a mãe que um filho precisa. E eu fui para ela, também até o fim, muito mais que um filho; fui o pai e o marido que ela nunca teve e que sempre precisou. Hoje, meses após sua morte, ainda devastado por sua ausência, não me preocupo em me expor publicamente e ler e ouvir as barbaridades que certamente virão.

Não desejo a morte de Jair Bolsonaro. Não por ele, mas por seus filhos. Sobretudo a menina, ainda com dez ou doze anos, não sei ao certo. Se, cinquentão que sou, sofro o que estou sofrendo pela perda de uma mãe com oitenta e dois anos, me esfacela o coração pensar na dor de uma criança diante da morte de um pai tão jovem. Além disso, tenho uma filha com quinze anos, e minha ausência lhe traria feridas incuráveis. Odiar Bolsonaro não me torna insensível aos filhos. E é por isso que não desejo vê-lo sob sete palmos de terra.

Fosse o presidente um solitário neste mundão de meu Deus, aí sim eu poderia torcer por seu fim. Bolsonaro é o tipo de pessoa que não faz falta à humanidade. Ao contrário. Sua existência só torna a vida pior, mais triste, mais mesquinha, mais cruel. É um sujeito detestável nos modos e nos pensamentos, e mais ainda nas falas asquerosas, repetidas com orgulho à exaustão. O fastio que provoca é semelhante à pior das indigestões. E para quem não sabe, meus sentimentos em relação a Lula da Silva não são nem um pouco melhores; apenas diferentes.





O Brasil certamente estaria muito melhor sem Jair Bolsonaro na Presidência da República. Ao menos na questão ambiental, metaforicamente falando - já que, literalmente, também, o ar ficaria menos denso, menos fétido, muito mais leve e respirável sem a overdose diária de ódio, preconceito, homofobia, xenofobia, autocracia e mentiras que faz questão de aplicar no País pela manhã, tarde e noite, sete dias por semana, trinta dias por mês, ininterruptamente, há mais de dois anos e meio.

Fico surpreso e irritado com a hipocrisia reinante na Bolsolândia, aquela terra de faz-de-conta, onde há um mito que não é amigo do Queiroz, que não é pai de um senador suspeito de peculato, que não se omitiu diante de indícios de corrupção, que não zomba da doença e da morte de milhares de pessoas, que não faz troça do sofrimento de milhões de enlutados, que não auxilia com vigor a disseminação do vírus, e que não ofende e denigre pessoas por causa de sua orientação sexual e ideologia política, quando os devotos se revoltam contra quem somente retribui palavras e sentimentos que recebe do deus Messias.

Ora, o capitão pode desejar a morte alheia, mas não o contrário? Pode fazer piada com gente sufocando, mas não o contrário? Pode tratar como asqueroso alguém que assume a homossexualidade, mas não contrário? Pode não se importar com a dor de quem perde um ente querido, mas não o contrário? A prerrogativa da cretinice e miserabilidade humana agora é exclusiva do altíssimo patriarca do clã das rachadinhas?

Parafraseando o próprio, por mim, ‘se morrer, morreu’. Afinal, ‘todo mundo morrerá um dia’. Mas enquanto isso não acontece, e, repito, não torço para que aconteça, e, repito outra vez!, por causa de seus filhos, o Brasil precisa continuar apurando, um por um, todos os possíveis crimes, comuns e de responsabilidade, que o atual presidente da República - e seus supostos cúmplices - porventura tenha cometido. 

A CPI da Covid não pode nem deve parar. A vida de Bolsonaro não é melhor nem mais importante do que qualquer uma das mais de 530 mil que se foram (também) por causa dele. Muito pelo contrário, até. A CPI, em respeito a estas centenas de milhares de vidas perdidas, e aos milhões de enlutados Brasil afora - crianças, inclusive -, precisa seguir firme e focada na apuração de tudo e de todos. É o mínimo que esse bando de congressistas, em boa parte cúmplices, deve fazer por quem banca a boa vida que levam.




audima