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Estado de Minas em dia com a psicanálise

Invisibilidade do cuidado da mulher

O mundo sempre contou com a hegemonia do homem branco que se acredita superior a todos e à natureza. O resultado tem sido em alguns segmentos desastroso


19/11/2023 04:00 - atualizado 18/11/2023 23:43
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Mulher participa de protesto contra a cultura do estupro, em Belo Horizonte
Mulher participa de protesto contra a cultura do estupro, em Belo Horizonte (foto: Gladyston Rodrigues 8.11.2020/EM/D.A Press )


O tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2023 foi “Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil”.

Surpreendente e bem escolhido, chama a atenção para um tema importante e delicado do cotidiano da mulher. As mulheres ainda guardam um substrato de machismo, dedicam-se a servir o homem, quase como a mãe, e muitos deles não têm interesse em abolir a “mãe”.

Neste trabalho invisível, de múltiplas faces, a mulher se desdobra para atender demandas de todas as frentes: por amor, cuida, além do seu trabalho, dos filhos, do marido, cozinha, lava, passa e guarda. Sobrecarga exaustiva e injusta, sem valorização ou reconhecimento.

O tema obriga a sociedade a refletir sobre as mulheres, mães e donas de casa. Mesmo aqueles que não observam seu próprio comportamento machista deram uma paradinha. As mulheres talvez também amem demais...

A cultura machista é remanescente do poder que sempre tiveram os homens. O mundo sempre contou com a hegemonia do homem branco que se acredita superior a todos os outros e à natureza. O resultado tem sido em alguns segmentos desastroso.

As leis foram feitas por eles, em seu benefício: “Aos amigos tudo; aos inimigos, a lei”. Sempre foram mandatários sobre as mulheres, esposas e filhas. Antes do século 18, as mulheres eram impedidas de livre expressão, da alfabetização, leitura de romances e ciência, saírem desacompanhadas e escolher companheiros. Foram vendidas, trocadas, usadas, privadas de liberdade.

O mundo masculino sempre oprimiu as mulheres. O movimento feminista quebrou a submissão e fez avançar uma reação diante da opressão. Queimaram sutiãs, começaram a trabalhar e hoje vemos que abriram portas para que as mulheres modernas estejam no patamar que estão. Grande progresso, conquistamos direitos civis. Mas ainda há um longo caminho para podermos falar que nas relações sócioafetivas e amorosas desfrutem de igualdade.

Falar de temas-problema é a coisa certa a se fazer, ainda que seja difícil mudar uma cultura milenar tão arraigada. É uma luta de pouco sucesso, pois aqueles que sempre detiveram o poder não estão dispostos a abrir mão dele.

As estatísticas e a mídia demonstram o alto índice do feminicídio, diariamente exibido, e mostram a dificuldade dos homens em aceitar o ‘não’ de uma mulher, por isto, alguns, ofendidos e afrontados, se dão o direito de matá-la.

Freud estudou com Charcot, um grande psiquiatra francês que tratava da histeria feminina. Naquela época, as mulheres não podiam se expressar e adoeciam. Tinham convulsões, paralisias, contraturas e crises de nervos e nunca tinham recebido atenção. Era enlouquecedor.    

Freud, com a descoberta do inconsciente, escutou as mulheres. Uma de suas primeiras pacientes dizia que falar era como fazer uma limpeza na chaminé. Trazia alívio intenso. O trabalho de Freud deu voz às mulheres, permitindo abrir caminho para a compreensão das fantasias, do desejo, e isto deu lugar a elas.

O feminino é sutil, não existe definição ou recomendações sobre como e o que é ser uma mulher, mas, com certeza, o trabalho invisível retira a mulher do lugar de desejante, pois ela se doa no cumprimento de um ‘dever’, numa servidão denegada, na qual parte de sua subjetividade é sacrificada. 

Será preciso muito esforço ainda para se educar e sair deste lugar de doadora universal. Mas é um caminho de mão única requerer seus direitos subjetivos. Porque assumir o desejo para uma mulher, ainda em nosso tempo, pode ser muito perigoso.

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