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Estado de Minas MÍDIA E PODER

Lula samba como herói anti corrupção na escada dócil do JN

Um tanto acuados do tom inquisitorial contra Bolsonaro, apresentadores evitaram cobrar o passado e lhe deram espaço de sobra para transformar erros em virtudes


26/08/2022 08:26 - atualizado 26/08/2022 08:38

Lula na bancada do Jornal Nacional junto com William Bonner e Renata Vasconcelos
(foto: AFP PHOTO / GLOBO TV - MARCOS SERRA LIMA)
É sabido que Lula seria beneficiado por ter dado a sorte de ser entrevistado depois de Jair Bolsonaro e Ciro Gomes no Jornal Nacional. Teria a última palavra em eventuais ataques dos dois e tempo de camarote para avaliar a tática dos entrevistadores, como o olheiro no jogo da véspera.

Não se sabia que poderia levar vantagem pela mudança comportamental do casal 20 do jornalismo, claramente acuado em relação ao tom de agressividade contra Jair Bolsonaro, na segunda, já meio amenizado contra Ciro Gomes, na terça.

Não por parcialidade ou opção política, como propagam e propagarão os bolsonaristas em memes universais, mas por medo ou recuo tático diante do caminhão de críticas de todos os lados pelo tom inquisitorial de promotor, juiz e padre meio interessado em moer Bolsonaro.

Problema foi terem recuado para um estágio de escada, a do entrevistador que levanta a bola para o entrevistado lançar, sintomático na primeira frase da noite, na boca de William Bonner, para se referir à existência de corrupção em seus governos, apesar de inocentado pelo STF: "o senhor não deve nada à Justiça". 

Que prosseguiu jogando a discussão para o futuro como forma de corrigir o passado ou tomá-lo como superado. "Qual a garantia de que não haverá corrupção no seu governo?" Ou: "Qual a garantia de que o PT não vai mandar no seu governo?" Depois de referências vagas e atenuadas ao pior dos governos petistas que poderiam/deveriam ter sido cobradas com mais vigor.

Renata Vasconcellos pergunta se a resistência do candidato entre o agronegócio é por conta de sua relação com o MST, assim, sem informar o mínimo do que significou o passado meio guerrilheiro e predador do movimento. Quando a pergunta certa a ser feita seria: "o senhor garante que não haverá invasões de propriedade?"

Para perguntar sobre o risco PT em seu seu governo, Bonner faz igualmente referência escassa ao que foi o DNA petista de rachar o país com o "nós contra eles" e de governança desastrosa na economia no governo Dilma, que pode resultar numa Argentina.

Com o clima bastante favorável de vamos olhar para frente porque o passado passou e perguntas para as mesmas respostas que o petista tem repetido com sucesso entre os incautos (foi a Lava Jato que destruiu o país e não a corrupção que ela puniu), Lula fez um samba de passista em espaço vago.

Não que poderia ter sido diferente, talvez, se fossem agressivos, mais predispostos ou mais preparados para contestar e corrigir à altura, de bate pronto. Lula é um conhecido encantador de serpentes que não se recusa a falar de qualquer assunto porque tem uma capacidade demolidora de transformar os defeitos em virtudes e plantar a versão que lhe interessa. Raríssimo que fique de saia justa.

Como diante de outras plateias igualmente dóceis, admitiu vagamente o que não podia ser negado no grande esquema de corrupção de seu tempo. Mas o jogou nas costas de alguém longe do seu calcanhar ("Você não pode dizer que não houve corrupção se as pessoas confessaram"). Daí para transformá-la em virtude, sacou sua velha máxima de que a corrupção apareceu porque seu governo combateu.

Transformou a radicalização do PT, que de fato inaugurou o gangsterismo político de denegrir o adversário e demonizar as elites (vulga zelite), num caso de torcida organizada, a seu jeito de metaforizar quase tudo com futebol. Teria sido apenas uma briguinha dos bons tempos em que tucanos e petistas discutiam e abraçavam no bar, como vascaínos e flamenguistas depois da partida.

Não é o MST que assusta os empresários do agronegócio, mas a defesa do ambiente que afasta os maus empresários. "O  MST nunca invadiu uma terra produtiva", disse aproveitando o clima de vamos esquecer o passado em que o movimento depredava equipamentos de empresas e tomava fazendas simbólicas, como a do presidente Fernando Henrique Cardoso.

E o problema de Dilma Rousseff não foi a condução desastrosa da economia, mas a perseguição de uma "mulher extraordinária" por uma "dupla dinâmica" de dois homens maus de sua época: Eduardo Cunha na Câmara dos Deputados e Aécio Neves no Senado.

Premidos pelo tempo (sempre um problema grave da pressa na Globo, que favorece o entrevistado ao não esgotar qualquer assunto) e por um misto de tática de recuo, insegurança ou despreparo mesmo, os apresentadores não contestaram com ênfase nenhuma das meia-verdades ou mentiras inteiras. E o deixaram sambar com uma auréola de santo pacificador e revolucionário, maior herói do combate à corrupção no país.

Foi, diga-se, o primeiro dos três entrevistados que não mudou a cara na bancada, como mudaram da água para o vinho Bolsonaro e Ciro a fim de não parecerem agressivos. Consagrou-se como ele mesmo, uma águia política que, como as maiores, já incorporou a mentira como uma segunda pele, na linha dos versos de Affonso Romano de Sant'Anna, ao modo de Fernando Pessoa, que já citei a seu respeito:

— Mentem de corpo e alma completamente / E mentem de maneira tão pungente / que acho que mentem sinceramente.

E acresce que está visivelmente feliz, energizado, na talvez melhor fase de sua vida e não só porque recém bem casado aos 76 anos. É porque já está no lucro. 

Não deve mais nada à Justiça, como lembrou Bonner, ficou livre de todas as pendengas judiciais que tornariam seu resto de vida um martírio e recuperou seu currículo. Confundiu de tal forma que, mesmo se perder a eleição, vai passar para a história como o sujeito que poderia ter salvo o país.

Achei curioso que tivesse citado menos Bolsa Família que Geraldo Alckmin, com quem anda numa lua de mel mais tormentosa do que possivelmente com a mulher Janja. Quando Bonner se referiu às resistências do PT ao tucano, ele, a seu jeito energizado, abriu um largo sorriso: 

— Acho que estamos em planetas diferentes — disse, reeditando a realidade, a seu jeito. — Alckmin já foi aceito pelo PT de corpo e alma. Estou até com ciúme dele.

Minha impressão é que esteja querendo usar o ex-governador como símbolo incontornável de sua disposição de sugerir o fim de qualquer resquício do petismo em seu governo. Deve saber mais do que ninguém, como sempre, que a rejeição ao partido, muito superior à sua, é seu grande calcanhar.

Ou então, já cansado, predisposto a não se candidatar à reeleição e viver uma lua de mel com a mulher pelo resto de vida que lhe resta, esteja considerando seriamente em começar a entregar o governo para o tucano logo depois da posse e terminar na campanha sucessória, em 2026. 

Pode ser, enfim, que os dois entrevistadores estejam certos ou estejam melhorando até. Que estejam mesmo respondendo às críticas que os acusaram de inquisidores demais. Que a questão seja mesmo olhar para frente e cobrar propostas dos candidatos, ao invés de arrogarem-se o papel de tribunal do mundo. Que me agrada mais, aliás.

Mas não faria mal ao país terem se esforçado por abaixar um pouco essa bola toda desse passista energizado, que é de fato o mais preparado dos candidatos para a grande articulação nacional de que o país precisa, mas com ideias, circunstâncias e companhias de que poderemos nos arrepender.

E a reforma trabalhista anti patrão? E o corporativismo e o imposto sindicais? E o aparelhamento da máquina pública? E as invasões de propriedade? E o teto de gastos? E a censura à imprensa e às mídias sociais? E a relativização da ordem, da propriedade e dos costumes? E? E? E? Hein, hein?


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