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Estado de Minas Padre alexandre fernandes

Tipos inesquecíveis

"Dois tipos inesquecíveis, que quando cruzam nosso caminho nos deixam melhores do que éramos antes deles"


25/09/2022 04:00

Ilsutração

 
Ela era uma figura folclórica na pequena cidade mineira. Só usava roupa roxa, inclusive a inseparável sombrinha de um leve tecido nessa cor, com rendas que eram puro enfeite. Aos necessitados da cidade, ela agradava com o que chamava de “gostosuras”. Bolos, doces, biscoitos – tudo feito pela cozinheira na ampla cozinha do casarão da Rua Direita. Dizia que alimentos básicos eles já recebiam de outros. Colocava em cestas forradas com guardanapos de linho roxos – é claro – e fazia a distribuição. Preocupava-se porque Cristo pregava que a caridade devia ser praticada em segredo, mas reconhecia que assim, de roxo total, era notícia onde fosse. “Não tem jeito da minha mão esquerda não saber o que a direita faz, é a cidade inteira que sabe” – ela dizia.
 
O tempo foi passando, envelheceu e acabou tendo uma doença demorada, com recaídas constantes. O médico chamava os filhos do Rio e de São Paulo, altos funcionários executivos em bancos paulistas, um famoso arquiteto no Rio. Eles vinham, se reuniam com os irmãos mais novos, e logo iam embora porque ela sempre se recuperava. Numa das crises, acordou com os seis filhos ao redor da cama, tristes, esperando o pior. Ela não aguentou:
– Estou com vergonha de não morrer.
 
E continuou vivendo um bom tempo ainda. Filhos indo e voltando. Muito bom ir ao baú de lembranças (quem não tem?) e garimpar preciosidades esquecidas, resgatando sabedorias. Lembrar pessoas que nos tocaram afetiva e efetivamente ajuda a não deixar a amargura roubar a doçura. Como o bom humor dessa dama e o seu jeito de ser nobre se reconhecendo pobre. Tipos inesquecíveis são inesquecíveis para sempre.
 
Falei de uma mineira alegre e bem-humorada, e vou agora para um americano que viveu anos espalhando a bondade em seus programas dirigidos ao público infantil na televisão, fazendo sucesso ao longo de quatro décadas, no ar entre 1968 e 2001. Apresentador, músico e pastor, hoje tema de documentários, livros e um filme, “Um lindo dia na vizinhança”, estrelado por Tom Hanks, no papel de Fred Rogers, este também um tipo inesquecível, os dois exemplos saídos de histórias sagradas contadas por Jesus. Sofrendo bullying na infância, Rogers, pastor protestante, nunca falou uma linha sobre religião em seus programas; sua missão era pregar e praticar a bondade, pregar e praticar por toda a vida.
 
Falecido em 2003, Rogers contava que sua mãe, diante de um desastre, dizia que ele procurasse, pois encontraria as pessoas que estariam ajudando os feridos. “Sempre existirão pessoas atenciosas neste mundo durante os tempos de desastre”, ele dizia. E ele procurava os parceiros, os “ajudantes” de Deus. Aliás, durante uma entrevista, o apresentador declarou que não queria ir para o céu; ele “queria viver no céu aqui, agora, neste mundo”. 
 
E nos seus programas, ele tinha lições para ensinar não apenas a bondade, mas como se praticava a bondade. “Ele treinava todos os dias a praticar a bondade, treinava como um músico treinava os acordes de seu instrumento”, garantia sua assessora. E foi dando importância aos assuntos caros às crianças que Rogers falava sobre ciúme entre irmãos, o medo de cortar cabelo, o oftalmologista que examinava olhos infantis, mas não conseguia olhar os pensamentos das crianças. As músicas compostas por ele para serem tocadas nos programas eram mensagens de ternura, bondade e aceitação incondicional. “Eu gosto de você do jeito que você é”, frase recorrente em suas canções.
Dois tipos inesquecíveis, que quando cruzam nosso caminho nos deixam melhores do que éramos antes deles. Pessoas que nos passam como herança um caminho para a esperança. Parece que a mineira nos preparava um café para a vida inteira, naquela casa acolhedora onde, com certeza, era sempre uma agradável companhia para ela mesma. E o americano que praticava a bondade devia passar o dia usando mais interjeição do que suspiro, pois este pouco de Deus que Fred Roger oferecia a todos era sempre um pouco de Deus bem doce.

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