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Estado de Minas ENTRE LINHAS

Lembrai-vos de 1964, quando os militares inventaram ameaça comunista

Bolsonaro tenta se aproveitar da situação para se manter no poder, mesmo que perca a reeleição, com uma narrativa que nos remete há 57 anos


17/05/2022 04:00 - atualizado 17/05/2022 07:55

Jair Bolsonaro
Jair Bolsonaro segue fazendo ameaças golpistas, diante da possibilidade de perder a reeleição

 

O título da coluna é um trocadilho com o título do livro de Ferdinando Carvalho sobre a atuação do Partido Comunista Brasileiro (PCB), publicado pela Biblioteca do Exército, em 1981. Antes, o general havia escrito duas obras sobre o mesmo tema, porém ficcionais: “Os sete matizes do rosa” e “Os sete matizes do vermelho”, ambos em 1977. Àquela altura, a luta armada contra o regime militar havia sido dizimada, com seus lideres mortos, presos ou no exílio; o PCB estava quase completamente desbaratado e os remanescentes de seu comitê central, entre os quais Luiz Carlos Prestes e Giocondo Dias, viviam no exílio; embora defendesse a via eleitoral como formas de luta principal pela redemocratização, um terço dos seus dirigentes fora assassinado e apenas meia dúzia permanecera no país, na mais profunda clandestinidade.

 

Entretanto,  o que estava em curso era a abertura política, alargada e acelerada pelas sucessivas derrotas eleitorais do regime, cujo projeto de institucionalização como “democracia relativa” já havia fracassado. Batido nas eleições de 1974 e 1978, seria derrotado novamente, em 1982, depois da anistia política que trouxera de volta os exilados e às ruas os prisioneiros políticos. O general João Baptista Figueiredo, cada vez mais enfraquecido na Presidência, era desafiado pelos porões do regime, em atentados terroristas cujo desfecho foi a bomba do Riocentro, que explodiu no colo de um sargento e feriu um capitão do Exército ao seu lado. O artefato seria detonado no local onde se realizava um grande show artístico comemorativo do 1º de maio, com milhares de estudantes e sindicalistas.

 

Ferdinando de Carvalho fez a cabeça de muitos militares hoje reformados e alguns jovens cadetes e oficiais que voltariam ao poder com a eleição do presidente Jair Bolsonaro, entre eles o ex-ajudante de ordens de Sílvio Frota, o hoje general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência.  A matéria-prima de seus livros é o Inquérito Policial-Militar 7.098 (1964-1966), responsável por apurar as atividades do PCB no território nacional, que coordenou. Muito do que os militares e a direita ideológica brasileira hoje falam sobre a esquerda no Brasil é uma reprodução de suas teses, lançadas no começo dos anos 1980 como uma tentativa desesperada de impedir a redemocratização do país.

 

Domingo, recebi uma ligação do ex-deputado Marcelo Cerqueira, um dos líderes da campanha pela anistia, preocupado com a conjuntura política: “Estou me sentindo em 1963”. Diretor da UNE à época, Marcelo viveu intensamente o processo político que antecedeu o golpe militar de 1964.  Emoldurada pela Guerra Fria, a vitória de João Goulart no plebiscito para restabelecer o presidencialismo derivou para a radicalização, cujo desfecho foi a destituição do presidente da República. O comício da Central do Brasil, em 13 de maio de 1964, no qual Jango anunciou a decretação das reformas de base — que o Congresso havia rejeitado —, serviu apenas para acirrar ainda mais a crise, que desaguaria na sua destituição, em 31 de março daquele ano, com três navios da Marinha norte-americana ao largo do Espírito Santo, prontos para intervir.

 

Marcelo e o então presidente da UNE José Serra, hoje senador por São Paulo, estavam entre aqueles que tentaram jogar água fria na fogueira, como San Thiago Dantas. Os líderes estudantis chegaram a procurar o marechal Castelo Branco, que até então dizia defender a legalidade, nos esforços de apaziguamento, mas a rota de colisão entre os militares e Jango já era irreversível. E a maioria da opinião pública acreditava que o país caminhava para o comunismo, o que não era verdade.

 

O problema era outro. O principal líder do PTB, o partido de Jango, o ex-governador gaúcho e deputado federal Leonel Brizola, queria ser candidato a presidente nas eleições convocadas para 1965, mas era inelegível por ser cunhado do presidente da República. Os candidatos favoritos eram o ex-presidente Juscelino Kubitschek (PSD) e o então governador da Guanabara Carlos Lacerda (UDN). Juscelino era o candidato da conciliação; Lacerda, o do confronto. O líder comunista Luiz Carlos Prestes articulava a reeleição de Jango, em aliança com o PTB, o que provocou a ruptura da aliança com o PSD, que levara Juscelino ao poder em 1955.

 

RETROCESSO

 

Jango era um estancieiro gaúcho, de viés populista, formado no trabalhismo de Alberto Pasqualini e San Thiago Dantas. Não tinha nada de comunista. Se decidisse apoiar Juscelino, mantendo a aliança de 1955, muito provavelmente não teria ocorrido o golpe militar. Considerado imbatível, Juscelino era visto como um retrocesso pela esquerda, o que foi um grave equívoco. O retrocesso era o golpe militar. Com sinal trocado, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que lidera as pesquisas para a Presidência, também é visto como um retrocesso por amplos setores da sociedade. O presidente Jair Bolsonaro tenta se aproveitar da situação para se manter no poder, mesmo que perca a reeleição, com uma narrativa que nos remete ao ambiente pré-golpe militar de 1964, na percepção daqueles que viveram aqueles momentos. Entretanto, os tempos são outros.

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