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Estado de Minas Entre linhas

O golpismo disfarçado com a proposta de nova Constituição Federal

Mudanças na Carta Magna só podem ser feitas por três quintos dos membros da Câmara e do Senado


27/10/2020 04:00 - atualizado 27/10/2020 07:27

Bolsonaro teria interesse em nova Constituição porque poderia ter mais poderes sobre o Judiciário(foto: EVARISTO SÁ/AFP %u2013 25/10/20)
Bolsonaro teria interesse em nova Constituição porque poderia ter mais poderes sobre o Judiciário (foto: EVARISTO SÁ/AFP %u2013 25/10/20)
O Chile decidiu em plebiscito convocar uma Constituinte formada por homens e mulheres, meio a meio, e sem a participação dos atuais mandatários, somente cidadãos. Foi o desfecho de um processo de insatisfação popular com o “Estado mínimo” chileno, uma herança do ditador Augusto Pinochet, consagrada na Constituição de 1980.

Muita coisa mudou desde então, com sucessivas reformas constitucionais, mas o estigma de uma Carta pinochetista, ou seja, de inspiração fascista, havia permanecido, assim como o caráter privatista de uma legislação que não contemplava os direitos sociais. A convocação da Constituinte chilena, portanto, era uma questão de tempo e representará o fim de um ciclo político de 40 anos de transição do autoritarismo para a democracia plena.

É uma situação completamente diferente da nossa. Temos uma Constituição social-liberal, cujo preâmbulo diz que o nosso Estado democrático é “destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias”.

Nossa Constituição foi fruto, simultaneamente, de um amplo processo de mobilização da sociedade e de um pacto de transição à democracia com os militares, que haviam sido derrotados com a eleição de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral, em 1985, mas se retiraram do poder em ordem.

Entretanto, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), no embalo das notícias sobre o Chile, propôs um plebiscito para elaborar nova Constituição para o nosso país. Não é uma tese nova, a ex-presidente Dilma Rousseff, após as manifestações de junho de 2013, por exemplo, namorou essa ideia, que foi prontamente rechaçada pelos políticos e pelos juristas. Agora, a proposta vem do outro lado do espectro político, com propósitos muito suspeitos, porque sabemos que o presidente Jair Bolsonaro gostaria de uma Constituição que lhe desse mais poderes em relação ao Judiciário e ao próprio Legislativo.

Muitos criticam a Constituição de 1988 porque é social-liberal. O pomo da discórdia é o seu artigo 3º, segundo o qual “constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: (I) construir uma sociedade livre, justa e solidária; (II) garantir o desenvolvimento nacional; (III) erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; (IV) promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. A existência desse dispositivo, principalmente quanto à economia e aos direitos sociais — ou seja, exatamente aquilo que os chilenos, ao aprovar a convocação da sua Constituinte, pleiteiam —, sempre incomodou os setores mais conservadores da nossa sociedade.

Mais poderes


No nosso caso, muitos podem achar que papel aceita tudo e que as coisas não funcionam por causa da Constituição de 1988. Não é verdade. Como diz o ex-deputado Miro Teixeira, um dos constituintes, nosso problema é cumpri-la. O que vem acontecendo ao longo dos anos é que o Supremo Tribunal Federal (STF), cuja missão é zelar pelo respeito à Constituição, vem sistematicamente tomando decisões que obrigam ao cumprimento de diversos dispositivos desse artigo, sobretudo em relação às liberdades e à igualdade de direitos. Uma parte das críticas à “judicialização da política”e às decisões do Supremo que resultam do exercício desse papel, como “poder moderador”, ainda mais quando atua para garantir direitos relativos a mudanças nos costumes ou para conter abusos dos governantes.

Pode ser que Ricardo Barros tenha anunciado a proposta para agradar ao chefe, mas é ilusão imaginar que o líder do governo é um bobo da corte. Parlamentar experiente, que há muitos anos lidera setores conservadores do Congresso, viu no plebiscito chileno uma oportunidade. Muitos gostariam de mudar a Constituição por maioria simples, como acontece nas constituintes. Hoje, essas mudanças só podem ser feitas por três quintos dos membros da Câmara e do Senado, em duas votações, sendo que são cláusulas pétreas, ou seja, não podem ser alteradas: (I) a forma federativa de Estado; (II) o voto secreto, direto e universal; (III) a separação dos poderes; (IV) os direitos e garantias individuais. Agora mesmo, a propósito da polêmica sobre a obrigatoriedade da vacina contra o novo coronavírus, Bolsonaro investiu contra o Judiciário com o argumento de que a Justiça não pode decidir sobre esse assunto, embora esteja diretamente relacionado à teoria do dano direto e imediato, consagrada no nosso Código de Processo Civil. Bolsonaro, por diversas vezes, investiu contra o Supremo por acreditar que o fato de ter sido eleito presidente da República lhe dá poderes maiores do que aquele que a Constituição lhe atribuiu. Mudar a Constituição, inclusive para alterar a composição da Suprema Corte e amordaçar a imprensa, reprimir a oposição e se reeleger sucessivas vezes, foi o estratagema de muitos governantes eleitos que governam seus países autoritariamente.

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