(none) || (none)

Continue lendo os seus conteúdos favoritos.

Assine o Estado de Minas.

price

Estado de Minas

de R$ 9,90 por apenas

R$ 1,90

nos 2 primeiros meses

Utilizamos tecnologia e segurança do Google para fazer a assinatura.

Assine agora o Estado de Minas por R$ 9,90/mês. ASSINE AGORA >>

Publicidade

Estado de Minas ENTRE LINHAS

Brasil deve refletir sobre vitória do peronismo na Argentina e protestos no Chile

Ninguém sabe muito bem o que vai acontecer na Argentina e no Chile. O melhor mesmo é tentar entender o que se passa por aqui. Na verdade, somos muito diferentes


postado em 29/10/2019 06:00 / atualizado em 29/10/2019 08:45

Argentinos comemoram eleição de Alberto Fernández, que junto à revolta dos chilenos alteram jogo político na América do Sul(foto: Ronaldo Schemidt/AFP)
Argentinos comemoram eleição de Alberto Fernández, que junto à revolta dos chilenos alteram jogo político na América do Sul (foto: Ronaldo Schemidt/AFP)

A velha canção de Caetano Veloso me vem à lembrança por causa do refrão: “Alguma coisa/ Está fora da ordem/ Fora da nova ordem/ Mundial...(Várias vezes)”. Ela fala do pequeno traficante nas ruínas de uma escola em construção, de meninos e meninas ganindo para a lua, de crianças que mordem os canos de pistolas, dos ianomâmis na floresta... Mas não perde o otimismo: “Eu não espero pelo dia/ Em que todos/ Os homens concordem/ Apenas sei de diversas/ Harmonias bonitas (...)”

“Aqui tudo parece/ Que era ainda construção/ E já é ruína”, adverte o poeta. A crise do governo Sebastián Piñera, no Chile, e a vitória eleitoral do peronista Alberto Fernández, na Argentina, embaralharam o jogo político na América do Sul e provocam reflexões sobre o que pode acontecer no Brasil. Estamos diante de uma espécie de El Niño político.

O fenômeno climático é provocado por um aquecimento anormal das águas de superfície do oceano Pacífico Equatorial, na altura do Peru, que influencia o clima no Brasil e todo o Cone Sul.

Com a aprovação da reforma da Previdência e a expectativa de que um pacote de medidas administrativas e fiscais do governo está para ser anunciado, havia muito otimismo no mercado em relação ao início de um novo ciclo de expansão da economia, moderado, mas consistente.

A crise do Chile, cujos indicadores econômicos são melhores do que os nossos, mostrou que a economia moderna e competitiva do vizinho escondia um país sem rede de proteção social e com desigualdades gritantes, sobretudo na distribuição de renda.

A derrota de Mauricio Macri era pedra cantada, mas nem por isso merece ser desconsiderada. A volta dos peronistas ao poder sinaliza que os argentinos colocaram em segundo plano as denúncias de corrupção contra a ex-presidente Cristina Kirchner, agora vice mandatária do país, mais uma vez.

O fracasso de Macri pode ser visto por vários ângulos, mas o fato é que seu governo frustrou as expectativas de crescimento e bem-estar social da população. A nova ressurreição peronista anima os petistas a sonhar com volta por cima do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A reação do presidente Jair Bolsonaro às mudanças nos dois países era a previsível. No caso do Chile, viu nos protestos uma conspiração da Venezuela e de Cuba; no da Argentina, a retomada do projeto bolivariano pelo novo presidente eleito, que gritou “Lula livre!” no comício de comemoração da vitória eleitoral. A rigor, ninguém sabe muito bem o que vai acontecer nos dois países. O melhor mesmo é tentar entender o que se passa por aqui. Na verdade, somos muito diferentes.

O esgarçamento social também no Brasil, os indicadores de violência mostram sua face mais brutal. Apesar da queda do desemprego e da criação de vagas formais, temos um exército de 28 milhões de pessoas “subutilizadas”, sendo 12,5 milhões no desemprego total, principalmente nas faixas de 18 a 29 anos de idade e acima de 55 anos. Ou o governo Bolsonaro enfrenta esse problema ou os cenários chileno e argentino entrarão no radar dos investidores: ninguém quererá investir num país em risco de convulsão política e social.

Sangue-frio

As declarações de Bolsonaro contra a guinada à esquerda nos países vizinhos e de que as nossas Forças Armadas estarão preparadas para reprimir eventuais protestos da oposição, ao contrário de dar segurança aos investidores, sinalizam mais problemas, ou seja, riscos à nossa democracia.

A renúncia de oito ministros e o recuo de Piñera em relação aos protestos, que foram duramente reprimidos, são um alerta de que nos dias de hoje essa estratégia não é a melhor opção. Por outro lado, a comparação com a Argentina é boa para a oposição, mas é burra para o governo: estamos a mais de três anos das eleições presidenciais. É nessas horas que o sangue-frio faz a diferença.

Voltando à canção do Caetano Veloso, a verdade é que alguma coisa está fora da ordem. Os sinais vêm de toda parte. Citando Alexis de Tocqueville (1805-1859), em análise da Revolução Francesa (“à medida que a situação econômica melhorava, os franceses achavam sua posição cada vez mais insuportável”), o cientista político Marcus André Melo, ontem, na Folha de São Paulo, destacava: “Revoltas e protestos resultam do descompasso entre aspirações e capacidade para materializá-las (“privação relativa”), que aumenta se as expectativas são constantes, mas a capacidade diminui (um choque econômico); se as expectativas elevam-se, mas a capacidade permanece constante (modernização acelerada); ou quando ambos aumentam, mas a capacidade não acompanha as expectativas na mesma proporção (fim de um boom de commodities)”.

Bolsonaro gerou muitas expectativas na população, em algum momento a conta terá que ser paga. Deveria levar mais em conta esses cenários.
 

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)