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Estado de Minas TIRO LIVRE

De Pelé a Maradona e Senna: um ensaio sobre o adeus aos ídolos do esporte

Tantos que vivem por aí em eventos badalados e que não tiraram um tempo para, num gesto de respeito, despedir-se do Rei


05/01/2023 20:18 - atualizado 05/01/2023 20:26

Caixão com o corpo de Pelé é levado para dentro do prédio do cemitério vertical, onde foi sepultado
Pelé foi sepultado no dia 3 de janeiro de 2023, em Santos (foto: Nelson Almeida/AFP)
Meus últimos dias foram de imersão no adeus a Pelé. Todos os minutos que se passaram, desde o anúncio da morte do maior atleta de todos os tempos. Nada escapava ao olhar, aos ouvidos, ao pensamento. Era como se o mundo se limitasse àqueles últimos momentos do craque em Santos – que são mera passagem de tempo, diante da eternidade do Rei, mas não deixam de emocionar.

Não foi só por dever jornalístico, mas também pelo ofício, já que, em datas especiais, como Natal e réveillon, é feita uma escala, com divisão de turmas para o trabalho. Calhou que, no apagar de 2022 e no raiar de 2023, me coube a missão de estar na equipe que noticiaria, nas páginas do jornal Estado de Minas e no Portal Superesportes, a despedida ao homem que imortalizou a camisa 10.

Para quem gosta de futebol e entende o que é Pelé, nada parece ser suficiente. Fica a sensação de que ele merecia mais, de que precisamos homenageá-lo mais. Reverenciar o que ele foi, o que ele é.

De tudo que vi e li, ficou bem claro para mim, como jornalista e fã, que nem todo mundo tem a percepção do que ele deixou como legado. Do que ele representou como atleta, além das quatro linhas. Da dimensão para a história. E desse grupo fazem parte muitos colegas de profissão de Pelé.

A ausência, no velório dele, de figuras relevantes da comunidade esportiva mundial, especialmente brasileira, incluindo os campeões das Copas de 1994 e 2002, chocou. Figuras como Ronaldo, Kaká, Ronaldinho Gaúcho, Roberto Carlos...

Nem atletas que atuam no Brasil e estavam de férias se fizeram presentes. Treinadores, presidentes de clubes... A lista é grande. Tantos que vivem por aí em eventos badalados e que não tiraram um tempo para, num gesto de respeito, despedir-se do Rei. 

O jornal inglês "The Guardian" lembrou, em um artigo, que o ex-jogador David Beckham ficou 12 horas na fila, entre reles mortais, para passar diante do caixão da rainha Elizabeth II, enquanto a morte de Pelé foi tratada com certo descaso. No máximo, um post em rede social.

As 24 horas do funeral não foram suficientes para que se deslocassem até Santos - muitos deles têm até jatinho, nem precisavam comprar passagem em voo comercial. 

Outras comparações foram inevitáveis. Doze campeões do mundo, entre jogadores e integrantes da comissão técnica da Argentina, estiveram no velório de Maradona, em 2020 - que recebeu também quatro presidentes de grandes clubes do país e cinco ex-capitães da alviceleste.

No enterro do piloto Ayrton Senna, em 1994, o caixão foi carregado por 14 pilotos, brasileiros e estrangeiros. Entre eles, estavam os campeões mundiais Emerson Fittipaldi, Alain Prost e Jackie Stewart. O de Pelé entrou na Vila Belmiro carregado pelos filhos e por seguranças do Santos.

Os comentários de leitores/internautas em matérias que relatavam tal ausência também eram chocantes. "Era obrigado a ir?" questionou um deles.

O goleiro Marcos, ex-Palmeiras e Seleção Brasileira, claramente incomodado com tal repercussão, talvez tenha sido o mais infeliz na justificativa, alegando que "ninguém havia ido ao velório dos pais dele, que eram os 'verdadeiros Reis' para ele". Comparação no mínimo esdrúxula. Nem dá para comentar muito. Mas houve quem o apoiasse, como o jornalista Milton Neves (que chorou diante do caixão de Pelé) e o dirigente Alexandre Mattos. 

Reportagem da Folha de S. Paulo dessa quarta-feira (4/1) trouxe um fato curioso: de que a mesma omissão ocorreu no enterro de Garrincha, em 1983.

Inclusive, reproduziu uma frase dita, na época, pelo zagueiro Brito, titular da Seleção Brasileira campeã mundial em 1970, no México. "Que não venham com desculpas de treinos. Durante a noite, só não foi quem não quis. Isso prova que o jogador brasileiro não tem sentido de classe. Até os clubes me decepcionaram. Deveriam ter obrigado seus jogadores a comparecer, em forma de delegação."

Na mesma ocasião, o zagueiro Bellini, capitão do título de 1958, afirmou: "O futebol brasileiro, por seus grandes ídolos, está dando mau exemplo para o mundo". E continua dando.

Difícil entender. Ou talvez seja melhor não entender mesmo.

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