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Estado de Minas TIRO LIVRE

A sintonia entre Ronaldo, Pezzolano e a China Azul na Série B

Só quando reconheceu e abraçou seus demônios, o cruzeirense, das arquibancadas, encarnou o espírito que o time precisa para impulsioná-lo de volta à elite


19/05/2022 18:43 - atualizado 03/06/2022 09:31

Torcedores do Cruzeiro durante jogo no Mineirão
Torcedores do Cruzeiro têm enchido estádios e passado força ao time em 2022 (foto: Ramon Lisboa/EM/D.A Press)
Nos anos 1970, quando o escritor e cronista do Estado de Minas, Roberto Drummond, cunhou o termo China Azul, para denominar a torcida do Cruzeiro, ele associou a numerosa população do país asiático à rápida expansão dos cruzeirenses em Belo Horizonte e no interior de Minas Gerais com as conquistas da Taça Brasil de 1966 e da Copa Libertadores de 1976.

Sem que imaginasse, um dos mais icônicos atleticanos estava naquele momento criando uma alcunha que acompanharia os torcedores celestes ao longo de sua história, em capítulos dos mais diversos. No atual, a China Azul é voz, pernas e braços a impulsionar o time em campo.

Hoje, é possível dizer que os torcedores estão se permitindo viver de verdade a Série B do Campeonato Brasileiro. Nenhum clube de primeira grandeza quer passar por ela, o que dirá ficar três temporadas no segundo escalão do futebol nacional. Mas ignorá-la nunca foi tática inteligente. Fingir que o problema não existe não é resolvê-lo.

Só quando reconheceu e abraçou seus demônios – a partir da dura realidade financeira, que leva, naturalmente, a uma limitação técnica do grupo –, o cruzeirense, das arquibancadas, encarnou o espírito que o time precisa para impulsioná-lo de volta à elite. 

Para quem se acostumou a enfileirar conquistas, esse processo não é fácil. Ganhar é viciante. Cria uma sensação de poder que parece inabalável. Aí vem a queda para mostrar que a vida é feita de transitoriedades, que nada é eterno. Nem o amor, nem a dor. Essa renovação, inclusive, é o que nos mantém de pé.

Essa mudança de chave está visível nesta temporada. Se for para pontuar um momento da virada, arriscaria dizer que foi o último jogo do ano passado. Mais precisamente, em 25 de novembro de 2021. O placar da partida não importa, ficou totalmente em segundo plano. Porque quase 60 mil pessoas decidiram, naquele exato dia, reescrever uma história.

Na coluna Tiro Livre daquela semana, o que se viu no Mineirão foi descrito desta forma: "A festa feita no Mineirão foi digna de comemoração de título. E assim pode ser entendido todo aquele cenário: eles estavam ali pela dignidade. Não se viam olhos raivosos ou desanimados. Não havia torcedor chamando jogador de "mercenário", mostrando notas de dinheiro, destilando todo tipo de impropério para expressar revolta, como é comum em situações semelhantes. Houve emoção. A torcida do Cruzeiro cantou, agitou bandeiras, abraçou o time. Ela lhe deu abrigo - ressalte-se, ao time, e não especificamente aos jogadores que estavam em campo. Talvez muitos deles nem estarão lá na próxima temporada. O que se viu no Mineirão extrapolou nomes. Era pela camisa. Pelas cinco estrelas. Por uma equipe que já escreveu páginas heroicas e precisa reconquistar esse espaço".

Aquela despedida de 2021 criou um forte elo para 2022. O cruzeirense está se permitindo ver o time na Série B com orgulho no peito, pais e filhos juntos no estádio, cantando o hino, festejando os gols de Edu, as defesas de Rafael Cabral... Tudo isso, porém, não é gratuito. Passa por um alicerce importante, chamado confiança. E dois nomes foram determinantes para alimentar essa simbiose.

O primeiro é o ex-atacante Ronaldo, encarado pela torcida celeste como um contraponto a tudo de ruim que diretorias anteriores fizeram ao clube. Essa condição fez com que fosse alçado à condição de quase semideus – o que nunca é saudável, diga-se –, com carta branca para gerir os rumos da Raposa. Esse apoio praticamente incondicional já rendeu cenas questionáveis, como a intimidação a conselheiros no dia da votação final da aprovação da venda da SAF. Nenhuma devoção extrema é benéfica.

Passemos então para o segundo, que nada mais é que o maior gol do Ronaldo empresário, e está no banco da Raposa: Paulo Pezzolano. O uruguaio abraçou o projeto, encorpou o grupo, deu ao time cara, cérebro e coração.

Não quer dizer que todos os problemas cruzeirenses acabaram e que é só ligar o piloto automático rumo à elite. Tropeços virão. Períodos de instabilidade também. Mas é possível ver claramente a ideia de jogo do treinador celeste. E isso é um grande começo.

Na Série B, grandes histórias são construídas assim, de forma genuína. Baseadas na sintonia torcida-equipe, na confiança mútua, sem vaidades, discursos prontos ou grandes promessas, artimanhas dignas dos falastrões. Não é disso que o Cruzeiro precisa agora.

Driblar as armadilhas que surgirão nesta caminhada é a grande missão de Ronaldo, Pezzolano, Edu e companhia.     

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