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Estado de Minas HELVÉCIO CARLOS

Luiz Paixão comemora 45 anos dedicados ao teatro

Em entrevista à Coluna Hit, diretor da Companhia de Teatro, critica a política cultural do governo federal e fala do livro em homenagem a Delcir da Costa


06/06/2022 04:00

Peça de teatro Capitão fracasso, do diretor Luiz Paixão
''Capitão fracasso'', dirigido por Luiz Paixão, participou em formato on-line de 15 festivais internacionais (foto: Companhia de Teatro/DIVULGAÇÃO)

A pandemia sempre será lembrada pelos inúmeros prejuízos registrados em vários setores. Mas, em alguns casos raríssimos, que fique bem claro, mudanças abriram uma trajetória. A Companhia de Teatro, por exemplo, levou o espetáculo “Capitão fracasso” para 15 festivais internacionais, em seis países diferentes (Bolívia, Colômbia, Cuba, Equador, México e Peru), tornando o grupo referência no teatro latino-americano. "Se a pandemia, apesar de romper com a sagrada relação ator-público, teve alguma coisa de positivo, foi essa abertura que permitiu a internacionalização da Companhia de Teatro, num processo que para nós é irreversível. Uma integração fantástica", diz o diretor Luiz Paixão.

No ano em que comemora seus 45 anos de carreira no teatro, Luiz Paixão critica a forma como a cultura está sendo tratada. “O que tem acontecido com a cultura e a arte no Brasil já havia sido anunciado na campanha eleitoral de 2018. A guerra cultural seria deflagrada pelo bolsonarismo de forma implacável. Estávamos cientes disso, e ele veio com tudo pra cima de nós, sem perceber que arte e cultura serão sempre meios de contestação", disse. 

Na entrevista a seguir, Paixão fala também do livro “Rabiscos de vida – Apontamentos de um psiquiatra apaixonado pela arte”, que escreveu em homenagem a Delcir da Costa e faz balanço dos 45 anos dedicados ao teatro.

Qual a importância de Delcir da Costa nos vários setores em que tem forte atuação?
Delcir da Costa é um homem que estabeleceu ao longo de sua vida uma profunda ligação com a arte e a cultura. Está entre os grandes colecionadores de arte do país. Tem seu nome respeitado entre os maiores artistas brasileiros, que fazem ou gostariam de fazer parte de sua coleção, e essa é a primeira característica da importância de um colecionador. Além da sua coleção, o Delcir sempre empenhou o seu apoio aos artistas que o procuraram, seja na organização de exposições ou na produção de catálogos, sempre ao lado de sua companheira de vida, Regina Costa. No teatro, em 1986, ele produziu o meu espetáculo “Fascinação”, que foi sua primeira produção, e a partir daí se dedicou durante alguns anos à produção de espetáculos de qualidade, e que obtiveram um destaque no cenário teatral da cidade. Ele se afastou do teatro durante uns anos, e agora pretende voltar a produzir. Estamos discutindo uma parceria em nosso novo espetáculo. É importante destacar que o Delcir da Costa não é apenas um mecenas, ele teve uma apurada consciência da necessidade de se investir em arte, pois compreende o valor da arte como substancial na formação cultural e cidadã da sociedade. Sua postura diante da arte é uma postura social e política, no sentido mais amplo e significativo dos aspectos social e político.

Por que a opção de um livro com reflexões e não uma biografia do homenageado?
Particularmente, não gosto desse tipo de biografia, que invade a privacidade e a individualidade do biografado. Acho isso muito oportunista, e visa a uma relação com o leitor que não me interessa. Quando o Delcir da Costa me convidou para escrever o livro, nós discutimos muito sobre isso e  ele concordou com os meus argumentos, deixando claro que não queria essa exposição de sua privacidade. Então, o que nos interessou foi discutir o seu pensamento sobre arte, cultura, psiquiatria e sobre o artista que ele é, pois o poeta e o artista plástico completam nele sua profunda intimidade com a arte. O projeto do livro foi todo inspirado em provocar reflexões sobre esses temas, sobre a vida concreta e a realidade que estávamos enfrentando naquele momento. A única parte, digamos assim, mais íntima, é a que trata de sua infância e adolescência em sua cidade natal, no Vale do Jequitinhonha. E isso é fundamental para se entender o homem que se forjou a partir de seu contato com a cultura extremamente rica e vigorosa do Jequitinhonha. Sua herança cultural é observada em seus poemas e em sua posição diante da vida. Por outro lado, sua pintura tem muito a ver, na minha opinião, com a psiquiatria, e é uma obra de uma força muito grande.“

Este ano você completa 45 anos de carreira. Qual o balanço que você faz da sua trajetória?
Completar 45 de maneira ininterrupta, antes de mais nada, é marca da resistência, da teimosia de fazer arte num país que insiste em criar tantos obstáculos para sua manifestação plena. Eu sou muito feliz por ter optado pelo teatro, que dizer, acho mesmo que foi o teatro que me sequestrou. Eu comecei com 19 anos, não tinha a menor noção de que iria dedicar minha vida ao teatro. Nunca me arrependi, e tenho certeza de que não vou me arrepender de permitir que o teatro tenha me atingido de maneira tão definitiva. Acho que tenho – ainda que isso possa parecer arrogante – uma obrigação de retribuir ao teatro toda alegria, felicidade e, algumas vezes, frustração que ele me proporcionou. Hoje, tenho me dedicado muito a refletir sobre teatro. Tanto a minha dissertação de mestrado quanto a minha tese de doutorado são sobre teatro, tenho escrito artigos, realizado palestras na América Latina, estou com um livro para ser publicado que trata sobre o trabalho do ator no teatro de Bertolt Brecht. Acho que ele pode contribuir muito para o estudo da cena brechtiana, sempre tão incompreendida. 

Ao longo dessas mais de quatro décadas, o que mudou em sua relação com o teatro?
Na verdade, acho que o que aconteceu comigo foi o aprimoramento de minha consciência artística e social em relação ao teatro. Sempre acreditei, e continuo acreditando, que é necessário se comprometer social e politicamente em favor de uma sociedade mais justa e solidária. É dessa consciência de que falo, isso foi se aprofundando e atingindo um nível bem mais elevado, o que provocou também um aprimoramento no meu teatro, tanto na escrita dramatúrgica quanto nos processos de encenação. Continuo acreditando e lutando pela utopia de uma sociedade em que não precisemos mais assistir ao que estamos assistindo hoje: pessoas se chafurdando nos ossos e pelancas para conseguir se alimentar; que um ser humano não seja vítima de uma situação como a do Genivaldo, que ultrapassa todos os limites da violência policial para chegar no limites mais terríveis da crueldade humana, quase nazista; que o presidente do país não ache graça em imitar uma vítima da COVID morrendo por não conseguir respirar. É muito triste você viver num país em que essas coisas estão cada vez mais se naturalizando. Um governo que vive na mentira e da mentira. Eu não uso mais a expressão fake news, porque para mim é uma metonímia que tende a minimizar a mentira. A fake news se normalizou, se naturalizou, precisamos resgatar a força e o valor da palavra mentira, que é ao que estamos assistindo todos os dias. A metonímia fake news não pode continuar substituindo e abrandando a terrível mentira que nos é escarrada na cara todos os dias, todas as horas. O que mudou no meu teatro: hoje, ele é mais maduro, mais consistente esteticamente, traduz de uma maneira mais elaborada as contradições da nossa sociedade sem o radicalismo dos anos da ditadura, mas com a consciência da necessária transformação.

Não há lado bom na pandemia, mas, por causa dela, companhias de teatro rodaram o mundo através das transmissões on-line...
A pandemia foi devastadora em todos os sentidos. Mas também, apesar de tudo que o mundo sofreu, e que nós brasileiros sofremos na carne, é preciso ter clareza de que alguma coisa mudou nesse período. A modalidade virtual de festivais de teatro possibilitou um intercâmbio extraordinário entre os fazedores de teatro. Acho que o teatro latino-americano sai fortalecido com essa expe riência. E acredito também que a tendência dos festivais internacionais é adotar a modalidade híbrida, em que o presencial e o virtual possam conviver.

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