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Estado de Minas DA ARQUIBANCADA

Vêm aí as S.A para acabar de aniquilar a poesia no futebol

O poderio financeiro chegou para impor um 'novo normal' ao esporte, matando de vez a paixão espontânea dos torcedores


01/09/2021 04:00

O Cruzeiro aponta o modelo nefasto de clube-empresa como única saída viável para sobreviver: será mesmo? (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press - 14/8/21)
O Cruzeiro aponta o modelo nefasto de clube-empresa como única saída viável para sobreviver: será mesmo? (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press - 14/8/21)


“Fora, Zuzita! Fora, Zuzita!” O coro forte vinha pelo rádio, encostado na mesa farta de quitandas, na cozinha de Dona Albertina. Ela apavorou-se ao escutar o som de centenas de vozes gritando o nome da filha, quando, na verdade, esperava a transmissão do clássico entre o Formiga Esporte Clube e o Vila Esporte Clube. O desespero se agravou quando o locutor voltou a narrar as jogadas da acirrada peleja sem ao menos explicar para os ouvintes o motivo dos apupos contra Zuzita.

Formigão X Leão do Oeste, já naquela época, década de 1940, era um dos maiores clássicos do interior mineiro. Quando se enfrentavam, a cidade de Formiga parava e se dividia. Dois arquirrivais, porém, ambos azulões. O primeiro de camisas com listras celestes e brancas. Já o segundo, manto todo azul; apenas as golas alvas.

Oswaldo era Formiga. Zuzita, fervorosamente Vila. Mas na tarde daquele domingo, ela não abriu mão de ir junto com o companheiro para o estádio. Seu fanatismo era conhecido por todos e, sendo assim, logo foi percebida em meio a torcida adversária. Daí, o coro pedindo a sua retirada das arquibancadas da ala listrada.

Certamente, naquela tarde de clássico, entre os que pediram em coro a retirada da “vilense” Zuzita estava o jovem pedreiro Juca Martins. Se ela era apaixonada pelo Leão do Oeste, ele, em proporções ainda mais gigantescas, era devoto do Formigão. Anos antes, em 1938, o próprio Juca ajudou a construir as arquibancadas do estádio do seu time de coração. Era um tempo do futebol puro, alegre, respeitoso e movido não pelo dinheiro, mas, sim, pela simples paixão de se divertir e sonhar.

Anos mais tarde, Zuzita e Oswaldo se mudaram, levando o “amor rival” pelos dois clubes formiguenses. Já na cidade, ficou o lendário pedreiro. E uma nova história inesquecível estava prestes a ser vivida na mesma arquibancada do Formiga Esporte Clube. A convite de um dirigente, ele teve a oportunidade do inimaginável para um torcedor apaixonado. Ergueu sua própria casa dentro do estádio. Amor é zelar. A partir daquele dia, Seu Juca tornou-se o eterno zelador do campo que ajudou a construir para seu time do coração.

A poesia das pelejas entre o Formiga e o Vila, nos domingos ensolarados, por ora, não existe mais. O futebol da pureza, do lazer, das Zuzitas e dos Jucas, dos sonhos movidos apenas pela subjetividade da paixão também se foi. O Futebol S.A. e os placares movidos ao poderio financeiro definitivamente chegaram para devastar toda e qualquer possibilidade do improvável.

Nas últimas semanas, num mundo mergulhado numa tragédia humanitária e ambiental, transações de jogadores movimentaram absurdos bilhões de dólares. No Brasil, os clubes-empresa, os agiotas da bola, os mecenas se tornaram o retrato do futebol “moderno”.

Para qualquer lado onde se olha, seja a realidade que for, o Futebol Finança se tornou uma praga incontrolável. Para o Cruzeiro, se render ao modelo nefasto de clube-empresa tornou-se a única saída viável para sobreviver. Para o Flamengo, a saga é multiplicar as benesses financeiras oriundas de décadas de privilégios midiáticos e de recursos públicos. Para clubes como o Palmeiras e o Atlético de Lourdes, ter o sustento vindo de bilionários, num país onde essa anomalia se multiplica em meio a um desastre social, não causa qualquer constrangimento.

Com o dinheiro de especuladores, o Cruzeiro volta à Série A? O bilionário comprará uma nova realidade para o eterno incompetente Atlético de Lourdes? Agiotas F.C. continuarão regados “esportivamente” com dinheiro vindo da exploração da miséria financeira de milhares de famílias? Ainda é cedo para dizer, mas, com certeza, o dinheiro desse “futebol moderno” escancarado no noticiário das últimas semanas será o único artilheiro, o inusitado camisa 10, o melancólico craque desse novo esporte.

O radinho na cozinha de Dona Albertina, lá em Formiga, esse não volta mais. Ficou perdido no tempo, saudoso, pois o futebol, para sempre, deixou de ser poesia aos seus ouvidos.

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