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A história celeste construída também por nossas mulheres

As memórias de uma cruzeirense que cresceu com o azul como uma segunda pele, do Barro Preto ao Mineirão


postado em 01/07/2020 04:00 / atualizado em 30/06/2020 21:47

Ângela Azevedo (C), relações-públicas nos anos 1980, em partida da equipe feminina: como tantas mulheres, ela é parte da história do Cruzeiro(foto: ARQUIVO PESSOAL)
Ângela Azevedo (C), relações-públicas nos anos 1980, em partida da equipe feminina: como tantas mulheres, ela é parte da história do Cruzeiro (foto: ARQUIVO PESSOAL)
Racismo, homofobia, invisibilidade e violência contra as mulheres, xenofobia e tantas outras aberrações pandêmicas. Num conceito de Cruzeiro de todos e de todas, nada disso pode ser tolerado. É preciso tocar sempre nessas feridas (ou seriam pragas?). Não apenas em datas comemorativas, pois se esses absurdos não existissem, não seriam necessárias datas para lutar contra eles. Pensando nisso, convidei a cruzeirense Uiara Azevedo para assumir a crônica desta semana. A voz, letra e memória são dela. Boa leitura!

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Passei parte da minha infância no Barro Preto, eu e minha irmã mais velha. E, diferentemente das crianças que frequentavam a piscina rasa, tínhamos também acesso às dependências administrativas do Cruzeiro. Por várias vezes, subi para a silenciosa salinha do meu avô, o seu Azevedo. Ali, fosse o João “Capeta”, funcionário com várias funções no clube, ou importantes diretores, todos passavam por mim, tocando a mão na minha cabeça e dizendo o quanto eu estava crescendo. Meu avô foi zagueiro do Palestra e do Cruzeiro por 10 anos. Era muito alto, tímido, calado, um pouco ranzinza (puxei isso dele). Ele usou uma das camisas mais bonitas de nossa história, a de 1945, com o escudo redondo e uma cordinha na gola, que era puro charme.

Todos sabiam que eu e minha irmã Ludmila éramos netas do zagueiro Azevedo, mas nos conheciam mesmo como as meninas da Ângela, nossa mãe e relações-públicas do Cruzeiro àquela época, na década de 1980, num tempo em que apenas o clube celeste, com a lendária Ignes Helena e minha mãe (posteriormente, com a Rita de Cássia), tinha mulheres em cargos de responsabilidade no futebol brasileiro. A sala dela brilhava com taças em dourado e prata. Era muito agitada e tínhamos de ficar quietas para não atrapalhar – o que devia ser um infortúnio para a minha irmã, já que ela era mais falante, esperta e atentada.

Não tive a oportunidade de ver nenhum jogo do Cruzeiro com a minha mãe no Mineirão. Ela sempre estava trabalhando (mulheres e suas triplas jornadas). Era uma dedicação total ao Cruzeiro. Então, supria isso me alimentando de histórias, como a camisa amarela do goleiro Raul e a sua favorita, sobre a China Azul. Até hoje lembra o cronista atleticano (ela adora pontuar esse detalhe) Roberto Drummond chamando assim a nossa torcida, porque ela não parava de crescer nos anos 1960 e 1970, devido à quantidade títulos – ele, então, teve de admitir em uma bela crônica que somos populosos como a China.

Quem me levava ao jogos era o meu pai – as melhores lembranças que tenho de nós dois quando ele era vivo. Tradicional torcedor de radinho na orelha, sentava no melhor ângulo, na percepção dele, e saía do campo faltando cinco minutos para acabar a partida, para não pegar trânsito na Catalão.

Quando li sobre a atuação da minha mãe no futebol e no Cruzeiro, entendi que ambos quebraram tabus, especialmente em uma época muito mais machista do que é hoje. Meu amigo Bruno, que tem as referências femininas mais marcantes em sua criação, me relatou que todas as matriarcas da sua família eram cruzeirenses e os homens, atleticanos. E que ele, obviamente, acabou indo para o lado da Raposa, já que as mulheres eram mais fortes. Outro fato marcante das mulheres em nossa história foi aquele Cruzeiro e Villa Nova, em 1997, quando uma imensidão de vozes femininas bateu o recorde de público do Mineirão para ver o gol do Marcelo e levar o título.

Do rebaixamento, a memória que mais dói é a partida da Dona Salomé, torcedora mais emblemática da Celeste. Mulher, periférica e aguerrida. Minha mãe conta que a vaidosa Salomé, com suas unhas pintadas de azul, enrolava meus longos cabelos quando eu ia ao Barro Preto, mas jamais conseguiu falar meu nome. Naquele 8 de dezembro do ano passado, uma tristeza avassaladora tomou conta de mim, mas foi minha mãe, essa cruzeirense forte, quem me confortou dizendo: “Filha, eles não conhecem a nossa história, seremos sempre a China Azul”.

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