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Estado de Minas DA ARQUIBANCADA

Um dodói que carregamos desde o berço até o caixão

Que experiência única não seria se agarrar ao ônibus do Galo, pregado em seu para-brisa como uma lagartixa viajante, até o aeroporto, a caminho de uma final


09/09/2023 04:00 - atualizado 09/09/2023 07:23
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A defesa de Victor, do Atlético, em pênalti cobrado por Riascos, do Tijuana, pela Libertadores de 2013
A defesa de Victor, do Atlético, em pênalti cobrado por Riascos, do Tijuana, pela Libertadores de 2013 (foto: Washington Alves/Reuters)
Por ocasião do 7 de setembro, acabei revendo alguns episódios da série House of Caraglio, aquela que fez de House of Cards um entretenimento juvenil. Revisitei a trajetória do patriota do caminhão ao som do Tema da Vitória, de Ayrton Senna. Vi a roda de oração em louvor ao pneu. Assisti à tentativa de contato com extraterrestres que pudessem auxiliar no golpe de Estado.

Como jornalista da Carta Capital, acompanhei a ascensão do bolsonarismo e cobri as eleições de 2018. De modo que li, pesquisei, entrevistei e escrevi sobre o fenômeno, um tanto misterioso até hoje em suas variadas facetas, ainda que os conceitos do fascismo se encarreguem de explicá-lo.

De qualquer forma, eu o compreendo mais como uma espécie de seita - que, desde a derrota no pleito de 2022, passei a denominar A Seita que Dói Menos.

A coisa toda me remete à seita de Jim Jones, com a desvantagem dos patriotas seguirem todos vivos. Ao rever as cenas lamentáveis do Brasil doidão, fui novamente assaltado pelas perguntas de sempre: quem são essas pessoas? Do que vivem? Como se alimentam?

Dessa vez, no entanto, me ocorreu um paralelo assustador: eu seria capaz de tudo aquilo se no lugar do Bozo fosse o Atlético. Isso só pode ser uma grave patologia, um dodói que carregamos desde o berço até o caixão.

Pense, por exemplo, que experiência única não seria se agarrar ao ônibus do Galo, pregado em seu para-brisa como uma lagartixa viajante, enquanto o veículo se deslocasse até o aeroporto, a caminho de uma grande final.

A exemplo do Patriota do Caminhão, teríamos agora o Atleticano do Busão, um grande orgulho da Massa.

Rezar para o pneu, vamos convir, não é muito diferente de fazer procissão para São Victor. E, de fato, confesso, a pessoa cética deste colunista desenvolveu estranha devoção a esse santo - que, por razões antes pornográficas e agora espirituais, já não posso classificar como sendo de pau oco.

Assim como os patriotas devem ter desenvolvido especial relação com o estepe do carro, fica sempre em posição de destaque na minha casa uma escultura em gesso de São Victor. Há quem prefira imagens de Santo Antônio ou Padre Cícero, Shiva ou Buda.

No meu caso, o altar tem uma estátua em gesso do sagrado momento em que se operou o milagre, com a bolinha grudada em seu pé esquerdo. Tenho minhas demandas para com o santo, confesso.

Quando eu ainda era um homem de pouca fé, costumava utilizar minha mãe como um entreposto com o homem lá em cima. Ela, por sua vez, recorria a Santa Rita, espécie de Renan Bolsonaro capaz do tráfico de influência com o sósia de Karl Marx.

A mim me parecia fundamental que essa engrenagem funcionasse de forma azeitada, sob pena de perdermos, por exemplo, a finalíssima contra o Olimpia na Libertadores de 2013. Foi Deus e portanto Santa Rita, e portanto a minha mãe, Vera, quem puxou a perna de "El Tanque" Ferreira. É vero!

Se você pensar, é menos absurdo pedir ajuda aos extraterrestres, afinal todo mundo que acredita em ciência deve desconfiar que não estamos sozinhos nesse mundão cósmico, tão vasto quanto desconhecido.  

Veja que, para o pessoal da Seita que Dói Menos, não se pode falar mal do Bozo. Ficou ofensivo até o trivial cumprimento "E aí, tudo joia?" - estão sempre a ver maledicências, além de comunismo.

Isso me lembra eu mesmo quando algum outro torcedor fala mal do Atlético. Aí, não. Fale mal da dona Vera mas não venha me falar do Galo, o maior time do mundo. 

Em desagravo, o pix correu solto para a conta do Cramulhão. Com tal empenho, que o Demônio ficou ainda mais milionário. Fico a imaginar quais estratégias os adeptos da seita utilizaram para desviar dinheiro de comunistas e transferi-lo ao Rabo de Seta. 

Igualzinho um amigo quando, em tempos idos, empenhou-se pela campanha Fica Ronaldo. Ronaldo era um zagueiro mediano que vinha dando alguma sorte e assim teve proposta para sair. Então a atleticanada montou um esquema de doação de dinheiro por telefone, e com isso imaginava comprar o Ronaldo. 

Esse meu amigo ia à casa de parentes e outros amigos, de preferência cruzeirenses, e pedia para usar o telefone (houve um tempo em que não havia celulares, creiam!). Clandestinamente, fazia vultosas doações em nome da causa. A diferença é que o Ronaldo foi embora para o exterior, e o Bozo vai pra Papuda. Aceita que dói menos.

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