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Estado de Minas DA ARQUIBANCADA

A Carta de Josias Faz e Caminha

Bandeirantes como Fernão Dias e Borba Gato foram assassinos de índios. A Galoucura, bandeirante às avessas, acabara de salvá-los do massacre final


05/11/2022 04:00 - atualizado 05/11/2022 07:09

No percurso para São Paulo, onde apoiaram o Atlético no empate por 2 a 2 contra o Tricolor paulista, pelo Brasileirão, torcedores da Galoucura dispersaram manifestacão de bolsonaristas e furaram bloqueio na BR-381, próximo a Betim, na Grande BH
No percurso para São Paulo, onde apoiaram o Atlético no empate por 2 a 2 contra o Tricolor paulista, pelo Brasileirão, torcedores da Galoucura dispersaram manifestacão de bolsonaristas e furaram bloqueio na BR-381, próximo a Betim, na Grande BH (foto: Reprodução / Redes Sociais - 1/11/22)

Registre-se para o futuro o fato inarredável e inequívoco do qual dou fé: ao primeiro dia do mês de novembro do ano de dois mil e vinte e dois depois de Cristo, o Grêmio Cultural Recreativo Torcida Organizada Galoucura impediu o golpe de estado na República Federativa do Brasil, garantindo a posse do então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. Por conseguinte, e sem qualquer prejuízo de mérito, é responsável pela salvação da Amazônia e, em instância final, pela sobrevivência da espécie humana.

Pela razão exposta, faz-se necessário o relato fiel e meticuloso dos fatos, tal qual o ocorrido. Não seria exagero tratar o tema como refundador de um Brasil moderno, o que ensejaria uma segunda Carta de Pero Vaz de Caminha – a que se poderia chamar A Carta de Josias Faz e Caminha, uma referência ao líder da já famosa Tropa dos Fura Bloqueios, o legalista, ou leGalista, Josimar Júnior. Josias, apodo de Josimar, foi lá e fez. Ao modo de Júlio César (o imperador, não o goleiro), cuja ação encerra-se no famoso “Vim, vi e venci”. Josias também foi, viu e venceu – e seguiu o seu caminho de bandeirante ao contrário, não sem antes libertar a todos os que se encontravam injustamente aprisionados na masmorra rodoviária do fascismo.

Pois, faça-se o relato. Naquela data, uma aliança entre velhas corocas, brochas em geral, fundamentalistas religiosos, desmiolados do agronegócio, um presidente paspalho e caminhoneiros chapados no rebite das fake news decidiu tomar as estradas do país, interromper o fluxo de pessoas e mercadorias, asfixiar o abastecimento das cidades, e assim promover um golpe de estado – com o paspalho no poder central, cercado por uma guarda pretoriana formada por guardinhas de trânsito da PRF e pintores de meio-fio do Exército brasileiro. Para tanto, invocaram o artigo 142 da Constituição Federal, livro que jamais haviam lido, visto que alérgicos desde a mais tenra infância a qualquer encadernação que se fizesse “livro”.

Em tal contexto de balbúrdia e psicodelia, partiu Josias e a Galoucura de Minas Gerais para São Paulo – bandeirantes ao contrário, pois. A fim de acompanhar o Galo na 35ª rodada do Brasileirão, alcançaram justamente a rodovia Fernão Dias, este sim um bandeirante normal, quando não um sanguinário pelo menos um idiota (morreu pensando ter descoberto esmeraldas nas Minas Gerais, quando na verdade eram umas britas a que se chama turmalinas). Foram.

Pois bem. No município de Três Corações, viram. A Galoucura acabara de passar pela estátua de Pelé, nativo daquelas plagas. Uma estátua com trombose, diga-se, pernas e braços inchados, a socar o ar como um boneco de posto inflado em demasia. O trânsito parou. Fascistas em obra. Primeiramente, a coluna avançou sobre os retardatários: “Saiam já para o acostamento”. A entoar o cântico motivador da tropa, a saber, “Sai, sai da frente, sai, é a Galoucura, minha gente!”, foram abrindo o mar vermelho até estancar diante da barreira verde e amarela dos integralistas rodoviários.

Deu-se então uma conversa amigável para os padrões observados ao primeiro de outubro do mesmo ano, portanto havia um mês, quando a Galoucura encontrou uma manifestação de patriotas contra o Brasil. Na ocasião, e a bem da verdade o entrevero não se deu por questões políticas mas por fato mais comezinho, a via fora desobstruída no cacete. Um dos manifestantes prontamente apresentou-se como policiar militar. Foi o único a ter o nariz quebrado.

A conversa amigável com os caminhoneiros, registre-se para os anais e, como se verá, para os vaginais da História: “Tira essas porra daí, que nóis tá indo vê o Galo jogar, ô caralho”. Enquanto o pessoal do rebite metia o pé, Josias e os seus metiam a mão nos pneus queimados, de modo a providenciar a rápida remoção do entulho fascista e já deixar a carga à disposição de outro tipo de caminhoneiro – aquele que dirige o caminhão de lixo da História. Tal mecanismo de superação das barreiras se repetiu outras duas vezes.

O registro para a posteridade se deu em vídeo a rodar o Brasil e o mundo, a inspirar a resistência dos novos partisans, que chegavam por trás como faziam os inimigos do nazismo, mas que dessa vez alcançavam a vitória na linha de frente. A cada gravação o pessoal ficava mais sujo da fuligem, se enegrecendo no carvão. E aqui se faz necessário constar, ipsis litteris, as palavras tais quais foram ditas. Pois erraram os editores das tevês ao retirar, por pudicos, parte fundamental: “Sifudê, sô!”, declarou o comandante enquanto a marcha da liberdade passava às suas costas. E agora, o complemento que é a verdadeira ponte para o futuro: “BUCETA! BUCETA!”.

Está claro que Josias apontava para a revolução que completará o ciclo salvador da espécie, que é a ascensão do matriarcado. “BUCETA! BUCETA!” Vulva la revolución!

No Morumbi, o empate por 2 a 2 pareceu remeter-nos ao 22, o número da Besta, the number of the Beast. O próprio nome “Morumbi”, palavra de origem Tupi, fazia-nos ver que a Tropa dos Furas, ao permitir a posse de Lula, permitiu também a sobrevivência dos povos originários. Tudo se encaixava no encantamento da luta e na quebra das barreiras. Bandeirantes como Fernão Dias e Borba Gato foram assassinos de índios. A Galoucura, bandeirante às avessas, acabara de salvá-los do massacre final.

No dia seguinte, a Tropa dos Furas recebeu a adesão de aliados como a Império Alviverde, que libertou na botinada a Régis Bittencourt. Em frente ampla, agregou também os antigos rivais da Gaviões da Fiel, que atravessaram a Dutra carregando uma faixa da Democracia Corintiana e botando abaixo os bloqueios desde a Marginal.

Décadas de criminalização das organizadas foram suficientes para que tais células contrarrevolucionárias pudessem avançar sobre os insurgentes como filhos de Gandhi e, portanto, devotos da não-violência: bastava seus adeptos surgirem no horizonte para os fascistas sumirem na fumaça de suas próprias barricadas.

Em Brasília, a Polícia Rodoviária Federal oficiava pedido de ajuda à Guarda Nacional, pois a operação tornara-se “complexa”, era necessário agir “com parcimônia e diálogo” mas “até mesmo culminando com o eventual uso da força”, e pipipipopopó. Vai se fudê, sô! BUCETA!

Registre-se, ao cabo, os números finais do Tribunal Superior Eleitoral: aos dois de novembro de dois mil e vinte e dois, o Clube Atlético Mineiro tinha 60.345.999 torcedores. 50,90% dos torcedores válidos.



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