O Atlético não pratica futebol. Nesse quesito é um tanto medíocre, apesar das contratações em série, dos craques no papel e do mecenato a que agradecemos. O que se pratica é um ritual no qual pisamos em brasa, caminhamos de joelhos na brita e, ao final, como se sabe, decolamos como uma fênix das alterosas, renascidos de um inferno que, no fundo, é o nosso paraíso.
Escrevo essas mal traçadas a toque de caixa, depois do jogo, sem ter visto os pênaltis que nos lavaram a alma. Estava eu na casa de um amigo invicto, com o qual jamais perdi um jogo do Atlético. O último pênalti que vi o Galo bater foi aquele que o Richarlyson errou com o Newell's, na Libertadores de 2013.
Depois, tratei de baixar a cabeça e rezar pela minha avó, pensar nas injustiças do passado e rogar a Deus, no caso de existir, para que se estabeleça uma política de reparação. Eu quero a minha cota.
Sento em um degrau qualquer e me refaço, menino, aboletado na calçada da rua do Ouro, com meus amigos todos atleticanos, ouvindo no rádio o Galo de Reinaldo. Embora ateu, apronto minhas mãos em posição de reza, quem sabe a convencer o homem lá em cima de uma possível conversão, puro teatro. O fato é que assim ganhei a Libertadores. E ontem mesmo, tirei o Boca, um fato grave que marcará para todo o sempre a nossa história. O Galo é sul-americano e, por conseguinte, mundial.
Tirar o Boca já é algo que se pode gritar aos quatro ventos, fica reconhecida em cartório uma inimizade insuperável que atravessará os tempos.
O Santos tirou o Boca e chegou à final. O Corinthians tirou o Boca e foi campeão. O Galo tirou o Boca duas vezes, a outra em 2010, coitado do Maradona rodando a camisa à Janaína Paschoal. O que nos aguarda, senão a glória de um Mundial?
O Atlético, como eu disse, não pratica exatamente o futebol, esse esporte em que homens disputam uma bola a fim de encaçapá-la em uma espécie de rede de pesca. Convenhamos, isso é uma besteira. O Atlético é uma encenação de Shakespeare, é algo muito maior e mais importante. Veja o Everson, salvo da condição de vilão por um detalhe que, embora tenha existido, ninguém viu.
Claro que, em se tratando de Atlético, o roteirista reservava a ele o epílogo monumental. Aquela batida no ângulo, que ainda não vi, é o final da novela, quase inverossímil, canastrona, ridícula, mas justa e irresistível.
Da cobertura do apartamento, covarde, não tive coragem de assistir ao desfecho, embora já soubesse seu fim. Mirei, lá de cima, algum morro. Busquei a luz da favela. E embora só tenha identificado uns prédios perdidos no belo horizonte da noite, vi a cidade explodir diante da obviedade de sempre: não é milagre, é Atlético Mineiro.
Certeza de que vamos todos morrer disso.
