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Estado de Minas DA ARQUIBANCADA

Nossa abstinência de Galo acaba amanhã o Mineirão, diante do América

"Sem nossa dose de Atlético, é humanamente impossível assistir a ema recusar a cloroquina enquanto o gado a celebra em coro: "Cloroquina! Cloroquina!"


25/07/2020 04:00 - atualizado 24/07/2020 22:02

O volante Ramón Martinez não faz parte dos planos do técnico Sampaolli(foto: GLADYSTON RODRIGUES/EM/D.A. PRESS)
O volante Ramón Martinez não faz parte dos planos do técnico Sampaolli (foto: GLADYSTON RODRIGUES/EM/D.A. PRESS)


Eu tinha 6 anos quando fui pela primeira vez ao Mineirão. Ao subir a escada que dava acesso às arquibancadas, nos arredores do velho Bar 27, descortinou-se aquela imensidão de concreto e o tapete verde estendido no centro do palco. Perdi o fôlego, paralisado. Aquela estrutura redonda, aquele teto que parecia pronto a desabar sobre as nossas cabeças, tudo era vertigem na minha diminuta pessoa. Fosse o mar, que eu só conheceria cinco anos depois, teria me espantado como aquele mineiro diante da praia: “Uai, mas que lagoa grande!”. No lugar do “bumbum de fora”, devo ter pensado comigo mesmo: “Uai, quanto atleticano aqui dentro!”. Pois era o mar – o mar de gente. Morri de medo.

Ganhamos do América por 4 a 0. Foi um tormento. A cada gol, meu tio Carlos Alberto me arremessava para cima, e eu flutuava sobre a multidão desesperado. Ao rés da arquibancada, o pai de um outro tio, o seu Dácio, velhinho, permanecia perigosamente sentado sobre a sua almofadinha do Galo enquanto o estádio se convulsionava no gozo ininterrupto dos gols. Eu temia pelo seu Dácio e torcia secretamente para que cessasse a goleada, de modo a evitar novas decolagens. Em vão.

Quarenta e dois anos depois, o teto do Mineirão já não parece prestes a desabar sobre as cabeças. O Bar 27 não existe mais, tampouco o tropeiro daquele tempo e o bolinho de feijão. Amanhã, quando o Atlético marcar contra o América, nenhuma criança voará pelos ares – há pelo menos esse benefício no “Clássico das Multidões” desprovido de multidão. Mas o futebol sem torcida é como escreveu Gay Talese em Frank Sinatra está resfriado, e portanto sem voz, logo ele, A Voz: “Sinatra resfriado é Picasso sem tinta, Ferrari sem combustível”. Galo sem Galoucura.

Desconfio que amanhã se inaugura uma nova era – e apesar da derrota, Deus queira, o América estreará sua volta por cima, o retorno inevitável ao lugar de destaque como segunda força de Minas, posição que começou a perder justamente com a construção do Mineirão. Quando a criança do futuro perguntar o que era o Cruzeiro, nós, velhinhos como o seu Dácio, diremos: “Foi o nosso rival até a pandemia, mas, quando a quarentena acabou, eles tinham acabado também”. Quando no sinal o desvalido se aproximar da janela do carro pedindo uma moeda, teremos a oportunidade de apresentá-lo ao vivo: “Veja, meu filho, este é o Cruzeiro”. Com todo respeito aos desvalidos, 100% Galoucura.

Acaba amanhã a nossa abstinência de Galo. Por cima de mais de mil mortos todos os dias, três ou quatro Boeings a desabar sobre as nossas cabeças, 80 mil famílias em luto, o Brasil vai jogar futebol. Eu era contra, mas agora sou a favor. Sem a nossa dose de Atlético, é humanamente impossível assistir à ema recusar a cloroquina enquanto o gado a celebra em coro: “Cloroquina! Cloroquina!”. É um hospício, e precisamos do nosso remedinho.

Entram em campo, amanhã, todas as nossas esperanças de dias melhores nesse manicômio. Elas residem naqueles que chegaram, mas também nos que saíram ou sairão: Zé Welison, Ricardo Oliveira, Di Santo, Edinho, Lucas Hernández, Clayton, Ramón Martínez. Não vou botar o Patric nessa lista, mas boa sorte ao Leão.

Assim como a vida, o Galo é, agora, uma incógnita. Qual será o nosso “novo normal”? A partir de amanhã, ainda que não joguem alguns dos titulares, a pergunta começa a ganhar uma resposta. E como a gente depende dela para atravessar a tormenta! Êh Galo...


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