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Estado de Minas DA ARQUIBANCADA

As favas contadas são o maior adversário do Galo

O maior desafio do Atlético é se conscientizar de que não existe jogo fácil


postado em 24/08/2019 04:00 / atualizado em 23/08/2019 22:34

Em mais um episódio da série
Em mais um episódio da série "Já ganhou", o Atlético sofreu com La Equidad, no Independência (foto: Ramon Lisboa/EM/D.A Press)


Se há algo tão certo quanto sem dúvida é que não tem jogo fácil para o Atlético. À exceção de uma peleja ou outra, rês desgarrada do nosso rebanho de aflições, o atleticano é feito para sofrer. Às vezes está tudo estranhamente bem, um 2 a 0 pra nós, por exemplo, e, de repente, um pé de vento traz o diabo no redemoinho. Os 48 do segundo tempo é a nossa hora no mundo, o instante máximo da sofrência, aquela volta do relógio em que fazemos a pergunta básica da existência: por que tem de ser tão sofrido assim?.

A bem da verdade, fizemos desse limão uma caipirinha. A sofrência é uma dádiva, um presente de Deus. O que seria de nós sem a espera pela testada derradeira do Leonardo Silva? O que seria de nós sem a perna esquerda de Deus, encosto do bem a tomar a canhota de São Victor? O que seria de nós se, num passe de mágica, todas as injustiças se desfizessem? O que seria de nós se José Roberto Wright, o nosso Sérgio Moro, tivesse sido justo e imparcial?

Digo isso à luz da peleja última, contra esse La Equidad. Rapá, por que tem de ser tão sofrido assim? Porque a gente gosta, uai, porque a sofrência, muito mais do que o trabalho, dignifica o homem. Um atleticano despreocupado, já diria Gay Talese a propósito de um Sinatra resfriado e sem voz, é Ferrari sem gasolina. Eu estaria preocupado se despreocupado estivesse.

Essa é a nossa sina, conforme-se. Sofra, sofra com gosto, mire o exemplo daquele estádio sem luz, a turba desalumiada a gritar o ‘Eu acredito’. A gente só acredita quando desacredita. Dê ao atleticano todos os Brasileiros que mereceu, conceda-lhe as Copas do Brasil que o rival amealhou sem derramar um mililitro de sangue, sem pizza alguma em seu sovaco, e estaríamos mortos. Agora, dê ao atleticano um 2 a 0 contra, e até o ateu falará com Deus. Não é milagre, é Atlético Mineiro.

Pior é que lá se vão 111 anos, e a gente não aprende. No primeiro jogo da Copa do Brasil deste ano, contra o Cruzeiro, ganhamos de véspera, como no famigerado 6 a 1. Agora, diante desse Equidad, fomos outra vez traídos pela ideia do jogo fácil, da vitória natural. Aconteceu recentemente contra o Fortaleza, quando abrimos 2 a 0. Nessas horas, confesso, eu até acredito em Deus. Posso vê-lo lá em cima, o sósia de Karl Marx, apenas esperando a hora em que julgamos estarem as coisas no papo. E então lá vem Ele, a fazer cair o raio duas, três vezes no mesmo lugar.

O cruzeirense nasceu com o fiofó virado pra Lua. Não há hipótese de seu pão cair com a manteiga pra baixo – como um gato, ele vira e revira. Se o Cruzeiro ganhasse um terreno para construir seu estádio, ao escavá-lo acharia petróleo. O Atlético, as ossadas de Luzia, nascentes de água sulfurosa, passarinhos paleolíticos e já extintos, o paraíso perdido de Darwin – mais um pouco e o Bairro Califórnia será tombado como patrimônio da humanidade. Por que tem de ser tão sofrido assim?

O atleticano achou que ia passear contra o Equidad. Com 10 minutos de jogo já tinha caído na real. O maior desafio do Galo nessa Sul-Americana é descrer-se da ideia de que só tem jogo fácil. Se quiser ganhar, o Atlético tem de se convencer do óbvio ululante: para aquele parido com o fiofó virado pro Sol não há senão a pedreira, o jogo duro, a bola de ferro amarrada às nossas chuteiras.

Veja que no Brasileirão dá-se o oposto: ninguém achou que ia ser fácil, o que torna tudo, bem, um pouco mais fácil. Hoje, diante do Bahia, no Horto, o Atlético pode jogar com a formação que quiser – a única tática proibida é achar que já ganhou. As favas contadas são o nosso maior adversário.


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