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Estado de Minas FILOSOFIA EXPLICADINHA

A tecnologia é o ópio do povo

A contemporaneidade inventou uma forma mais barata de anestesia do que os caros remédios que sustentam a indústria farmacêutica: o fetiche tecnológico


18/06/2023 09:10 - atualizado 18/06/2023 09:14
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Cena da série distópica Black Mirror
Cena da série distópica Black Mirror (foto: Divulgação/Netflix)

 

A felicidade talvez seja a maior busca humana. Viver bem é, sem dúvida, o objetivo de todo os viventes, inclusive daquele que decide abreviar sua existência, pois, entre outros motivos, toma essa decisão porque não suporta o mal viver.

 

Não é à toa que o mercado de medicamentos ligados às pílulas da felicidade tem crescido nos últimos tempos. Ilusão acreditar que o problema da sentido existencial é algo meramente orgânico. Seria fácil demais. A questão é muito mais filosófica do que farmacêutica.

 

Muitos adultos interrompem, momentaneamente, suas frustações com o comprimido da moda. Jovens se dopam diante das frustrações e do medo de viver. Em algum momento da vida a conta chegará. A angústia é o único sentimento que não mente e não adianta silenciá-la por muito tempo, ou pensar que que anestesiar-se é uma rota de fuga eficiente. O problema é que a questão continuará lá, pulando em nosso ombro, feito o grilo falante do Pinóquio.

 

No entanto, a contemporaneidade inventou uma forma mais barata de anestesia do que os caros remédios que sustentam a indústria farmacêutica: o fetiche tecnológico. É por isso que não tenho dúvida que esse seria um tema filosófico discutido pelos grandes pensadores

 

Nunca entendi a relação explicita entre tecnologia e felicidade humana, como alguns advogam. Muito menos a visão de que o desenvolvimento tecno-científico está aliado à ideia de progresso ou avanço. Sabemos que a história não é uma régua numérica, partindo de um número anterior para o posterior; muito menos uma escada, demarcando antes e depois, pior e melhor.

 

Afirmo, mesmo correndo o risco de ser generalista: o avanço tecnológico se fundamenta no sepultamento da pouca humanidade que ainda nos resta. Suas criações estão na tônica de uma espécie de pulsão de morte, desfazendo as essenciais relações humanas.

 

O progresso tecno-científico nos auxilia a resolver todos os problemas que não teríamos se ele não existisse. O resto é balela, apenas um gozo burguês em ver uma série de botões emparelhados, com luz piscando e comando de voz. Basta perceber que existe uma relação direta entre diminuição da virilidade e deleite tecnológico.

 

Aposto que o suposto avanço dos últimos dez anos refletirá nossa decadência em relação à felicidade. Para fundamentar essa hipótese, basta verificar: o acelerador de voz do WhatsApp nasceu da falta de tempo para ouvir o outro; os aplicativos de relacionamento surgiram da inaptidão de encontrar alguém; o chip de memória da ineficiência em guardar recordações importantes; as tecnologias educacionais reforçam a inabilidade de uma aprendizagem paciente; o metaverso é resultado da incapacidade de ver alguma coisa além do desejo egóico de um universo manipulável e "só meu"; a realidade virtual fomentará a inanição em sentir experiências humanas atravessadas pelo real.

 

 

Perceba. Antes de qualquer felicidade, toda oferta tecnológica aponta para aquilo que você acabou de perder, não para algo que você pode ganhar. 

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