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Estado de Minas ECONOMÊS EM BOM PORTUGUÊS

A conexão entre governança pública, Censo 2022 e produção de indicadores

Conhecer os indicadores que retratam o Brasil atual é fundamental para dimensionarmos os abismos sociais que as estatísticas amostrais já vêm sinalizando


23/05/2023 06:00 - atualizado 23/05/2023 09:05
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A discussão sobre governança pública começou a tomar forma nos idos de 1990, época em que a expansão democrática e os movimentos econômicos deram origem à globalização epassaram a exigir novos e melhores arranjos institucionais, públicos e privados.

Em 1996, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) criou o Comitê de Governança Pública e, desde então, o tema tem se aprofundado. Neste mês de maio, a OCDE divulgou estudo que dialoga com as práticas do corpo diretivo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), às vésperas da divulgação dos resultados do Censo 2022.

O foco da OCDE é na coerência entre a necessidade de políticas públicas e seus princípios essenciais, como transparência, participação da sociedade, integridade e responsabilidade.

Em seu recente estudo, intitulado, em tradução livre, “Princípios de Boas Práticas para a Comunicação Pública em Resposta à Falta e à Desinformação”, a OCDE define 9 princípios de boas práticas, dos quais destaco 4 que se adequam à estratégia de comunicação do IBGE acerca da divulgação do resultado do Censo 2022: condução do interesse público, transparência, tempestividade e inclusão.

 
 

A condução do interesse público refere-se ao esforço claro de independência da comunicação pública em relação à politização na implementação de intervenções que contra-ataquem desinformação; a transparência remete ao esforço que os governos devem fazer para comunicarem, de maneira clara e honesta, o combate às especulações, às incertezas, aos rumores e às “falsas informações”; a tempestividade afirma que as instituições públicas devem desenvolver mecanismos para agir de forma tempestiva a falsas informações; e a inclusão refere-se às intervenções a serem desenhadas e diversificadas para atender a todos os grupos sociais.

Em momento altamente politizado e tenso, o Brasil deu início, em 1º de agosto de 2022, à realização do censo demográfico (Censo 2022), a maior e mais importante pesquisa estatística do país. Para além das falhas que antecederam sua execução, o Censo 2022 sofreu toda sorte de problemas: falta de recursos para comunicação, baixa remuneração e conseguinte dificuldade de contratação de recenseadores; período eleitoral muito politizado e repleto de fake news; recusa de resposta (atendimento) sobretudo nos domicílios de alta renda e alta incidência de domicílios fechados, no horário comercial, nos aglomerados subnormais (“favelas”); áreas de difícil acesso e de alto risco (garimpo, tráfico de drogas), para elencar os
mais notáveis.

A ausência de comunicação adequada foi, certamente, importante agravante para a tempestividade do Censo 2022, que necessitou de nove meses para sua execução. Ter o resultado do Censo 2022 é primordial para compreendermos o que aconteceu na última década, analisando-se o comportamento dos indicadores que compõem a variação no tamanho populacional - as taxas de fecundidade, mortalidade e migração -, bem como os indicadores sociais relativos à educação, ao trabalho, a rendimentos, com recortes regionais e
de raça e sexo, e indicadores de saúde, saneamento, condições domiciliares, dentre outros.

Faz-se necessário que o censo atenda, no mínimo, às exigências de cobertura e qualidade das informações, considerando-se que subnotificações ou informações incompletas ou erradas comprometem tanto as análises quanto a capacidade de construção de políticas públicas.

A despeito do importante e necessário papel de contagem populacional, que tem impacto direto no recurso distribuído pelo Fundo de Participação dos Municípios (FPM), o censo é fonte de construção de indicadores que subsidiam elaboração ou correção das políticas públicas.

O princípio básico de um indicador é ser capaz de identificar a essência do problema e ter interpretação normativa claramente definida. Como exemplo que atenda a esse princípio temos as taxas de fecundidade, mortalidade e migração calculadas com os dados do censo demográfico e, a partir daí, aplicada em técnicas de projeções futuras, balizadoras para políticas e gestão de recursos públicos.

Desejável fosse que os indicadores atendessem a 10 propriedades: relevância; validade; confiabilidade; grau de cobertura; sensibilidade; especificidade; inteligibilidade e comunicabilidade; factibilidade e periodicidade; desagregabilidade e comparabilidade. Destaco a seguir as propriedades que mais claramente dialogam com resultados possíveis de serem extraídos dos censos demográficos.

A propriedade da relevância indica se os indicadores devem ser relevantes e relacionados à demanda de prioridades definidas. Um bom exemplo são programas de saúde pública que utilizam indicadores como taxa de mortalidade, proporção de domicílios com saneamento adequado, dentre outros, como parâmetros de avaliação de suas políticas sanitárias.

Confiabilidade é a propriedade relacionada à qualidade do levantamento dos dados usados no seu cômputo. Fortemente associada à confiabilidade, encontra-se o grau de cobertura cuja propriedade visa alcançar a busca por indicadores de boa cobertura territorial e/ou populacional, bem como representativos da realidade empírica em análise.

Entram no conjunto de confiabilidade e grau de cobertura os censos demográficos, econômicos, agropecuários, as pesquisas amostrais domiciliares, além de pesquisas temáticas e registros administrativos – por exemplo, os registros do DataSus e das pessoas inscritas no CadÚnico.

A factibilidade e periodicidade é propriedade que mede quão factível é a obtenção de um indicador, considerando-se custos e acesso às informações, bem como a periodicidade de disponibilidade das variáveis que o compõem.

Mais uma vez, o Censo Demográfico é um bom exemplo, uma vez que seu elevado custo de execução inviabiliza periodicidade abaixo da decenal. Nos anos de 1990 e 2020, os censos foram adiados por decisão política, mas no segundo caso, seu adiamento inevitavelmente ocorreria em virtude da covid-19.

A comparabilidade é uma das propriedades mais importantes do ponto de vista longitudinal, pois requer que os resultados do indicador sejam, em diferentes pontos do tempo, compatíveis do ponto de vista conceitual e, portanto, comparáveis intertemporalmente.

Aliada à comparabilidade, temos a propriedade de sensibilidade, que é a capacidade de refletir mudanças relativas às ações previstas que possibilitem avaliar rapidamente os efeitos de determinada intervenção. Ilustrando, o censo demográfico é, até o momento, a melhor pesquisa para atualização das características sanitárias dos domicílios brasileiros.

A propriedade de inteligibilidade e comunicabilidade indica a transparência metodológica da construção do indicador e sua compreensão em termos de comunicação. Dialoga direta e coerentemente com os princípios de boas práticas definidos pela OCDE. Conhecidos exemplos são o Índice de Desenvolvimento Humano do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (PNUD) e, mais especificamente, o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal do PNUD-Brasil. O IDH e IDHM são atualizados com base no Censo Demográfico.

Entre os dias 10 e 12 de maio, a direção do IBGE convidou especialistas (demógrafos, geógrafos e estatísticos) para conhecerem de perto os avanços e desafios do Censo 2022.

Nesses dias, as lideranças do Censo 2022 expuseram seus trabalhos e abriram diálogo com os especialistas. Claramente, o IBGE vê a importância da governança pública na divulgação dos seus resultados e no combate aos ruídos e às especulações que, por ventura, possam tentar
descredenciar a mais importante estatística pública do País.

É importante contextualizar que, há cerca de uma década, deu-se início ao processo de polarização que abalou sobremaneira a democracia brasileira. O descredenciamento de instituições de pesquisa, universidades e outras áreas públicas, acirrado com o avanço descontrolado das mídias sociais, têm trazido ambiente de grande incerteza às instituições públicas brasileiras.

O desincentivo à pesquisa e à geração de estatísticas foi explicitado pelo último governo, e a disseminação de falsas informações só agravou esse processo. Em 28 de junho, a sociedade brasileira conhecerá o tamanho atualizado de sua população.

O censo conseguiu vencer desafios inimaginavelmente transpostos; a tecnologia geoespacial tornou-se a grande aliada dessa pesquisa continental, em contrapartida, a tecnologia digital das redes sociais, a ausência de contagem populacional no meio da década e da realização da pesquisa de pré-coleta, suas grandes inimigas.

Conhecer os indicadores que retratam o Brasil atual é fundamental para dimensionarmos os abismos sociais que as estatísticas amostrais e os registros administrativos já vêm sinalizando.

Como incessantemente dito por Paulo Januzzi, referência nacional em indicadores sociais, “nem sempre o indicador de maior validade é o mais confiável; o mais confiável é o mais inteligível e o mais inteligível é o mais sensível. O indicador que reúne essas três qualidades é passível de ser obtido na escala espacial e periodicidade requeridas”.

O censo demográfico é a mais importante pesquisa capaz de gerar indicadores com essas três qualidades supracitadas. Em 2023, temos um fato novo: a governança pública revelada pela transparência da produção do Censo 2022. Essa boa prática, aliada aos preceitos da OCDE, facilita a avaliação da qualidade dos resultados do Censo 2022 e corrobora com a construção de indicadores que subsidiem mais e melhores políticas públicas para a sociedade brasileira.

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