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Estado de Minas ECONOMÊS EM BOM PORTUGUÊS

O tema do Nobel de Economia nos ronda há anos, mas o ignoramos

Em um país que insiste em ser desigual, cabe à sociedade exigir a institucionalização de avaliação das políticas públicas nas áreas sociais


19/10/2021 06:00 - atualizado 19/10/2021 07:12

Montagem com David Card, Joshua Angrist e Guido Imbens
David Card, Joshua Angrist e Guido Imbens foram os vencedores do Nobel de Economia de 2021 (foto: AFP PHOTO)
O Brasil tem muito o que aprender com os trabalhos dos três laureados ao Nobel de Economia de 2021. No conjunto de suas obras, as técnicas desenvolvidas pelos economistas caem como uma luva para todos os entes da federação que, por evidências baseadas em discursos e não em comprovações técnicas, promovem grandes desperdícios de recursos públicos e vivem em busca de novas formas de angariar recursos. O Brasil parece não ter evoluído na efetividade de suas políticas sociais. Como dito pelo economista Ricardo Paes de Barros, "um helicóptero jogando dinheiro sobre as áreas pobres seria mais eficiente para reduzir a pobreza do que as políticas públicas que estão aí".

Essa frase célebre foi dita à época do segundo mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso, após avaliação do economista acerca dos resultados apontados pelo relatório do Banco Mundial, no qual se afirmava que "somente 10% a 15% do recurso gasto pelo governo federal chegava aos 40% mais pobres". Ricardo Paes de Barros, um dos grandes especialistas no País em estudos de redução de pobreza, desigualdade, renda e escolaridade, tem vindo a público sistematicamente afirmar que, no Brasil, os gastos com políticas sociais, no combate às desigualdades, ainda são muito ineficientes.

Nos estudos dos três economistas laureados ao Nobel de Economia - David Card, Joshua Angrist e Guido Imbens - as chamadas técnicas econométricas desenvolvidas pelos acadêmicos buscam estimar relações de causalidade e/ou evidenciar a magnitude dos efeitos de alterações em algum componente da economia provocado por outro fenômeno (variável). Suas áreas de atuação comuns são mercado de trabalho e educação, campo fértil para avaliação de políticas.

Dentre os destaques, em 1994, Card desenvolveu, em coautoria com o falecido economista Alan Krueger, estudos sobre o impacto do aumento do salário mínimo sobre o desemprego - inicialmente com artigo publicado na The American Economic Review e posteriormente com a produção de um livro sobre o tema -, enquanto Angrist e Imbens partiram de técnicas que permitiam avaliar as relações de causalidade entre fenômenos da economia para estimar os efeitos das políticas públicas sobre indicadores sociais.

Embora as técnicas não possam ser de fácil compreensão para grande parte da sociedade, inclusive entre os economistas (sic!), basicamente os laureados trazem o seguinte alerta: há vários instrumentos capazes de estimar os efeitos das políticas públicas, partindo desde técnicas mais simples de acompanhamento de implementação da política com a separação de grupo de controle - entendido como o grupo que não sofrerá os efeitos da política -, até a criação de amostras e grupos fictícios que partem das características similares àqueles que se querem avaliar.

As possibilidades de avaliações de políticas públicas seguem protocolos análogos aos adotados pelas ciências naturais, como biologia e física, por exemplo. O mundo, atualmente, tem nos ensinado como se constrói o processo de teste e validação das vacinas, por meio do desenvolvimento das vacinas contra a COVID-19. Em todas situações, faz-se necessário criar grupo de experimento e de controle. Assim como nas ciências naturais, grosso modo, na economia também pode se aplicar, no trabalho de avaliação das políticas públicas, dois grupos - de experimento e de controle.

Exemplo do resultado da aplicação de avaliação da política educacional é o estudo recém-divulgado que estima os efeitos da pandemia na educação - "O impacto da pandemia do COVID-19 no aprendizado e bem-estar das crianças" -, comparando o desempenho de crianças no segundo ano da pré-escola, nas redes pública e privada, entre os anos de 2019 e 2020. Pesquisadores do Laboratório de Pesquisas em Oportunidades Educacionais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, desenvolveram o estudo com apoio da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal.

O estudo ocorreu no município do Rio de Janeiro, englobou 671 crianças matriculadas em 21 escolas, sendo que 460 frequentaram o segundo ano da pré-escola em 2019 e 211, em 2020. O rigor técnico para se realizar esse tipo de comparação residiu, sobretudo, na seleção das escolas com perfis muito heterogêneos de crianças, preservando as diferenças socioeconômicas de suas famílias, bem como as disparidades de infraestrutura e de implementação de atividade remota.

Os resultados indicaram que, de fato, houve grande aumento das desigualdades de aprendizado entre as crianças oriundas das classes menos favorecidas e as demais. Esse recorte também evidenciou, de forma correlata, que as crianças das escolas privadas tiveram perdas menos expressivas comparativamente às da rede pública. Enquanto, em 2020, as crianças com mais alto nível socioeconômico, o desempenho em matemática e linguagem foi próximo a 78% do ocorrido em 2019; nas classes mais baixas, esse desempenho caiu para cerca de 49%. O estudo não só traz evidências, mas também propõe soluções.

Em entrevistas recentes aos diversos meios de comunicação e redes sociais, o economista Ricardo Paes de Barros segue afirmando que nosso problema não é de quantidade de recursos gastos na área social; ao contrário, o volume é muito alto, mas a qualidade dos gastos segue baixa. O economista vem reiterando que não vê o menor sentido em criar mais carga tributária para ampliar o originário Bolsa Família, agora em vias de mudar de roupagem, porém seguindo firme nas falhas de conteúdo.

Desde o início da pandemia que Paes de Barros tem afirmado que é preciso mobilizar e fazer uma combinação entre o Cadastro Único e as bases de assistências sociais espalhadas pelo País - os 250 mil agentes que compõem os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS). Recentemente, destacou a necessidade de inclusão dos paupérrimos no programa, ao contrário do que vem afirmando, sem comprovação técnica, o atual Presidente da República.

Com Paes de Barros ou PB, como chamado por todos, tive o privilégio de trabalhar por três anos e meio e levar aprendizado pelo resto da minha vida. Endosso que jogar dinheiro do helicóptero ainda é a melhor solução. Com nosso amadorismo indo de vento em popa, seguiremos criando programas, políticas, discursos e, quem sabe, novos malabarismos fiscais e contábeis. Só não criaremos caminhos para sairmos (1) do atraso tecnológico que emperrou grande parte da nossa indústria, (2) do desemprego estrutural que se nutre da informalidade e da baixa qualificação da mão de obra e (3) da falta de oportunidade para crianças e jovens que perpetuam e reproduzem a pobreza.

Em um país que insiste em ser desigual, cabe à sociedade exigir a institucionalização de avaliação das políticas públicas nas áreas sociais, como única forma de fugirmos do amadorismo e dos discursos populistas e direcionarmos recursos para ações que se façam efetivas. O Nobel de Economia é mais uma oportunidade para entendermos que há soluções fora dessa realidade paralela!

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