Que Nicolau Maquiavel me perdoe a intertextualidade, mas preciso fazer uma atualização da célebre frase “Dê poder ao homem e descobrirá quem realmente ele é”. Na atual conjuntura “coronavirulesca”, o mais apropriado, leitor, seria: “Dê internet e confinamento ao homem e descobrirá quem realmente ele é.” Estou errada? Sei que não.
Se você não faz parte do mundo extraterreno das redes sociais, adianto-lhe que este texto não fará sentido nenhum para você. Pode passar para a próxima página, sem remorsos. Todavia, se você já foi abduzido, talvez as minhas palavras traduzam tudo o que você vem pensando – ou fazendo – nos últimos tempos.
De repente, a maioria dos internautas transformaram-se em compulsivos produtores de conteúdo digital. Fora os pouquíssimos que abordam temas realmente agregadores, edificantes, construtivos, o que se vê é um show virtual não só de narcisismo, mas também de oportunismo.
Nossas redes sociais foram invadidas por imagens e por vídeos de influenciadores e de artistas que, sem o menor pudor, fingem despretensão ao exibir o dia a dia. Narciso ficaria boquiaberto. Enquanto arrumam a casa, trajam baby-dolls sexy (sim, sexy não tem plural na língua portuguesa) e mexem nos cabelos milimetricamente desarrumados. Tudo isso regado a muitos carões e biquinhos.
Fora a quantidade de “lives” em que, claramente, o indivíduo não está nem aí para a realidade do restante da população, mas para a manutenção da audiência. O medo de cair no esquecimento aflorou, leitor. Só não vê quem não quer. Mandam-nos passar álcool em gel até na alma. A eles, urge o óleo de peroba.
Bem, quase não falei de português, extrapolei o limite de palavras e talvez o meu editor nem publique este texto, que mais se parece com um desabafo. Mas eu não poderia deixar de registrar a minha perplexidade diante dessa situação. Maquiavel, querido, o principado referido por você em O príncipe possui, hoje, territórios virtuais, você acredita? Mas uma coisa é certa: para muitos abduzidos, os fins, indubitavelmente, têm justificado os meios.