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Estado de Minas QUEBRANDO PADRÕES

O racismo é perpetuado em atitudes sutis do cotidiano

É necessário fazer uma revisão dos padrões incorporados que nos levam a agir de forma inconsciente, muitas vezes, reproduzindo preconceitos


13/05/2022 06:00 - atualizado 13/05/2022 22:05

Homem negro usando moletom branco, encostado em uma parede
É preciso desconstruir padrões que podem nos induzir a uma visão preconceituosa (foto: Pexels)

 
Você sabe o que são os vieses inconscientes? São crenças, pensamentos e atitudes que aprendemos e nutrimos ao longo da vida e que não temos necessariamente consciência. Ou seja, comportamentos que, em grande parte das vezes, são guiados por padrões mentais sistemáticos e não por avaliações racionais e conscientes. 

Por exemplo, quando escovamos os dentes, pensamos de forma consciente em cada movimento que realizamos com a escova? Não! Ou quando você está dirigindo, você pensa de forma consciente em todas as decisões e movimentos que precisa realizar com as mãos e pés? 
 

'Como eu olho e trato pessoas que não fazem parte da minha bolha?'

 

Se todas as nossas ações e decisões do dia a dia fossem tomadas de forma consciente, exigiria de nós um gasto de energia muito grande, por isso, para garantir a nossa sobrevivência, nossa mente e corpo buscam caminhos para poupar energia. Uma dessas formas é agir de maneira inconsciente.

Ou seja, por meio da repetição de pensamentos, atitudes e comportamentos, as atividades do dia a dia se tornam automáticas e naturais e essa é uma das formas que nascem os vieses inconscientes. 

Dito isto, o viés é um aspecto natural do cérebro humano. Mas em muitos casos, ele acaba sendo uma ferramenta que ajuda na manutenção de estereótipos, preconceitos e discriminações. 

Desde muito cedo familiares, amigos, as diferentes mídias, novelas, publicidades, entre outros, nos apresentam o que é “padrão”. “O padrão a ser seguido” no afeto, sexualidade, beleza, gênero, e por aí….O que sai dessa bolha “padrão”, olham e tratam como  menor, feio, errado e negativo. Tanto que, muitas vezes, sem perceber, naturalizamos falas e comportamentos preconceituosos. Isso inclui atitudes racistas. 

Se liga nos exemplos “sutis”. Uma vez, comprei uma torta online e fui retirá-la na loja. Quando cheguei, os atendentes me olharam de cima a baixo com uma cara de nojo, nem mesmo deram um “bom dia”. A moça que me atendeu jogou o pacote no balcão e perguntou se eu era o entregador do ifood. 

Já nesta semana, fui buscar o contrato do meu primeiro apartamento e, na recepção do prédio onde fica a construtora fica, a moça que trabalha na portaria perguntou:

O que você quer? 
Vim buscar um documento na construtora “y”.
Mas você tem hora marcada? 
Já avisei a construtora sobre minha visita. 
Hum, então você é o office boy né?
Não, vim buscar o documento do meu apartamento. 
Ah tá…

Em 2010, assistindo a transmissão da Copa do Mundo na África do Sul, escutei o seguinte comentário:  “olha lá, toda hora a câmera mostra aquele segurança”. Essa frase se referia ao presidente da África do Sul. 

Durante o velório de Marília Mendonça, vários jornais "confundiram" e disseram que o  padrasto da cantora era um segurança que consolava a mãe de Marília.  

E, mesmo quando a pessoa tem a intenção de ser uma aliada na luta contra o racismo, às vezes, ela também manifesta falas, olhares e atitudes racistas, porque não deu a importância devida em visitar e desconstruir seus vieses raciais inconscientes. 

Quer provas de como essa questão também atravessa a sua vida? Pense agora em um médico bem-sucedido, que tem uma linda casa, já concedeu várias entrevistas para a TV e é reconhecido internacionalmente. Me diga, qual imagem veio À sua cabeça? Um homem branco, hetero, cis? 

Quantas vezes você presenciou pessoas mudando de calçada, ou quantas vezes você já mudou de calçada apenas porque viu um homem negro caminhando em sua direção?

Esses julgamentos e generalizações são comandados pelos vieses inconscientes e impactam todas as nossas relações. Tudo isso contribui para aumentar a falta de acesso à educação, saúde, moradia digna, trabalho e oportunidades de crescimento na carreira para a comunidade negra. Afeta como a sociedade brasileira olha e trata a população negra.

Quer ver uma coisa, porque é tão difícil para o Brasil imaginar uma mulher negra ocupando o cargo de presidente do país?

Para muitas pessoas uma mulher negra só pode ser a “tia da cantina” (que é um termo muito pejorativo, essa trabalhadora tem nome), a caixa do supermercado, a pessoa que atende na padaria, a diarista que realiza faxina. Mas imaginar uma mulher negra em um cargo de poder, ainda mais o mais alto do país, é praticamente impossível. Ou seja, durante séculos o viés que pessoas negras não podem ocupar postos de liderança foi alimentado. 

Além disso, é muito importante ressaltar que todas as pessoas são suscetíveis aos vieses e, muitas vezes, acabamos reproduzindo, por meio de um olhar ou fala, comportamentos preconceituosos, discriminatórios ou cheios de estereótipos. Mesmo não sendo por maldade, isso não pode ser usado como desculpa para manter esse comportamento. Isso não reduz os prejuízos que nasceram dessa atitude. 

Mas Arthur, o que pode ser feito para mudar tudo isso? Diante de vieses inconscientes que fomentam o racismo estrutural, institucional e recreativo, por exemplo, é necessário primeiro admitir que você já reproduziu tais atitudes e comportamentos em diferentes momentos da sua vida. É importante reconhecer que esses vieses existem e como falei, até sem perceber, você já os reproduziu. 

Em seguida é importante se responsabilizar e se comprometer em mudar a forma como pensar, mudar suas atitudes e comportamentos. 

E para isso é necessário iniciar um processo de  autoconhecimento! Durante a sua infância e adolescência, como sua família, amigos e conhecidos tratavam e falavam da população negra, por exemplo? Como isso te impactou? Durante décadas, qual foi a imagem que você construiu da população negra na sua cabeça? Se possível, vá buscar ajuda de profissionais para colaborar nesse processo de autoconhecimento. 

Também busque mais informações sobre realidades que não são as suas. O que você sabe sobre a comunidade negra e suas demandas? Diversidade e inclusão são aspectos a serem considerados para uma mudança de perspectiva. Tomar consciência da importância da pluralidade e do acolhimento e partir para ação.

Essa pergunta pode te ajudar nessa caminhada: “Como eu olho e trato pessoas que não fazem parte da minha bolha?”

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