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Estado de Minas BRASIL S/A

Brasil manda recado, como fez na eleição do Cacareco

Em 1959, São Paulo elegeu um rinoceronte, e isso foi sinal do que viria em seguida


postado em 17/05/2020 04:00 / atualizado em 17/05/2020 08:26

O presidente Jair Bolsonaro se comporta como um curandeiro na crise do novo coronavírus (foto: Marcos Correa/PR)
O presidente Jair Bolsonaro se comporta como um curandeiro na crise do novo coronavírus (foto: Marcos Correa/PR)


Jair Bolsonaro está no noticiário todos os dias, todas as horas, e é isso que ele faz tanto para ocupar o espaço dos opositores quanto para pautar a imprensa e adversários, que acabam impelidos a entrar em seu jogo, animar a plateia dos apoiadores movidos a slogans e disfarçar sua inaptidão para gerir e liderar. Gosta de confusão.

Na mais recente, perdeu com menos de um mês no cargo o ministro da Saúde, Nelson Teich, médico oncologista sem nenhuma experiência com medicina pública que teve a coragem de suceder o titular anterior, Luiz Henrique Mandetta, mas achou demais atender a Bolsonaro e dar seu aval à disseminação da cloroquina como remédio sem tarja preta no tratamento de pacientes contaminados pelo COVID-19.

Bolsonaro se porta como curandeiro, ao recomendar medicação sem o endosso científico no país e internacional contra o vírus, e com efeitos colaterais comprovados - arritmia cardíaca grave entre os mais citados, por exemplo. Isso é Bolsonaro: falastrão sem pudor.

Foi com afirmações abjetas sobre gays, índios, mulheres, petistas, partidos do centrão, os quais só repudiou por conveniência, que ele construiu a imagem de rebelde sem causa e saiu do anonimato dos 28 anos passados na Câmara Federal para se eleger presidente. Surfou a onda contra a corrupção, em especial contra Lula, o PT e a “velha política”, da qual é sócio remido e com ela elegeu três filhos - um senador, outro deputado federal e um vereador no Rio de Janeiro.

A política só lhes fez bem, apesar de o fundador da dinastia se eleger presidente graças à criminalização da política (com a ajuda da imprensa) pelos cruzados da Lava Jato, cujo ícone, Sergio Moro, saiu do governo batendo a porta. É hoje a sua maior ameaça, assim como as dezenas de milhares de mortes pela pandemia mal enfrentada pelo governo e a sequela da recessão. Esses são o seu labirinto.

Dele se esperava mais do que pode entregar, tal como se esperava o que Jânio Quadros, Fernando Collor e Dilma Rousseff não puderam ou não souberam satisfazer. A verdade é que a revolta da sociedade com a indiferença e incapacidade dos governantes em construir um país à semelhança da Europa e EUA tem sido recorrente desde os anos 1960.

Sequela dos gritos abafados

A política reflete, normalmente com atraso, as tendências formadas ao largo da direção dos partidos e das elites públicas e privadas. Entendê-las, se possível antecipá-las, é tão relevante quanto a inovação significa de ameaça aos negócios estabelecidos. Bolsonaro é enigma a decifrar. Não ele, mas o que atraiu parte da sociedade.

Talvez a mesma que elegeu com 100 mil votos entre 1,12 milhão de eleitores o rinoceronte Cacareco nas eleições municipais de 1959 em São Paulo (quando se escrevia nome ou número do candidato na cédula). Foi um sinal do que viria: Jânio, 1964, Collor, Lula.

É como se a sociedade gritasse e, não sendo ouvida, escolhesse a pior opção (meio como os movimentos estudantis de 1968 foram formas de expressão destrutiva de longo alcance dos valores que desprezam o sentimento majoritário, especialmente entre os jovens).

Loteria da morte é o normal

Tais reflexões induzem a pensar que Bolsonaro não é o problema a enfrentar, e, sim, as causas da insatisfação que o fizeram eleger-se como negação de “tudo isso que está aí” – o país obstruído.
O Cacareco de ontem foi o protesto de parte da sociedade em busca do bem-estar restrito a muitos poucos. O Cacareco de hoje espelha o empobrecimento da classe média estabelecida e receios existenciais, com a maioria de pobres também clamando por socorro.

A pandemia escancarou as necessidades dessa maioria de invisíveis aos cadastros sociais do governo; carentes da solidariedade dos que servem; tratados como ônus fiscal por economistas e burocratas tão preocupados com a solvência das contas públicas que precisou surgir um vírus mortal para expor a falência material do SUS.

Hoje, o país é levado a comover-se com a falta de respiradores e de UTIs nos hospitais da rede pública, como se fossem anormalidades devido ao elevado número de contaminados pelo covid-19. Na verdade, normal é a chamada “loteria da morte”, o método de escolha de quem deve ser salvo entre dezenas de pacientes que batem diariamente nas unidades do SUS sem que haja médicos e leitos para atender a todos.

Rixa entre a pá e o caixão

A verdade precisará ser encarada pela sociedade e ela começa com a aceitação de que o país vem mal há muitas décadas e agora entrou em metástase. A economia não estava pronta para decolar antes do vírus como diz o ministro Paulo Guedes nem voltará a crescer com vigor se faltar o investimento público como abre-alas ao capital privado.

Mas antes todos têm de acertar o passo, em especial o presidente, e não só governadores, Congresso e Judiciário, como disse o vice-presidente Hamilton Mourão, omitindo o sujeito da crise que estaria aí mesmo sem pandemia. Com o mundo em chamas e o governo sem rumo, não adianta pulverizar as responsabilidades. Em conferência com um grupo de empresários da Fiesp, Bolsonaro os instou a “jogar pesado” contra o governador João Dória para evitar o lockdown em São Paulo.

Dória desafiou Bolsonaro a sair da “bolha de ódio”. E vida que NÃO segue. Nem um nem outro sabem o que fazer. Bolsonaro nunca liderou um acordo nacional para planejar a entrada e a saída do isolamento. Dória faz um isolamento meia boca, que não reteve a contaminação e arrombou a economia. Fala agora de lockdown, que deveria ter sido o ponto de partida. Um só quer obediência e mandar. Outro faz cálculo político. Nessa rixa entre a pá e o caixão, todos são coveiros.

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