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Estado de Minas ANNA MARINA

Nos meus tempos de goleira, a bola rolava em plena Avenida do Contorno

Quando eu era menina, jogava futebol na rua com os primos. A impertinência ficava no ar: que família era aquela que não se importava com tamanho disparate?


03/08/2023 04:00 - atualizado 03/08/2023 08:39
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Ilustração mostra mulher de calças compridas e salto alto com o pé na bola de futebol

Nos muito antigamentes, minha família era imensa – cultura nascida em Santa Luzia, onde a maioria morava e cultivava o hábito de convivência, que acabou com o progresso desta vida moderna. Todos os parentes se conheciam, todos se visitavam, conhecíamos todos, próximos ou mais distantes. Há dois meses, fui à Teixeirada, que busca reunir novos e antigos da família, mas reconheci pouca gente. E logo eu, que sempre fui furona, casa de parente era como minha casa, frequentava todas com a maior sem cerimônia.

A pressa da vida moderna acabou com esse tipo de convivência, e procuro fazer o que posso em minha casa. Em minha meninice, lá pelos 12, 15 anos, morávamos no bairro Santo Antônio e eu vivia nas casas de parentes, onde passava sábados, domingos e feriados. Por uma dessas curiosidades da vida, na eram poucas as meninas na minha idade. Então, meus companheiros eram os meninos, a maioria dos parentes. Eu os acompanhava em tudo. Até no futebol.

Uma de minhas primas morava na Avenida do Contorno, quase em frente ao hotel que lá existe hoje. Gostava de ir em sua casa aos domingos, porque tinha duas atrações muito boas: o futebol jogado no canteiro do gramado, que ficava no meio da avenida e foi transformado em pista de trânsito, e os trocados que seu irmão nos dava para irmos à matinê, no Cine Avenida.

O futebol começou aos poucos. A cada fim de semana, aparecia um novo jogador, porque a  meninada naquela época não tinha celular nem outras distrações. Como eu topava tudo, é claro que fui jogar futebol com os primos, e era ótimo.

Enquanto o aprendizado com a bola ia aumentando, a avaliação dos times ia se aperfeiçoando. De tanto perder a bola e ser menina magrinha, acabei escalada como a goleira do nosso time, era mais fácil segurar a bola nos peitos. Não sei por quanto tempo fui goleira. Como era a única menina dos dois times, chamava a atenção.

Os carros de passeio que rodavam a cidade nas manhãs de domingo costumavam parar para ver o jogo e aquela menina jogando futebol com um bando de meninos, em plena área chique da cidade. A impertinência ficava no ar: que família era aquela que não se importava com tamanho disparate? Como é que deixavam a menina no meio daquela molecada, jogando futebol na rua?

Tenho saudades daquele tempo, pelo descompromisso da juventude e pela saudade dos meus companheiros de futebol. A vida me pregou uma peça, todos já se foram, dos mais novos aos mais velhos. Fiquei me lembrando daquela brincadeira que não existe mais, encantada com esses times de jogadoras mulheres que estão fazendo bonito pelo mundo.

O segundo tempo domingueiro também era ótimo. Íamos à matinê do Cine Avenida, onde passava a série “A deusa de Joba”, de 1936, que era o máximo.

Na volta, o bonde nos largava na Rua da Bahia e íamos torrar os trocados que sobravam tomando um copão de groselha de morango num botequim. Que menino de hoje se interessa por esse tipo de diversão?

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